POLÍCIA
Brasileiro que lutou ao lado de separatistas pró-Rússia contra a Ucrânia está preso condenado por tráfico de drogas
O brasileiro Rafael Marques Lusvarghi, de 37 anos, que há sete anos lutou como voluntário ao lado das tropas separatistas no confronto armado contra o exército da Ucrânia, está preso desde maio de 2021, em São Paulo. Em novembro do ano passado ele foi condenado pela Justiça paulista a pena de 8 anos, 1 mês e 6 dias de prisão em regime fechado pelos crimes de tráfico de drogas e posse ilegal de munições de arma de fogo em Presidente Prudente, interior do estado.
A Polícia Militar (PM) acusou Rafael de esconder 33 tabletes de maconha, pesando 25 quilos no total, e 350 munições de calibre 9 mm na casa onde morava. Em sua defesa, ele negou que estivesse traficando drogas ou que fosse dono das munições. Alegou, porém, que estava guardando o entorpecente e a munição no seu imóvel para outras pessoas desconhecidas. E que receberia R$ 3 mil por mês por isso. Uma balança para pesar a droga, uma moto e dinheiro (R$ 259,70 e 3,10 euros) foram apreendidos no local.
Procurada pelo g1 para comentar o assunto, a Defensoria Pública informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que atua na defesa de Rafael em relação a execução da sua pena. E que um advogado conveniado defende o condenado no processo criminal. A reportagem entrou em contato com uma advogada do preso, que disse que não falaria sobre o caso.
A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que Rafael cumpre pena na Penitenciária Compacta de Tupi Paulista.
Ucrânia e Rússia
Rafael começou a ser chamado pela imprensa brasileira e internacional de ‘guerrilheiro brasileiro’ por ter se alistado e lutado na Ucrânia em meados de 2014 e 2015, quando se juntou a militares rebeldes pela independência das províncias ucranianas de Donetsk e Luhansk.
Na última segunda-feira (21), o presidente russo, Vladimir Putin, reconheceu oficialmente a independência das duas regiões controladas pelos separatistas. A Rússia apoia as tropas que lutam para tornar as províncias dois países independentes. Além disso, é contra a inclusão da Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) por entender que isso afetaria sua soberania.
As declarações recentes de Putin têm acirrado a tensão entre russos, ucranianos e países aliados. O político autorizou, por exemplo, que soldados da Rússia atravessassem a fronteira com a Ucrânia em direção a Donetsk e Luhansk. O que ocorreu na madrugada desta quinta-feira (24), dando início ao conflito: ucranianos reagiram a invasão russa.
Em setembro daquele mesmo ano, Rafael escreveu em sua página no Facebook que havia desembarcado na Ucrânia para lutar pela libertação das duas províncias. “Eu vou ficar por um longo tempo agora. Eu me tornei voluntário no exército de Novarússia”, postou na rede social.
Trajetória
Mais velho de quatro irmãos nascidos em família de origem húngara e de classe média, Rafael é de Jundiaí, no interior de São Paulo. A mãe professora é separada do pai, empresário em Minas Gerais. Na adolescência, ele fez curso de técnico de agronomia.
Aos 18 anos, Rafael se alistou na Legião Estrangeira, na França, onde serviu por três anos. Na volta ao Brasil, foi soldado da Polícia Militar de São Paulo, entre 2006 e 2007. Depois tentou a carreira de oficial na PM no Pará, mas abandonou em 2009.
Rafael Lusvarghi na PM de SP — Foto: Divulgação / Arquivo pessoal
Em 2010, ele seguiu para a Rússia para estudar medicina. Lá aprendeu a língua local. Tentou ainda entrar para o exército russo, mas não conseguiu e voltou à América do Sul. Afirmou ter entrado no território colombiano, onde teria ingressado nas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Descontente, retornou ao Brasil. Fã de livros sobre vikings, ela tem a palavra bersek tatuada no braço, numa alusão a guerreiros da mitologia nórdica. Já se submeteu também a uma escarificação (técnica que consiste em cortar a pele para deixar uma cicatriz) num estúdio de tatuagem. Decidiu fazer uma cicatriz no rosto inspirada em personagens como o guerreiro Leonidas, do filme 300, e Kratos, do game God of War.
Começou a dar aulas de inglês e trabalhar numa empresa de informática em Indaiatuba, interior paulista.
