GERAL
Morre o poeta amazonense Thiago de Melo, aos 95 anos; é o autor do “Estatuto do Homem”
Morreu na madrugada desta sexta-feira (14), de causas ainda não reveladas o poeta amazonense Thiago de Mello, aos 95 anos. A informação foi confirmada no Twitter pelo senador pelo Amazonas Plínio Valério e pelo ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, amigos do poeta.
“Hoje é um dia escuro, mas o nosso poeta continuará cantando, agora, acompanhado e anjos e querubins. Seu legado de versos e poesias eternizado nos corações de todos”, escreveu Valério
Thiago de Mello nasceu em 1926, em Porantim do Bom Socorro, município de Barreirinha, no Estado do Amazonas, no dia 30 de março daquele ano. O homem que foi para o Rio de Janeiro ainda jovem para estudar medicina, tornou-se, além de poeta, tradutor brasileiro, reconhecido como um ícone da literatura regional. Sua poesia está vinculada ao Terceiro Tempo Modernista.
Thiago de Mello, nome literário de Amadeu Thiago de Mello, aos cinco anos de idade, em 1931, mudou-se com a família do interior do Amazonas para a Capital, Manaus. Ali iniciou seus estudos no Grupo Escolar Barão do Rio Branco e depois, no Ginásio Pedro II. Mais tarde mudou-se para o Rio de Janeiro, onde em 1946 ingressou na Faculdade Nacional de Medicina, mas não chegou a concluir o curso para seguir a carreira literária.
Em 1947, Thiago de Mello publicou seu primeiro volume de poemas, “Coração da Terra”. Em 1950 publicou seu poema “Tenso Por Meus Olhos”, na primeira página do Suplemento Literário do Jornal Correio da Manhã. Em 1951 publicou “Silêncio e Palavra”, que foi muito bem acolhido pela crítica. Em seguida publicou: “Narciso Cego” (1952) e “A Lenda da Rosa” em (1957).
Em 1957, Thiago de Mello foi convidado para dirigir o Departamento Cultural da Prefeitura do Rio de Janeiro. Entre 1959 e 1960 foi adido cultural na Bolívia e no Peru. Em 1960 publicou “Canto Geral”. Entre os anos de 1961 e 1964 foi adido cultural em Santiago, no Chile, onde conhece o escritor Pablo Neruda, de quem faz a tradução de uma antologia poética. Eram amigos.
Logo depois do golpe militar de 1964, Thiago renunciou ao posto de adido cultural e em 1965 foi residir no Rio de Janeiro. Sua poesia ganhou forte conteúdo político e Indignado com o Ato Institucional nº. 1 e por ver a tortura ser empregada como método de interrogatório, escreveu o seu poema mais famoso, “Os Estatutos do Homem” (1977), cuja íntegra é a seguinte:
Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.
Em 1966, Thiago de Mello publicou “A Canção do Amor Armado” e “Faz Escuro Mais Eu Canto” (1968). Perseguido pelo governo militar, retornou para Santiago, onde permaneceu exilado durante dez anos. Em 1975 recebeu o Prêmio de Poesia da Associação Paulista de Críticos de Arte, pelo livro “Poesia Comprometida Com a Minha e a Tua Vida”.
Thiago de Mello, autor de uma obra vinculada à geração de 1945, tornou-se nacionalmente conhecido na década de 1960 como um intelectual engajado na luta pelos Direitos Humanos, e manifestou em sua poesia o seu repúdio ao autoritarismo e à repressão. Depois do exílio político, voltou ao Brasil em 1978. Ao lado do cantor e compositor Sérgio Ricardo, participou do show “Faz Escuro Mas Eu Canto”, dirigido pelo cronista Flávio Rangel. Ainda em 1978, retorna para a cidade de Barreirinhas, no Amazonas. Em abril de 1985, o poema “Os Estatutos do Homem”, de 1977, foi musicado por Cláudio Santoro, e abriu a temporada de concertos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Veja o poema “Faz Escuro mas Eu canto”:
Faz escuro, mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia. (…)
Para os que Virão
Como sei pouco, e sou pouco,
faço o pouco que me cabe
me dando inteiro.
Sabendo que não vou ver
o homem que quero ser.
Já sofri o suficiente
para não enganar a ninguém:
principalmente aos que sofrem
na própria vida, a garra
da opressão, e nem sabem. (…)”.
Thiago de Melo deve ser sepultado no Amazonas, terra que ele sempre reverenciou. O mundo se faz menor neste dia em que o poeta baixa à terra fria