BRASIL
Como é a vida na cidade onde gasolina já custa R$ 8
O movimento de carros está menor nas ruas, nos postos de combustíveis e nos estacionamentos das cidades do extremo Sul do Brasil. Segundo os moradores, a principal razão é o custo do combustível – que não para de subir.
De acordo com um estudo do Ibre/FGV, a inflação do motorista brasileiro chegou a 18,46% no acumulado de 12 meses até outubro. Em Bagé, a 378 quilômetros de Porto Alegre, o litro da gasolina comum encostou nos R$ 8,00. Trata-se do preço mais caro segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que entre 31 de outubro a 6 de novembro consultou 4.733 postos de Norte ao Sul do país.
No começo de 2021, o litro da gasolina comum tinha um valor médio de R$ 5,54 em Bagé. De lá pra cá, aumentou R$ 2,46. A escalada chegou a motivar a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Câmara de Vereadores para apurar o motivo dos preços elevados, ainda sem definição.
Para se locomover na “cidade com a gasolina mais cara do Brasil”, o jeito é reorganizar a rotina. Para o pedreiro Eduardo Dutra de Medeiros, 37 anos, o rearranjo inclui ir ao supermercado a cada 15 dias, em vez de ir semanalmente, além de criar roteiros mais econômicos e trocar o meio de transporte.
“Antes eu fazia orçamentos de carro, agora eu deixo todos os pedidos para um único dia, traço um caminho sem muitas voltas e ainda uso a moto da minha esposa para baratear meu custo”, diz Medeiros. Ele não foi o único bageense a trocar quatro por duas rodas.
Conforme noticiado pela imprensa local, a base do Detran-RS (Departamento de Trânsito do Rio Grande do Sul) registrou o emplacamento de 218 novas motocicletas em Bagé entre janeiro e setembro de 2021.
O aumento foi de 32% em comparação ao mesmo período do ano anterior, quando o houve 165 motos registradas. A propaganda de um consórcio é categórica: “Tá afim de economizar na gasolina? Vai de moto nova”.
Além de aderir à moto, Medeiros tem acrescentado o custo da gasolina ao valor da mão de obra – o que não fazia até então. “Eu calculo a quilometragem da minha casa até o cliente, e quantos dias levo para realizar a obra. Então converto a quantidade de gasolina que vou usar pelo valor que pago pelo litro no posto.”
Segundo o pedreiro, já houve ocasiões que os clientes rejeitaram propostas por causa do adicional cobrado pela gasolina. Ele diz que não tem alternativas – converter o carro para GNV (Gás Natural Veicular) é impraticável: à semelhança de outras cidades próximas à fronteira com a Argentina e o Uruguai, Bagé não tem posto autorizado a vender o produto.
Por que tão caro em Bagé?
A pergunta não tem uma resposta única, de acordo com João Carlos Dal’Aqua, presidente do Sulpetro (Sindicato dos Postos de Combustíveis do RS).
A explicação mais ouvida é a de que o município fica longe da principal refinaria gaúcha, a Alberto Pasqualini (Refap), em Canoas – cerca de 400 quilômetros de distância. Isso cria um custo logístico mais elevado. Ocorre que existem cidades ainda mais longínquas da Refap, e nem por isso o preço da gasolina é mais caro do que em Bagé. Aqui entram as outras respostas.
Bagé, por exemplo, não se caracteriza como um grande centro consumidor de combustível, como é a região metropolitana de Porto Alegre. “Em grandes centros urbanos, o posto pode ganhar na venda em escala. Mas em cidades menores é difícil ter venda nova, o que resulta em um repasse maior ao consumidor”, explica Dal’Aqua.
Além disso, postos menores geralmente têm menor poder de barganha com as distribuidoras. Também é preciso considerar que cada revendedor adota uma estratégia mercadológica ao colocar o preço na bomba.
O presidente da Sulpetro menciona que Bagé leva a má fama porque é onde a ANP realiza as pesquisas. Em Dom Pedrito, município vizinho de 38 mil habitantes (onde a ANP não faz pesquisas), o combustível é ainda mais caro – um dos postos da cidade vendia o litro da gasolina comum a R$ 8,17 nesta semana; a gasolina aditivada saía a R$ 8,27.
De acordo com Sergio Ivan Alves Lopes, 46 anos, a elevação da gasolina na bomba explica boa parte do intenso movimento que registra em sua loja de venda e reparo de bicicletas. “Os dois mecânicos da loja estão sempre ocupados”, diz. No acumulado de 2021, o faturamento da empresa cresceu 50% em comparação com 2019, ano anterior à pandemia. Não só pela venda, mas também pela inflação – os produtos importados ficaram mais caros.
A bicicleta é uma opção de locomoção vantajosa a um município pequeno como Dom Pedrito. Motocicletas também, a exemplo de Bagé. “Moto não é tão gastadeira quanto carro, né? Só que o custo da moto também subiu aqui”, reclama Lopes.
Antes da pandemia, bastavam R$ 2 mil para comprar uma moto popular usada. “Agora, tu sais com R$ 5 mil pra comprar – e tem vezes que, aqui na cidade, nem se encontra motocicleta a esse preço.”
Um posto, dois preços
Flávio Farias Staevie, 55 anos, é dono de uma rede com três postos de combustíveis em Bagé. Além de se queixar do estigma que a cidade carrega, em razão das pesquisas da ANP (inclusive feitas em dois postos de sua propriedade), ele garante que, na prática, nenhum posto da cidade vende a gasolina pelo preço exibido no totem.
“Desde que entrei no ramo, em 1994, existe uma cultura de desconto na cidade”, diz o empresário. Cada posto de gasolina adota a própria política de abatimento.
Staevie, por exemplo, concede desconto de 5% por meio de um aplicativo. Qualquer cliente pode abrir o app do posto e gerar um código promocional, fazendo com que o litro da gasolina comum caia de R$ 7,993, como exibido na bomba, para R$ 7,597.
Para clientes corporativos, como concessionárias e supermercados, o empresário concede descontos ainda maiores, que podem chegar a 10%, a depender do consumo médio mensal. É uma das formas que encontrou para captar novos clientes e fidelizar os antigos. Mesmo assim, a quantidade de gasolina comercializada não para de cair.
“Não sei te quantificar precisamente. O que sei é que hoje eu vendo menos gasolina do que antes”, diz ele. O empresário vende menos até para os funcionários: antes, cada frentista ia com o próprio carro ao trabalho. Agora, eles revezam entre si, em um esquema de carona compartilhada. Mais uma mudança provocada pela alta da gasolina.