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GERAL

Obrigatoriedade da vacina é antiga e eficaz, mas politização mina adesão

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Vacina em CZS. Foto: Ilustrativa

A obrigatoriedade da vacinação já ocorre há pelo menos dois séculos e teve sucesso — na erradicação da varíola, por exemplo. Escolas no Brasil e no mundo exigem que as crianças e jovens estejam vacinados contra uma série de doenças para serem matriculados. Um estudo de pesquisadores americanos e canadenses publicado em 2018 na plataforma Science Direct contabilizou mais de 100 países com políticas de obrigatoriedade de vacinas, com 62 deles prevendo penalidades.

A resistência foi grande no início da história dos imunizantes, como no caso da varíola, que incluiu a Revolta da Vacina no Brasil, no início do século XX. Na época, a obrigatoriedade teve “um papel fundamental na redução da mortalidade e das taxas de casos” daquela doença, afirma artigo publicado em fevereiro de 2021 na revista Lancet.

Até a vacina contra a poliomielite, que surgiria mais tarde, na década de 1950, chegou a provocar uma resistência pequena. O imunizante, porém, foi amplamente celebrado, já que combatia um vírus responsável por deixar crianças paralisadas. Hoje, pesquisadores da área de saúde apontam um contraste entre a solidariedade que surgiu naquela época e a falta de empatia que o movimento antivacina atual exprime em relação às vítimas da Covid-19, que já causou 5,6 milhões de mortes no mundo. Eles atribuem isso à politização da pandemia, amplificada nas redes sociais.

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— Algo mudou dramaticamente na nossa sociedade. A ideia de que as vacinas não são seguras e efetivas é totalmente sem sentido — afirma John Swartzberg, professor emérito de doenças infecciosas e vacinação da Escola de Saúde Pública da Universidade da Califórnia. — O problema é outra coisa, que não está completamente clara. É um problema que tem sido abastecido em redes sociais, que dão voz a pessoas que divulgam desinformação.

Vários países bateram em um muro na vacinação contra a Covid depois de um início acelerado. Nações como Alemanha, Reino Unido e EUA vacinaram 50% de sua população até julho de 2021, mas as duas primeiras só recentemente passaram a barreira dos 70%, enquanto nos EUA a taxa está parada em 63%.

Liberdade para infectar

Para vencer os bolsões de recalcitrantes, vários países vêm adotando medidas de coerção, ainda que sem a obrigatoriedade generalizada. Passes de vacinação e mandatos de vacina para categorias profissionais e faixas etárias são as mais comuns. Nos EUA, onde a Suprema Corte derrubou uma determinação da Casa Branca que exigia que empresas com mais de 100 funcionários cobrassem a imunização, surgem iniciativas isoladas — caso de um hospital de Boston que negou um transplante de coração a um homem que recusava a vacina anti-Covid, argumentando que os órgãos são raros e ele teria mais chances de morrer após a cirurgia.

No país de Joe Biden, a politização da pandemia é evidenciada em pesquisas. Mais de 91% dos democratas adultos receberam pelo menos uma dose da vacina, taxa que cai para 60% entre republicanos. Embora o ex-presidente Donald Trump seja um defensor da vacina, suas declarações que minimizavam a Covid contribuíram para essa divisão.

Na Áustria e na Alemanha, os protestos antivacina são promovidos pela extrema direita. Na França, a extrema esquerda também aderiu ao movimento contra o passaporte vacinal. Os discursos são semelhantes ao usado no Brasil pelo presidente Jair Bolsonaro, que diz não ter se vacinado e chamou o passaporte de “coleira”. Seu ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que é “melhor perder a vida do que a liberdade” quando a Anvisa recomendou o passe.

— O discurso da liberdade individual foi tirado de contexto. Ele nunca foi um princípio absoluto, é um princípio relativo que depende de limites éticos — afirma o advogado Daniel Lança, especialista em ciências jurídico-políticas, pontuando que a Covid não afeta apenas uma pessoa. — Os governos têm legitimidade para propor restrições individuais com base no argumento ético. Obviamente, o governo não deve pegar uma pessoa pelo braço e botar na fila da vacinação. Agora, se ela não quiser se vacinar, ela vai sofrer as consequências disso, uma vez que vivemos em coletividade.

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A despeito da oposição, as medidas coercitivas vieram para ficar, disse Thomas Hale, professor de políticas públicas na Universidade de Oxford que lidera uma equipe que rastreia respostas contra a pandemia no mundo. “O uso crescente de exigências de vacinação é a tendência mais significativa das políticas de resposta à Covid no segundo semestre de 2021. E minha expectativa é de que continue assim em 2022, à medida que os países procuram encontrar uma maneira de ‘viver com’ o vírus”, disse ele por e-mail. “Minha análise é que as exigências aumentam claramente o número de pessoas vacinadas.”

A discussão que paira agora é o quão agressivas as medidas devem ser. Para Fernando Aith, professor do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, bastante: com multas e passes só para vacinados, restringindo cada vez mais o espaço social dos que rejeitam a vacina, até sua vida ficar “um porre, restrita ao privado”.

— Na teoria jurídica não existem regras sem sanção, porque senão elas não são uma obrigação, são só uma diretriz que a pessoa segue ou não. Uma hora isso pode ser um entrave à vida dele, e ele vai falar: “Eu vou me vacinar, né? Essa minha opção ideológica não está mais valendo a pena”.

Aith também defende que, uma vez que a vacina esteja amplamente acessível, ela se torne obrigatória para matrículas nas escolas. Já Rosana Richtmann, médica infectologista do Instituto Emílio Ribas, discorda da obrigação, temendo que a medida ponha em xeque a educação dos jovens.

— Sou contra punições. O melhor é a gente saber comunicar, fazer campanhas adequadas, mostrar as vantagens da vacinação — diz ela. — Restringir a educação de uma criança tem que ser o último recurso. Lógico, a criança não vacinada vai ter menos acesso, talvez não possa frequentar uma aula de educação física, onde todo mundo vai estar jogando sem máscara.

Integrante do Comitê de Imunizações da Sociedade Brasileira de Infectologia, Richtmann também acredita que multar não vacinados é uma “punição”, e que as medidas deveriam ser direcionadas apenas a restringir o acesso dos não vacinados a espaços públicos e fechados.

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