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Perdi os dois ovários aos 16 anos: “Eu senti que estava morrendo”
“Tudo começou quando eu me levantei e acordei do nada com dor de estômago. Na noite anterior tinha comido muito, por isso pensei que o incomodo no pé da minha barriga fosse devido a esse exagero. Também acreditava que poderia ser o início do ciclo menstrual, assim não dei atenção naquele momento.
No entanto, durante a madrugada, acordei às cinco horas da manhã sentindo muita dor e quando eu tentei me levantar para ir ao banheiro, senti que algo arrebentando dentro de mim.
Na mesma hora, uma dor aguda começou a se espalhar pelo meu corpo, me paralisando. A angústia era tão intensa que não conseguia respirar, mas apesar disso, eu só pensava na minha mãe, porque eu estava trancada no meu quarto, se eu gritasse, poderia desesperá-la.
Tive que rastejar até a porta do quarto para abri-la, gastei uns 10 minutos para concluir o percurso da minha cama até a porta, de tamanha dor que estava sentindo. Queria chorar e não tinha forças nas pernas, contudo, consegui chegar ao quarto da minha mãe para pedir ajuda.
Porém, eu não conseguia explicar para ela o que estava sentindo, devido à dor. Ela até tentou me dar remédios e pediu para esperar em torno de meia hora para ver se passava, mas não adiantou de nada, a minha mãe teve que chamar o nosso vizinho, que é medico, para me examinar.
Até então, eu acreditava que a minha bexiga havia estourado, porque eu conseguia sentir um líquido dentro de mim, entretanto nosso vizinho explicou que isso não poderia ser possível e que bexigas não se rompem dessa maneira.
Depois disso, decidimos ir imediatamente ao hospital, eram seis e meia da manhã quando fomos, lembro-me perfeitamente. Precisamos pedir ajuda de uma de nossas vizinhas para ir até o hospital, porque o meu pai estava em outra cidade.
Ao chegar lá, fui mandada para emergência de imediato, já me colocando na morfina, mas, mesmo assim, o atendimento foi difícil. Os médicos me diziam para ficar ali e que era apenas cólica menstrual, sem fazerem um exame mais profundo da minha situação. Eu entendo que existem mulheres com cólicas mais fortes, mas eu sabia que eu estava com outra coisa.
Moro em cidade pequena do interior, os hospitais públicos não possuem aparelhos mais sofisticados para fazer exames para casos mais graves, por isso a minha mãe, vendo o meu desespero e o quão mal eu me sentia, decidiu me levar até um hospital particular.
Ela também estava muito assutada, eu já havia tomado três doses de morfina e simplesmente a dor não passava, os médicos disseram que eu precisava fazer um ultrassom, mas que hospital não possuía os equipamentos para o exame”.
Momento em que recebeu o diagnóstico
“Novamente pedimos a ajuda da nossa vizinha para ir até uma clínica para fazer a ultrassom. Nela fui atendida apenas às três horas da tarde. Naquele momento eu já não possuía mais forças para mais andar, precisei de ajuda para deitar na maca e quando a médica me examinou eu percebi a preocupação na voz dela.
Ela me confirmou que não havia nada de errado com a minha bexiga e que o meu apêndice também estava bem. Mas, ela estava vendo muito sangue e eu vi que ela estava preocupada com isso. A médica me questionou se eu possuía uma vida sexual ativa, mas eu disse que não e foi nesse momento que eu recebi a notícia, um dos meus ovários tinha se rompido e eu estava tendo uma hemorragia interna.
De início eu não entendi a gravidade da situação, eu apenas olhei para a minha mãe e ela estava muito assustada, eu até mesmo cheguei a perguntar de forma ingênua a onde o meu ovário estava e se era possível eu tomar um remédio e ir para casa. Porém, medica me respondeu que eu precisava de uma cirurgia de emergência, ela me disse ‘volta para o hospital, mostra a ultrassom para médico e fala que o seu caso é extremamente urgente’.
