GERAL
Fim do ar-condicionado? Técnica tira ‘ar do subsolo’ e reduz energia em 40%
No futuro, o ar-condicionado tradicional poderá ser substituído por um sistema mais sustentável e com menos gasto de energia elétrica. É a chamada geotermia superficial. Não é uma tecnologia alienígena — na verdade, ela está bem abaixo dos nossos pés. O sistema consiste em tubos que extraem o ar gelado existente no subsolo, onde costuma ser mais fresco do que na superfície.
Desde 2014, o sistema de geotermia superficial estudado e testado no Brasil consiste em enterrar tubos junto com a fundação dos edifícios. Depois, uma máquina bombeia água por esses tubos até lá embaixo. A água, então, esfria com a temperatura do subsolo e volta para climatizar a superfície. O processo se repete até chegar à temperatura desejada. (Assim como um ar-condicionado convencional, é possível ajustar o clima).
O sistema funciona por um motivo: o solo nunca esquenta ou esfria igual à superfície. A poucos metros de profundidade, a temperatura permanece sempre na média anual daquela região. Exemplo: na região oeste de São Paulo, onde são feitos os testes, a temperatura no subsolo costuma ser de 23°C — ainda que lá fora faça 30°C.
No Brasil, a tecnologia é estudada por engenheiros da USP em São Paulo e São Carlos, no interior paulista. Segundo eles, o sistema de geotermia pode reduzir em 40% a 60% o consumo de energia elétrica de prédios comerciais, incluindo hospitais e hotéis. Hoje, os pesquisadores calculam que o ar-condicionado é responsável por 50% da conta de energia de uma empresa e 25% da residencial.
“A geotermia superficial é uma energia limpa, que diminui a emissão de dióxido de carbono na atmosfera”, explica a engenheira e professora Cristina de Hollanda Cavalcanti Tsuha, à frente de uma pesquisa financiada pela Fapesp. Segundo ela, a técnica diminui o uso de termelétricas poluentes e há décadas é usada em países da Europa e Ásia, como Alemanha, Suíça e China.
O que ainda falta
De acordo com a pesquisadora, o sistema de geotermia precisa de uma bomba para enviar o líquido pelo cano e trazê-lo de volta. Na Europa, é usado para aquecer e resfriar ambientes e a água de piscinas e chuveiros. Não é um sistema novo.
Desde os anos 80, a geotermia superficial é usada em arranha-céus e grandes construções em países como os Estados Unidos e Áustria. Atualmente, a sede do Google na Califórnia é climatizada pelo sistema geotérmico em 25 mil metros quadrados, com tubos inseridos a cerca de 25 metros de profundidade. No Brasil, o método nunca foi utilizado em grande escala, diz Cristina, e estudos ainda tentam encontrar o melhor modelo para os solos e climas diferenciados do país.
Uma breve história do ar-condicionado
O ar-condicionado como conhecemos foi popularizado a partir da década de 60 e seu uso será ainda mais debatido com o aquecimento do planeta. Atualmente, já é uma preocupação internacional.
Em janeiro de 2022, a Argentina sofreu apagões e as empresas liberaram seus funcionários para diminuir o colapso das termelétricas. As temperaturas acima dos 40°C provocaram uma corrida pelo ar-condicionado, sobrecarregando o sistema elétrico. Na ocasião, 780 mil argentinos ficaram no escuro.
Em junho de 2021, o governo federal pediu para os brasileiros evitarem o aparelho durante a crise gerada pela falta de chuvas. “Se pode não ligar o ar-condicionado, não ligue o ar-condicionado. Procure usar a energia em casos extremamente necessários”, pediu o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.
Nos Estados Unidos, há também um debate de gênero sobre o aparelho. Segundo pesquisas, a maioria dos prédios utiliza ar-condicionado com temperaturas baseadas no metabolismo masculino, uma configuração criada nos anos 60 — quando havia menos funcionárias nos escritórios. Por perderem mais calor, as mulheres sentem maior desconforto com as baixas temperaturas.
Há ainda um debate sobre o HFC, um composto de gases responsável pelo resfriamento em geladeiras e aparelhos de ar-condicionado que, ironicamente, acelera o efeito estufa. Ele pode ser liberado na fabricação, reparo e descarte de muitos desses equipamentos de refrigeração.
A geotermia superficial já está em testes no Brasil em um prédio em construção na Politécnica da USP. No método usado, os tubos são concretados junto com as fundações do edifício. Também é possível reformar prédios antigos para a instalação da geotermia.
Enquanto não saem os resultados das pesquisas, Cristina busca financiamento para construir, além das fundações, muros com o sistema geotérmico superficial. “É uma energia renovável que está embaixo de nós em todos os lugares”, conclui.