No julgamento, porém, os ministros não trataram de um tema que foi alvo de controvérsia nas eleições municipais de 2020 e pode reaparecer no pleito do ano que vem: as lives de artistas em apoio a candidatos ou partidos. Afinal, estes eventos virtuais são comparáveis aos showmícios? Eles deverão ser liberados ou proibidos?
Gratuidade barrada
Segundo especialistas consultados pelo UOL, a lógica das lives deverá ser a mesma dos eventos físicos: só poderão ser feitas com o propósito de arrecadação de campanha. Em tese, segundo os especialistas, as lives não poderão ser gratuitas. Todos os recursos arrecadados deverão ser declarados à Justiça Eleitoral, que precisa ser informada sobre as transmissões.
Provavelmente, a dinâmica será a seguinte: uma vez anunciada a live, os organizadores da campanha deverão criar uma página de crowdfunding [financiamento coletivo], em que o interessado compra o ingresso para assistir ao show”, explica a advogada Ana Paula Barmann, especialista em direito eleitoral e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político). “No fundo, nada mais é do que uma arrecadação de fundos pela internet”, resume.
“A legislação eleitoral não dá um tratamento específico para as lives. Mas as lives seguem esse entendimento definido pelo STF”, complementa o advogado Renato Ribeiro de Almeida, também membro da Abradep.
Caetano Veloso
O entendimento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre as lives foi moldado em novembro do ano passado, a partir de uma disputa que envolveu Caetano Veloso. Em novembro do ano passado, o cantor fez um show virtual em apoio às candidaturas de Manuela D’Ávila (PCdoB) à prefeitura de Porto Alegre e Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo.
Caetano só foi autorizado a se apresentar depois de o TSE derrubar decisões em duas instâncias no TRE-RS (Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul) que impediam o evento, com o argumento de que ele seria equivalente a um showmício. Quando o TSE enfim permitiu a live, a decisão foi comemorada por Manuela como uma “vitória da liberdade de expressão”.
Impedimento aos showmícios
A diferença entre um showmício e um evento de arrecadação está no público-alvo. Os primeiros foram proibidos em 2006 com a justificativa de que abrem brecha para abuso econômico. Isso porque campanhas mais ricas poderiam contratar artistas famosos e usar sua influência para conquistar votos, o que configuraria propaganda eleitoral irregular.
A ação no STF que pedia a volta dos showmícios havia sido protocolada em 2018 pelos partidos PSB, PSOL e PT. No processo, as legendas pediam que os showmícios fossem autorizados desde que não houvesse cachê ou outro tipo de remuneração aos artistas. O argumento, contudo, não convenceu os ministros do Supremo, que rejeitaram o pedido por 8 votos a 2.
Para a advogada Ana Paula Barmann, o risco de abuso de poder econômico poderia ser contornado. Considerando que a justiça estabelece limites para as despesas dos candidatos, eles poderiam fazer uso da verba da forma como preferissem desde que não estourassem o teto, avalia a especialista.
“Eu penso que nós poderíamos liberar também os showmícios. O que tem que ser rigoroso é a prestação de contas. Sendo respeitado o limite de gastos para cada campanha, se o candidato quiser gastar todos os seus recursos em um showmício, o problema é dele”, defende.
Na ação que acabou rejeitada pelo STF, os partidos afirmavam que a proibição aos showmícios é inconstitucional, porque atentaria contra a liberdade de expressão.
“Restrições às artes no contexto eleitoral não ofendem apenas os direitos dos artistas e dos candidatos que eles apoiem. Elas violam também o direito dos eleitores, que ficam privados do acesso a manifestações artísticas que poderiam ser relevantes para a formação do seu próprio convencimento político”, defendia a ação das legendas.