POLÍCIA
Debates sobre segurança na Fronteira não avançam e sensação de medo persiste na região
Nesta segunda-feira (22) foi realizada mais uma reunião envolvendo autoridades dos municípios localizados na região da fronteira acreana com a Bolívia e o Peru. Nos últimos meses, foram realizados pelo menos três eventos parecidos sem que se chegue a medidas concretas e efetivas com relação ao crescimento da criminalidade interfronteiriça.
Desta vez, o encontro foi uma iniciativa dos vereadores de Brasiléia e de Epitaciolândia, que no último dia 6 de novembro chegaram a bloquear as pontes que ligam as duas cidades acreanas a Cobija para chamar atenção da Segurança Pública para a onda de assaltos, roubos e furtos que, na grande maioria, têm como parada final, o lado estrangeiro.
Com a falta de fiscalização das pontes no lado brasileiro, bandidos vêm utilizando o lado boliviano como abrigo após cometerem os mais diversos tipos de crimes nas cidades acreanas. A situação é motivo de uma onda de insatisfação popular que resultou na exigência de uma solução para o problema, independentemente de quem seja a responsabilidade – estadual ou federal.
O secretário de Segurança Pública do Acre, o coronel da PM Paulo Cézar Rocha dos Santos, afirma que já estão sendo feitas tratativas com Brasília, por meio do Gabinete de Segurança Institucional, onde já foi tratado do assunto referente às fronteiras, principalmente a acreana. Segundo ele, é um tema que exige a participação das autoridades federais, pois se trata de soberania e controle de fronteiras.
“O Acre vem fazendo seus esforços, trazendo tecnologias, viaturas e o reforço do aparato de forças trazidas de Rio Branco, no sentido de combate e controle ao acesso à fronteira. Acredito que as medidas aqui adotadas pela Segurança, surtirão efeitos”, disse o secretário de Estado durante o encontro.
Paulo Cézar também destacou que houve um “aumento absurdo” de crimes nos últimos meses e reconheceu que há a necessidade de um olhar mais diferenciado na esfera logística tanto para a PM quanto para a Polícia Civil das duas cidades. Ele anunciou que até o final deste mês, o estado investirá em novos equipamentos de vigilância e viaturas que irão ajudar no combate aos crimes.
Também presente no mais recente encontro, o coronel Ulisses, diretor na Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Acre (Sejusp), reforçou que além das ações que já estão sendo efetivadas na área de vigilância na fronteira, a demanda será levada ao governo federal, por meio de um pedido de apoio por parte da Força Nacional.
O evento desta segunda-feira também contou com a presença de representantes na área de Segurança do Peru e da Bolívia e do juiz Clovis Lodi, representando o Judiciário acreano. Apenas dois parlamentares acreanos estiveram presentes: o deputado Léo de Brito e o deputado estadual Cadmiel Bomfim – razão de críticas por parte dos participantes do encontro.
Fronteira do medo
Nos últimos meses, a violência na região da fronteira acreana, especialmente nas cidades gêmeas de Brasiléia, Epitaciolândia e Cobija tomou proporções ainda não vistas. Roubos de veículos, especialmente motocicletas, que estão tendo como principal modo os assaltos à mão armada em plena luz do dia, estão cada vez mais comuns nas duas cidades acreanas.
O destino dos veículos é quase sempre a capital do departamento de Pando – Cobija – para onde os criminosos brasileiro e bolivianos se evadem imediatamente após os crimes. Nas duas pontes a passagem é livre, sem nenhum tipo de fiscalização no lado brasileiro para quem entra ou quem sai. Nem mesmo à noite há fiscalização nos dois acessos ao lado boliviano.
Na semana passada, dois suspeitos de estarem cometendo assaltos no lado brasileiro escaparam cinematograficamente de duas guarnições da Polícia Militar após serem abordados nas proximidades da Ponte Internacional, em Epitaciolândia. Os bandidos chegaram a atirar contra os policiais, que revidaram, mas nenhum dos dois criminosos foram presos.
Em agosto deste ano, uma comerciante boliviana foi assassinada em pleno mercado municipal de Epitaciolândia. Maria Eugênia Alavi Burgoa, de 39 anos, era compradora de produtos hortifrutigranjeiros no lado brasileiro com o fim de comercializar em Cobija. Ela teve a bolsa em que guardava o dinheiro roubada pelo assassino logo após ter sido atingida por tiros à queima roupa.
