GERAL
ESPECIAL: Abuso sexual infantil e as sequelas irreparáveis para a vítima na vida adulta
Com o intuito de conscientizar e incentivar as denúncias, a Lei Federal 9.970/00 instituiu 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. No Brasil, segundo levantamento do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), 4.486 denúncias foram registradas, nos primeiros cinco meses de 2022, de violações de direitos humanos contra essa população e, desses dados, 18,6% estão ligados a situações de violência sexual.
De acordo com registros do Disque 100, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, a cada uma hora, 2,2 casos de violência sexual contra criança e adolescentes são denunciados as autoridades. O número poderia ser bem maior, mas, infelizmente, a maioria desses casos sequer são notificados.
Em 2021, ainda segundo MMFDH, 18.681 registros foram realizados e 60% deles a vítima tinha idade entre 10 e 17 anos, e 74% dessas vítimas eram meninas. Além disso, dos 8.494 casos o suspeito morava na mesma residência da vítima, já 3.330 casos aconteceram na casa da vítima e 3.098 na casa do suspeito.
Em Rio Branco, pelo menos 129 inqueridos foram instaurados, no ano de 2021, de crimes contra a dignidade sexual da criança e adolescente, segundo dados da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente.
O Na Hora da Notícia conversou com a neuropsicóloga, Fernanda Saab, que detalhou e confirmou os dados apontados pelo MMFDH onde o abuso sexual infantil é mantido em várias circunstâncias e sempre o abusador é alguém próximo: padrasto, primo, vizinho, conhecido.
“É sempre alguém conhecido, que está perto, que tem acesso a criança. As consequências para a vítima é sempre uma depressão, insegurança”, conta Fernanda, que relata ainda um agravo quando uma criança muito nova sofre abuso. “Ela tem tendência de ter compulsão em alguma coisa e a maioria dessas compulsões é a masturbação. A gente consegue analisar e ver que uma criança que é abusada tem excesso de masturbação. Isso demonstra o quanto é grave e desperta gatilhos altamente prejudicados. É como se a criança ou adolescente tivesse conhecido o corpo através disso e é algo que chama atenção”, conta.
Uma autônoma de 35 anos, que prefere não se identificar, também foi ouvida pelo Na Hora da Notícia e revelou que aos quatro anos de idade sofreu abuso sexual pelo vizinho da família. Ela disse ainda que cresceu com essa compulsão por masturbação, desde que foi abusada. Por medo de apanhar do pai, ela só veio a contar a família sobre o caso quando já estava casada.
Dos impactos relatados pela neuropsicóloga, como depressão, insegurança, compulsões, a vítima diz que se encaixa nos três. Fernanda ressalta o impacto desse crime que faz com que a vítima sofra futuramente.
“Tive sérios problemas na adolescência, a depressão me fez tentar tirar minha própria vida, eu era insegura nos meus relacionamentos, a ponto de achar normal apanhar de um companheiro e me manter ali. Foi uma luta chegar a uma vida normal como considero que tenho agora. O que me revolta mesmo é saber que ele nunca pagou por nenhum dos seus atos e depois de grande descobri que eu não era a única que ele abusava”, diz.
Apesar do número ser bem menor, meninos também são vítimas de violência sexual, a reportagem do Na Hora da Notícia conversou com um servidor público, hoje com 30 anos, e ele relatou que sofreu abuso dos seus cinco anos até os 16.
“Me sentia intimidado, não queria, e ele dizia que não tinha problema. Com raiva, eu disse que ia contar para minha mãe e ele disse que ninguém ia acreditar em mim. Ainda falou que diria que eu quem queria está com ele. Eu tinha oito anos”, relatou.
O servidor conta ainda que isso o afetou bastante na vida adulta, pois cresceu com um sentimento de culpa, principalmente em relação a sexualidade, onde ele ficou confuso e não aceitava ser homossexual.
