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BRASIL

Médicos da maior UTI de Covid do país, em que 91% das mortes são de não imunizados, falam de arrependimento de pacientes antivacina que veem quadro se agravar

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A Ômicron gerou pandemias dentro da pandemia. A primeira é uma onda que tem contaminado muita gente, mas, graças às vacinas, a maioria dos casos se desenvolve sem gravidade. A segunda pandemia é com as pessoas não vacinadas ou com o esquema vacinal incompleto. Para elas, a Ômicron se mostra tão devastadora quanto as variantes anteriores do vírus.

A face agressiva da Ômicron é visível nos leitos de UTI do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, em Acari, na Zona Norte do Rio, onde a equipe do EXTRA passou um dia acompanhando a rotina. Ela está expressa nos rostos dos pacientes intubados e ligados a máquinas. Está estampada na angústia daqueles fora do tubo, mas prostrados, sem forças para reagir e cientes da gravidade de seu estado.

Dados do hospital mostram que a maioria dos casos de Covid-19 que agrava (mais de 90%) é em não vacinados ou em quem está com a vacinação incompleta. E a forma grave da Ômicron é como a da Delta e da Gamma, das ondas anteriores: tira o ar, rouba forças, inflama, infesta o corpo com trombos.

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— A Ômicron aparentemente tem um menor potencial de levar ao agravamento. Mas observamos que os casos que evoluem para uma maior gravidade são os de não vacinados ou com esquema vacinal incompleto. Muitos deles estão intubados ou à beira de ir para a intubação — afirma o diretor do Ronaldo Gazolla, Roberto Rangel.

Nesses pacientes sem proteção de vacina se vê com nitidez o comprometimento pulmonar severo. Estão lá as alterações fisiopatológicas típicas das demais variantes do coronavírus, como trombos disseminados.

— Temos uma população muito vacinada e, por isso, se criou a ilusão de que a Ômicron é leve — enfatiza Rangel.

Maior UTI de Covid-19 do Brasil, o Gazolla havia dado alta ao último paciente com coronavírus em novembro de 2021. O hospital voltou a atender outras doenças, e a equipe acreditava que o pior da pandemia tivesse passado. Mas essa esperança durou pouco. Em janeiro, os casos graves explodiram.

Na última quinta-feira, o Gazolla estava com 350 dos seus 420 leitos dedicados a pacientes com Covid-19. Desses, 45% não estavam vacinados; 39% estavam com o esquema vacinal incompleto; e os demais eram vacinados com esquema completo e tinham uma peculiaridade: já sofriam de doenças graves e são, em sua maioria, idosos.

As mortes evidenciam ainda mais a violência da Ômicron para quem não tem a proteção da vacina. Desde a reabertura de leitos exclusivos para a Covid na unidade, 56% dos óbitos foram de não vacinados, 35% de pacientes com esquema vacinal incompleto e 9% de pacientes vacinados, mas com comorbidades descompensadas e em grau avançado de doenças de base.

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— Se o paciente é vacinado, não vemos os microtrombos, o padrão disseminado de vidro fosco nos pulmões e os distúrbios neurológicos tão característicos da forma grave da Covid-19. A gente trata mais as comorbidades dessas pessoas. A Covid-19 em si agrava pouca coisa — destaca Rangel.

No Gazolla, chama atenção o arrependimento dos doentes sem vacina. Muitos saem da ambulância implorando: “Posso me vacinar, vou melhorar?”. Eles ouvem que não, pois já estão doentes, e a vacina não pode mais salvá-los desta infecção. Vão ter que esperar passar um mês após a alta para então se vacinarem e não correrem de novo um risco desnecessário.

— Infelizmente, essas pessoas descobrem da pior forma a Covid-19 como a Covid-19 é. Suas crenças e convicções ideológicas são de uma só vez desconstruídas pelo coronavírus. Esses pacientes se desesperam arrependidos ao se defrontarem com a verdade que negaram — afirma Rangel.

Ele lembra o caso de um paciente que marcou a equipe do Gazolla. De início, José (nome fictício para preservar a identidade), de 66 anos, se negava a aceitar que tinha Covid-19. No quinto dia de internação, seu estado piorou, e José se desesperou: “Por favor, me perdoem. Sei que a culpa é toda minha, mas me salvem”. Infelizmente, José não resistiu. E só após sua morte sua família se vacinou.

Como a maioria da população do Rio está vacinada, a taxa de letalidade diminuiu muito. Não fosse por isso, médicos não hesitam em dizer que estaríamos enfrentando um massacre:

— Muitas mortes eram evitáveis. Não era para ninguém estar sem vacina em janeiro.

‘Nós estamos nos sentindo desrespeitados’

No Gazolla, desde o segundo semestre de 2021, profissionais de saúde vestem uniformes de cores vivas: médicos usam amarelo; enfermeiros, vermelho; técnicos, verde; e assim por diante. Rangel explica que a ideia foi facilitar a identificação deles em momentos de emergência. Mesmo sem ser intencional, a medida acabou por dar um pouco de leveza ao ambiente. Porém, com o devastador aumento de casos da Ômicron, deixou de haver espaço para sutilezas. Nos corredores e à beira dos leitos, as roupas coloridas perdem o viço sob o branco quase transparente dos trajes de proteção. E os olhos revelam o esgotamento por atrás das máscaras nos rostos dos profissionais.

— A população está cansada da pandemia, é compreensível. Mas nós, profissionais da linha de frente, estamos esgotados. E nos sentimos traídos, desrespeitados por quem não se protege e contribui para que o vírus continue a causar sofrimento — afirma a intensivista Ana Helena Barbosa: — O direito de não se vacinar termina quando começa o os outro de não adoecer e o nosso de não padecer de esgotamento. É duro ver esse hospital tomado pela Covid-19 de novo. Na maioria das vezes, por pessoas que chegam pedindo ajuda, mas não fizeram nada para evitar adoecer. Ainda assim, estamos aqui para fazer tudo que for possível para salvar todos.

Rotina de videochamadas está de volta

Os profissionais da linha de frente — médicos, enfermeiros, técnicos, maqueiros e outros — temeram quando a onda da Ômicron começou a ganhar altura e se aproximar. Em janeiro, logo depois do réveillon, ela estourou e encheu novamente os hospitais de casos de Covid-19.

— Estamos tão exaustos, que o começo de janeiro parece ter acontecido há uma eternidade — diz o intensivista Leonardo Oliveira, coordenador de UTI do Ronaldo Gazolla.

Para não correr o risco de contaminar a família, Leonardo passou dois anos sem ver os pais e só voltou a abraçá-los após todos estarem vacinados. O reencontro no último Natal foi emocionante, mas a alegria durou pouco. Agora, de volta à rotina dos casos graves, só fala com os parentes videochamadas.

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