Black bloc
Rafael perdeu os empregos em Indaiatuba após sido preso pela Polícia Militar em 12 de junho de 2014 em São Paulo, durante protesto contra a realização da Copa do Mundo de futebol masculino no Brasil.
A imagem dele estampou jornais, sites e a TV à época. Rafael aparecia sem camisa, levando tiros de balas de borracha no peito e spray de pimenta no rosto disparados por policiais militares enquanto enfrentava os agentes. Depois foi cercado pelos PMs, algemado e detido.
A polícia paulista o acusou de de ser adepto da tática black bloc. Nome dado para manifestantes que usavam capuzes pretos e destroem patrimônios públicos e privados como forma de protesto. Rafael ficou 45 dias preso até ser solto pela Justiça de São Paulo, que o absolveu das acusações de incitação ao crime, associação criminosa, resistência, desobediência e porte de material explosivo.
1º brasileiro separatista
Rafael (acima à esquerda) segura bandeira brasileira ao lado de combatentes no leste da Ucrânia — Foto: Reprodução/ Facebook/ Rafael Lusvarghi
Em setembro de 2014, logo após ser solto, ele viajou à Ucrânia e se tornou o primeiro brasileiro a se aliar às tropas separatistas. Outros 12 brasileiros seguiriam depois. Atualmente um brasileiro ainda estaria lutando ao lado dos exércitos pró-Rússia. O g1 procurou o Ministério das Relações Exteriores no Brasil para comentar o assunto, mas o Itamaraty não havia respondido até a última atualização desta reportagem.
Enquanto esteve combatendo nas forças rebeldes, Rafael chegou a ser gravemente ferido em combate pelo exército ucraniano. Ele ficou na Ucrânia até outubro de 2015, quando as tropas rebeldes aceitaram o acordo de cessar-fogo entre os dois lados.
De volta ao Brasil, ele recebeu proposta de trabalho como segurança de navios ucranianos no Chipre, país no leste do Mar Mediterrâneo. E aceitou o convite. Porém, ao desembarcar em 6 de outubro de 2016 no Aeroporto Internacional de Kiev-Borispol, na Ucrânia, Rafael foi preso pelo serviço secreto ucraniano, acusado de ser terrorista. A detenção dele foi filmada e divulgada nas redes sociais (veja abaixo).
‘Emboscada’
Rafael considerou que sua prisão foi uma “emboscada”. À época, pela lei ucraniana, o fato de o brasileiro ter lutado contra a Ucrânia caracterizou “terrorismo” e ele foi acusado pela polícia local de ser “mercenário” e “assassino profissional”. O jundiaiense sempre negou esses crimes, alegando que estava lutando pela independência de Donetsk e Luhansk.
Em 25 de janeiro de 2017, Rafael foi julgado na Ucrânia e condenado a 13 anos de prisão por terrorismo. A defesa dele, porém, recorreu, alegando que houve uma série de irregularidades no processo, como ausência de tradução na língua portuguesa no processo e até denúncias de que o brasileiro foi torturado pelos ucranianos para confessar um crime que sempre negou ter cometido.
A Justiça da Ucrânia decidiu então anular aquele julgamento e, consequentemente, a sentença. Em 14 de novembro de 2017, um tribunal ucraniano determinou um novo julgamento e pouco mais de um mês depois, em 18 de dezembro de 2017, o brasileiro foi solto provisoriamente.
Rafael Lusvarghi em vilarejo na periferia da cidade de Debaltseve, no leste da Ucrânia — Foto: Reprodução/ Facebook/ Rafael Lusvarghi
Ele deixou a prisão e decidiu seguir sozinho para a Embaixada do Brasil em Kiev. Seu passaporte, no entanto, ficou retido pelas autoridades ucranianas, o impedindo de deixar o país.
Contudo, em maio de 2018, antes mesmo da marcação de um novo julgamento, um grupo de ultranacionalistas ucraniano capturou Rafael. O brasileiro estava refugiado dentro de um mosteiro ortodoxo perto da capital ucraniana.
No final de 2019, Rafael foi solto após ter sido trocado com mais 200 prisioneiros em acordo entre a Ucrânia e as tropas separatistas. Depois disso, ele retornou ao Brasil, onde foi preso no ano passado, dessa vez acusado por tráfico de drogas e posse ilegal de munições.