“Na minha cabeça eu dizia pra mim mesmo que nunca ia dizer pra ninguém que eu gostava de homem e que eu ia lutar contra esse desejo até o final. E tive, também, uma influência muito forte da religião que isso era pecado e eu pedia pra Deus me curar”, conta.
No Brasil, o crime contra menores de 14 anos tem como punição de 8 a 15 anos de reclusão e prescreve em 20 anos, a contar dos 18 anos da vítima. Ou seja, mesmo que a vítima tem até seus 38 anos para denunciar o crime sofrido.
Medo, vergonha e culpa
Apesar do tempo previsto por lei para denunciar o agressor, o medo, a vergonha e a culpa falam mais alto. “Se já achei difícil contar sobre o ocorrido aos meus familiares imagina ir na delegacia e ter que acabar encontrando com ele de novo. Espero que ele seja punido, pelo menos, pela justiça divina, pois na terra não vejo que seja, já que vive normalmente”, conta a autônoma.
O servidor também não denunciou, até para preservar o ambiente familiar, e contou ao Na Hora da Notícia que terapias o ajudaram a aceitar quem ele era e tirar essa culpa que ele carregava. “Foi na terapia que eu comecei a entender que meu desejo não tinha nada a ver com religião, mas poderia ser pelo que havia sofrido lá atrás”.
Por isso, a importância dos pois ou responsáveis ficarem atenta aos sinais que as vítimas dão. “A família deve ficar atenta quando a criança ou adolescente se recusa em encontrar ou ficar perto de vizinhos ou até mesmo familiares ou ainda quando percebem mudanças de comportamentos como insegurança, medos, choro fácil”, alerta Fernanda.
Saab orienta ainda que o mais indicado é sempre agir com bom senso, observando todos os movimentos e manifestações vindos deles. “Muitas vezes por se sentir culpada, envergonhada ou acuada, a criança acaba não revelando verbalmente que está ou que viveu uma situação de abuso. Mas há situações também em que ela tenta contar para alguém e acaba não sendo ouvida. Por isso, nosso principal conselho é sempre confiar na palavra dela”.
A profissional aponta também que o mais importante é que quando a criança tente falar algo, que ela se sinta ouvida e acolhida. E que não se sinta questionada pelo adulto sobre aquilo que está contando ou que seja responsabilizada pelo ocorrido.
Ações do Conselho Tutelar
Tendo como missão representar a sociedade no intuito de proteger e defender as crianças e adolescentes que tenham seus direitos violados ou que estejam em situação de risco, os Conselhos Tutelares de Rio Branco (AC) promovem ações educativas em escolas como palestras orientando os alunos como identificar o abuso sexual e como agir caso venha a sofrer.
“Durante o ano realizamos palestras educativas, seja a convite dos gestores ou por conta própria. Ministramos sobre vários temos como abuso sexual, direitos e deveres de crianças e adolescentes e, também, dos pais, sobre gravidez na adolescência, exploração do trabalho infantil e ainda colaboramos no setembro amarelo, pois atendemos muitos casos de tentativas de suicídio”, diz o conselheiro Anilton de Sá Andrade.
Comissão da Criança e Adolescente da OAB-AC também atua em favor da sociedade
O Na Hora da Notícia conversou com a advogada Paula Schroeder Sales, presidente da Comissão da Criança e Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Acre (OAB/AC), que ressaltou que a importância do órgão para esse público.
“Nossa comissão visa trabalhar dentro das diretrizes estabelecidas pela OAB/AC em conjunto com autoridades competentes. Quando tomamos conhecimento de violações efetivas ou iminentes de direitos de crianças ou adolescentes, adotamos procedimentos necessários em relação aos fatos”, disse.
Paula destacou ainda que já atuaram em ações juntamente com a Comissão de Ação de Social e outras, como por exemplo, no caso da bebê que nasceu em frente a maternidade Bárbara Heliodora.
Além disso, a comissão também oferecemos ações visando o bem estar de crianças e adolescentes, atendimento jurídico, palestras, entre outros.