ESPORTES
Lutador volta ao cage dois anos e meio após AVC: “Foi um milagre estar vivo”
Dois anos e meio atrás, Rudson Caliocane se preparava para mais uma semana normal de luta, mas não imaginava o que o destino lhe reservava. Um corte de peso brusco de 9kg em uma noite que ocasionou um AVC e o deixou longe das lutas por muito tempo. Isso são águas passadas e o agora peso-pena (até 65,8kg) volta ao cage, contrariando todas as expectativas dos médicos, no próximo domingo para enfrentar Wesley Targino, pelo Brazilian Fighting Series.
Em entrevista exclusiva ao Combate, ele detalhou como foi a recuperação e a dificuldade de ter esperança para retornar ao mundo da luta.
– Foi um baque muito grande quando saiu o resultado dos exames. Fiquei internado no Miguel Couto aqui no Rio mesmo. Foi constatado que tive um AVC isquêmico e que perdi 45% da massa do tronco encefálico. O médico falou que foi um milagre estar vivo, porque era para estar morto ou então em estado vegetativo para o resto da vida. Cinco médicos me condenaram que eu nunca voltaria a lutar. Que eu poderia voltar a ter uma vida normal, mas que até para correr teria dificuldades. Até ir no Paulo Niemeyer que foi o único que me deu esperanças de retorno. Ele me examinou antes de olhar os exames e sacramentar algo. Ainda nem andava direito, mas ele falou que apesar de grave só dependia do meu esforço. Foi a esperança que eu precisava. Toda semana ia nele, mas quem pagava as consultas eram amigos da família e da vaquinha online que fiz. Sou muito humilde e foram essas doações que me salvaram.
O lutador entrou no cage contra Mateus Mendonça, pelo Future MMA, em 2019. Após a luta desmaiou e precisou ser socorrido pelos paramédicos. Rudson lembra de tudo que aconteceu e detalha cada passo desde o início da luta até ao hospital. Ele precisou resistir a luta inteira com um lado do corpo dormente e indica que antes do confronto já dava sinais de que algo não estava bem.
– Não senti dor nenhuma, apenas dormência. Quando o Bocão veio para dar uma guilhotina no primeiro round, eu tento defender e meu lado direito não estava funcionando. Tentei mexer o braço direito e não foi, então me defendi com o esquerdo. Afastamos e quando tentava chutar ou dar um soco, meu corpo não respondia. Troquei de base e não estava entendendo o que estava acontecendo. Soltei um chute com a esquerda e foi normal. Voltei para a base de destro e nada funcionava. A luta passou e eu me defendendo e tentando me proteger do jeito que dava. Usava a grade para ter equilíbrio. Lembro que acabou a luta, fomos orar e não conseguia falar. A língua estava morta e eu cansado demais. Meu pai me levantou do chão e tentou me levar para o banheiro, porque eu estava com diarreia. Um dos indícios de que era AVC. Quando fui descer do cage quase caí de cara no chão. A perna não funcionava e meu pai me arrastou para o banheiro. Pediram ambulância e achavam que era nariz quebrado. Eu com muita fraqueza e sem resposta de nada no lado direito do corpo. Ao chegar no hospital não andava mais.
O peso-pena teve que deixar o peso-galo por motivos bem sérios. O corte de peso assustador que foi feito na véspera do AVC não faz mais parte da preparação do atleta. Agora ele não pode mais passar pelas situações extremas do corte, por ter risco de reincidência no problema. Precisando controlar tudo na alimentação, ele admite que não foge da dieta nem por um chocolate. Essa foi uma das escolhas que ele optou por tomar para conseguir retornar ao MMA.
– Perdi quase 10kg em menos de um dia. Foi brabo com a noite inteira de sauna, banheira e cobertor. Hoje só posso ir controlando na dieta. Sete semanas fazendo à risca sem falhar para conseguir chegar sem problema algum na pesagem. É sacrificante ficar sem comer um hambúrguer ou uma pizza. É a escolha para viver de ser lutador. Estou com 68kg e treinando bem essa semana. Agora é só uma manutenção para perder os dois quilos que faltam. Não posso mais fazer esses procedimentos de corte de peso, porque tenho 50% de chance de ter outro AVC. Sauna, banheira, coberta, superaquecimento, nada disso. Não posso ficar sem hidratar. Bebo no mínimo quatro litros de água. Em um dia que não faço nada é o mínimo que preciso beber. Nunca posso deixar ficar desidratado, por causa do meu cérebro. Só corto na dieta e subi de categoria por isso. Não passo dos 74kg nunca, para facilitar.
Rudson Caliocane está com todos os movimentos recuperados e não tem nenhuma sequela física. Passou um tempo nos Estados Unidos como córner de um amigo no UFC e buscava o retorno às lutas, mas as companhias tinham receio mesmo com a liberação dos médicos. No domingo quer apenas se divertir no retorno e dar o primeiro passo para chegar ao seu ápice.
– Eu estou bem. Ninguém diz que eu tive um AVC. Toco bateria, teclado e violão. Isso me ajudou muito. Meu fisioterapeuta disse que iria me ajudar nos movimentos finos de controle e o treino com fisioterapia e os instrumentos foram fundamentais. Estou 100%. Luto nas duas bases e vão acompanhar a luta vendo que não tenho dificuldade nenhuma. Estou mais inteligente. Demorei para voltar a lutar, porque passei seis meses nos Estados Unidos tentando arrumar luta e ninguém queria por receio de me acontecer algo novamente. Vamos lutar aqui no Brasil primeiro e mostrar serviço no Brazilian Fighting Series.
O lutador vem fazendo uma preparação para enfrentar qualquer adversário. Depois de passar por todas as dificuldades para retornar a andar, comenta que comemora por ter sobrevivido. Destaca conseguir reduzir o peso só com a alimentação e quer dar uma exibição à altura para o público.
– Meu pensamento é lutar contra os melhores do mundo. Vamos ver a próxima luta e hoje faz exatamente dois anos e meio que eu tive um AVC. É uma data marcante que eu comemoro por renascer. Eu nasci de novo. Estava sem andar ou lutar e com vários médicos jogando por terra. Fazia necessidade nas calças, meu pai me dava banho e minha mãe comida na boca. Estar podendo pisar no cage já é uma vitória muito grande. Sustentar o camp na dieta. Várias portas fechadas. Pessoas sempre me falando não. Vou lá dar o meu melhor e buscar a vitória com um show.