Com muito medo e com vontade de chorar, voltamos ao hospital e mostramos ao médico o exame e quando ele olhou ele disse ‘Só tem sangue aqui!’. Fui internada imediatamente e às cinco horas da tarde eu já estava totalmente dopada. Eu ficava dormindo e acordando, não tinha mais força, a minha mãe ficava me chamando para tentar me manter acordada, mas não adiantava.
Eu senti que estava morrendo. A minha mãe que é da área da saúde, ela se preocupava muito em medir a minha pressão, porque ela estava cada vez mais baixa. Quando eu havia chegado ela estava em quatorze e já tinha caído para sete no momento em que o meu pai chegou.
Assim que ele me viu, percebeu o quão grave era a minha situação e que o hospital em que eu estava não tinha o preparo necessário para me atender, eu presava ir a outro hospital. Depois de muita dificuldade o meu pai conseguiu me transferir para um macrorregional.
Nesse hospital, eu contei para o meu pai sobre a possibilidade de perder um ovário, mas ele tentou me tranquilizar, dizendo que a médica só tinha falado que apenas um havia estourado. No entanto, eu ainda sentia um mau pressentimento, eu sabia que seria os dois e assim foi.
Eu sou soube que perdi os dois ovários quase por acidente. Acordei no meio da cirurgia e o meu pai estava ao meu lado, ele conseguiu uma autorização especial para ficar comigo. Eu ainda me sentia sonsa e sem forças, mas consegui ouvir o médico dizer que não tinha jeito e que ele iria precisar tirar os dois ovários.
Isso impactou o meu pai, o mundo dele caiu. Lembro que ele beijou a minha mão, com os olhos em lágrimas, ele pediu cinco minutos para o médico e saiu da sala. Depois disso eu comecei a passar mal, a anestesia que nem tinha pegado direito, deu todas as reações possíveis. Comecei a vomitar sangue, lembro que o anestesista virou o meu rosto e falou para não vomitar para frente, apenas para o lado.
Em seguida o meu pai voltou, ele estava com os olhos vermelhos de tanto chorar, mas mesmo assim ele tentou me tranquilizar e me disse ‘ filha, está tudo bem, o pai está aqui, vai dar tudo certo, viu?’. Fiquei acordada durante o processo todo de cirurgia.
Recordo-me até hoje dos gritos da minha mãe e do choro e do meu pai, quando contamos que eu perdi os dois ovários. A partir dali eu vi o quanto que ia ser difícil, não só para mim, mas para toda a minha família”.
Recuperação
“Durante o processo de recuperação eu me senti de luto, ainda mais porque eu sempre quis ser mãe, a minha saúde mental ficou muito abalada. Embora eu não tivesse pensamentos suicídas, o horror do que eu vivi me abalou muito, comecei a ficar com medo de dormir sozinha, com medo de algo ruim acontecer de novo e eu não ter ninguém por perto. Fiz acompanhamento com psicoterapeuta durante quase um ano, inclusive recebi alta do psicoterapeuta não faz muito tempo.
Além do fator psicológico, a recuperação física também foi difícil. Eu recebi oito pontos na barriga, isso foi praticamente uma cesariana. Porém, mais complicada, devido à hemorragia, os médicos precisaram sugar todo o sangue de dentro mim. Lembro-me de ver os coágulos de sangue na mão do médico, ele pegava aquilo tudo como se fosse lixo.
Nos três primeiros dias pós-cirurgia eu não conseguia fazer nada, fui totalmente dependente da minha mãe, virei uma criança de novo. Mas ela cuidava de mim com todo amor e carinho do mundo e o tempo todo agradecendo a Deus por eu estar viva e eu por ter ela ao meu lado.
Faz um ano da cirurgia, é uma data que nunca vamos esquecer, porque a minha mãe diz que o maior presente que ela poderia receber foi a minha vida e essa foi a única coisa que ela pediu enquanto orava para Deus, para que Ele não me levasse, ela implorava mesmo de joelhos.
Hoje vemos o que aconteceu como um momento de superação e ficamos felizes por nossa história. Porque passamos por tudo isso unidas e apoiando a outra”.