Relatos feitos por vários moradores das duas cidades brasileiras, indicam que a sensação na região é de medo e insegurança. É quase uma unanimidade entre os habitantes locais que a falta de fiscalização nas pontes Internacional e Wilson Pinheiro é um dos principais fatores para a situação que hoje está estabelecida em Brasiléia e Epitaciolândia.
Falta de ações integradas
Com quase 100 mil habitantes, o núcleo urbano formado pelas cidades brasileiras de Brasiléia e Epitaciolândia, no Acre, e pela capital do departamento de Pando, Cobija, na Bolívia, não possui, pelo menos na prática, um plano integrado de combate à criminalidade que se apresenta como um dos principais problemas na região.
Uma das grandes demonstrações da falta de medidas efetivas por parte das autoridades dos dois países relacionadas à segurança pública na área de fronteira é, exatamente, a falta de fiscalização permanente nas chamadas “trancas” localizadas nas duas pontes que ligam as duas cidades brasileiras à Cobija.
Quem rotineiramente atravessa a fronteira, seja por Brasiléia ou por Epitaciolândia, raramente é parado para averiguações. Uma exceção ocorre no lado boliviano, onde, comumente, funcionários aduaneiros pedem aos motoristas brasileiros que abrem os porta-malas dos veículos para uma rápida verificação e nada mais do que isso.
A facilidade na passagem pelas pontes que integram as cidades-gêmeas fomenta o crime nos dois lados da fronteira. Nos últimos anos, o roubo de veículos no Acre cresceu assustadoramente, de maneira especial na zona rural, onde o principal alvo dos criminosos são caminhonetes, que depois de roubadas são levadas para o lado boliviano.
Em agosto passado, o delegado Luís Tonini, da delegacia de Epitaciolândia, disse ao ac24horas que a falta de fiscalização na fronteira não é apenas um facilitador, mas um motivador para a criminalidade na região das três cidades. Segundo ele, mesmo havendo a possibilidade do uso de rotas alternativas às passagens pelas pontes por criminosos, haveria uma “inibição mínima” para crimes que têm ocorrido de forma rotineira, como os roubos de veículos.
“Como há essa facilidade de trânsito e não há qualquer fiscalização, e quero lembrar aqui que essa não é uma responsabilidade do estado do Acre, mas do governo federal, e a gente não vê, com excepcionalidade, nenhum tipo de fiscalização exercida aqui pelas forças de segurança federais, sem querer desmerecer o trabalho da Polícia Federal, mas referindo-me mais ao Exército, que tem poder de polícia aqui e poderia ser mais efetivo nessa questão”, disse.
Em 2019, outro crime de latrocínio, dessa vez em Brasiléia, abriu um grande debate sobre segurança pública e aumento da violência na região da fronteira acreana com a Bolívia. A morte do produtor rural Raimundo Nonato Pessoa, o Mundico, que tinha 55 anos à época do crime, que foi assassinado dentro de sua casa durante um assalto, chegou a render uma audiência pública sobre o assunto.
Desde então, pouco ocorreu de efetivo a respeito da questão relacionada à segurança na área de fronteira que envolve outros municípios, como Capixaba, Plácido de Castro e Assis Brasil, considerando que o Grupo Especial de Fronteira (Gefron), que foi a ação mais relevante do governo acreano com relação ao problema nos últimos anos já havia sido criado naquela ocasião.
Mais recentemente, em abril deste ano, a então governadora do departamento de Pando, Paola Terrazas, esteve em Rio Branco para tratar com o governo do Acre da retomada de um convênio que tem como finalidade a troca de informações e ações integradas que reforcem a segurança pública nas principais regiões de fronteira daquele país com o estado vizinho.
A fiscalização efetiva e permanente da fronteira entre as três cidades é uma reivindicação antiga das populações locais. O entendimento é o de que a medida dificultaria a ação de criminosos que atuam nos dois países. O avanço da criminalidade na região está mantendo aceso o alerta para essa questão que vem sendo, há muito tempo, empurrada com a barriga.