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GERAL

Morre Valério, ‘filho adotivo’ do médico Barral Y Barral, que vivia em situação de rua na Capital

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Rudson encontrou o companheiro Valério morto ao amanhecer; ele havia morrido dormindo. Foto: Reprodução

Tão parecidos, que viveram de forma quase igual nas ruas de Rio Branco mas tão diferentes ao ponto de o registro de suas mortes, ocorridas num período de pelo menos 15 entre uma e outra, terem divulgação diferenciadas. Enquanto a morte de “Nego Bau”, morador de rua famoso em Rio Branco e que morreu nos primeiros dias deste ano, causou comoção social com direito a manifestações públicas que foram de pessoas comuns às mais elevadas autoridades do Estado, como o governador Gladson Cameli, a morte de Valério Rodrigues, aos 61 anos de idade, deu-se praticamente sem comoção – tanto que, mais de 15 dias depois em que ele foi encontrado morto, pouca gente, nem mesmo os atentos repórteres da imprensa, sabia do corrido.

O silêncio em torno da morte de Valério, que morreu dormindo na casinha humildade em que vivia com o namorado, Rudson Nunes, de 55 anos, parece mais uma ironia na vida deste homem que, antes de passar a viver em situação de rua, frequentava as colunas sociais e vivia entre os filhos mais abastados da sociedade, frequentava rodas dos jovens bem nascidos e que tinha entre amigos pessoas como os irmãos Jorge e Tião Viana, que chegaram a ser inclusive governadores do Estado mas nada fizeram em seus governos para que o ex-amigo de adolescência e outras pessoas em situação de rua saíssem desta condição. Nenhum dos dois políticos, ao contrário do que fizeram em relação a “Nego Bau”, não se manifestaram sobre a morte de Valério.

A história trágica de Valério começa nos anos 50, com o Acre ainda na condição de Território Federal. Filho de um casal de alcóolatras que já vivia em situação de rua numa época em que Rio Branco, embora fosse Capital de um futuro Estado, não passava de uma cidadezinha de ruas de terra batida, tinha mais dois irmãos – Juscelino e Sarah, mais novos do que ele e que, no entanto, morreram anteriormente, também em condições de rua, viciados em drogas e álcool – Sarah, aliás, como a mãe, antes de morrer, também enveredou para a prostituição.

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Os nomes dos três irmãos, pela ordem Valério, Sarah e Juscelino, homenagens a personalidades da República e da política na época do território, também é uma dessas ironias da vida. O nome Valério era uma homenagem ao então governador do Território do Acre, Valério Caldas Magalhães; Juscelino, claro, ao então presidente da República, Juscelino Kubistchek, e Sarah, homenagem à então primeira-dama Sarah Kubistchek.

O batismo dos três irmãos negros e órfãos de pai e mãe com nomes tão nobres foi dado pelo médico Barral y Barral – nome de uma policlínica municipal em Rio Branco, que atuava no Acre e se compadeceu com a situação as três crianças abandonadas. O médico as batizou com os nomes em homenagens dos políticos e personalidades que ele certamente admirava, mas a adoção não foi registrada em cartório, as chamadas “adoções à brasileira”, algo muito comum em todo o país. Com a morte do médico, que jamais casou e não tivera filhos naturais, nos anos 80, seus familiares, pessoas brancas de origem espanhola e portuguesa, vieram ao Acre em busca da herança mas não reconheceram a adoção dos três irmãos negros, os quais, até então, levavam vidas de luxo – Valério, por exemplo, chegou a morar e estudar Filosofia na PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro. “Ele era referência no Rio para os acreanos, abrindo o apartamento em que morava para todos os que o procuravam”, contou um amigo que foi hóspede de Valério no Rio de Janeiro, onde o homem que viraria morador de rua na cidade em que nasceu vivia a dar lautas festas e levava uma vida regada a muito álcool e muitas drogas, como é a vida de muitos dos chamados bem nascidos da sociedade.

Assim que o corpo do médico Barral y Barral baixou à sepultura, a vida dos irmãos Rodrigues entrou em desgraça e eles passaram a ter as ruas como lar, há mais de 20 anos atrás. Sarah e Juscelino pisaram fundo no mundo das rogas do álcool e morreram nos anos 90. Valério, instruído e bem relacionado, recebeu, inicialmente, algumas manifestações de apoio dos ex-amigos dos bons tempos, mas, ainda assim, não conseguiu desvencilhar-lhe das drogas. Homossexual assumido, ele viveu muito tempo nas ruas mas, a cerca de de 15 anos atrás, ele conheceu Rudson Nunes, também morador de rua e que vive da venda de balões na cidade. Ambos passaram a viver nas ruas, mas Rudson, mais comedido em relação às drogas, conseguiu convencer o companheiro a saírem das ruas e assim conseguiram a cessão de uma casa de um dos amigos de Valério e ali viviam em condições sem conforto ou assistência.

Foi Rudson que descobriu, ao amanhecer, que o seu companheiro estava morto. Ele havia morrido dormindo, durante à notie, de causas ainda não reveladas. Sem documentos, por muito pouco, ao contrário do que aconteceu com Nego Bau, quase foi sepultado como indigente.

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