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SAÚDE

‘Quero viver’, diz brasileiro ao usar terapia inovadora contra câncer

Publicado em

Tião e o marido Thiago estão em Ohio, nos Estados Unidos, para o primeiro estudo clínico com CAR-T Cell triplo do mundo
Reprodução/Arquivo pessoal 22.7.2022

Tião e o marido Thiago estão em Ohio, nos Estados Unidos, para o primeiro estudo clínico com CAR-T Cell triplo do mundo

Em meados de 2021, o cineasta e produtor audiovisual Sebastião Dias Braga Neto, 37 anos, ouviu dos médicos que tinha poucos meses de vida após ser diagnosticado com um tipo gravíssimo de leucemia e o transplante de medula óssea não ter surtido efeito. Um ano se passou e Tião, como é chamado pelos amigos mais próximos, está vivo, “bem, na medida do possível”, como ele costuma falar, internado no James Cancer Hospital, em Columbus, Ohio, nos Estados Unidos, com confiança e expectativa. O brasileiro será a primeira pessoa no mundo a receber o tratamento que os médicos chamam de “esperança” para quem sofre deste tipo de câncer, o CAR-T Cell triplo.

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Era março de 2020, uma semana antes de o comércio fechar as portas por conta da pandemia do coronavírus, quando Tião começou a sentir fortes dores nas pernas. A sensação veio enquanto arrumava as malas para passar um final de semana na casa dos pais em Florianópolis e à princípio não achou que era algo sério. Mas as dores se intensificaram e decidiu fazer exames. Já no primeiro hemograma veio o sinal de que as coisas não estavam normais.

“Meus leucócitos estavam alteradíssimos. O normal é em torno de 10 mil, o meu exame mostrava uma contagem acima dos 114 mil”, relembra o cineasta.

Outro exame deu o veredicto: leucemia mieloide crônica (LMC), um tipo de câncer que acomete a medula óssea e se caracteriza pela multiplicação de glóbulos brancos anormais. Tião começou a se tratar com quimioterapia oral, um remédio de alto custo, no qual ele precisou entrar na justiça para que seu plano de saúde arcasse com as despesas.

A doença foi controlada. Após sete meses de tratamento em Florianópolis, e quando as medidas restritivas da Covid-19 se estabilizaram, ele voltou para São Paulo, pronto para recomeçar a vida. Entretanto, a doença teve a primeira recidiva. Novos exames apontaram que o câncer não só havia retornado, como evoluiu.

“Fui internado às pressas, precisei fazer quatro ciclos de quimio intravenosa e recebi uma bomba de toxicidade. Fiquei careca, perdi peso e transcorri por todas as etapas do procedimento agressivo para o tratamento. Passei o Natal e o meu aniversário no hospital. Durante esse processo, entrei na lista de transplante de medula óssea. Era a única alternativa no meu caso. Por sorte encontrei bastante doadores com 100% de compatibilidade, porém todos eram da Europa. Por conta da Covid, os órgãos de emergência médica estavam lentos, com muita burocracia e não dava para ser efeituado o translado. Graças a Deus, minha mãe fez o exame, deu 50% de compatibilidade e foi escolhida como minha doadora”, diz.

O transplante foi um sucesso. Os novos exames mostraram que o câncer entrou em remissão e o corpo de Tião havia aceitado as células tronco da mãe dele com 100% de compatibilidade. Ele foi liberado do hospital, o cabelo cresceu, ganhou peso e seguiu a vida.

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Quase um ano depois do transplante, Tião sentiu o olho inchar, um sintoma claro de retorno da doença. O câncer voltou ainda mais forte, com um tipo chamado de leucemia linfoide aguda (LLA). Os recursos de tratamento se esgotaram. O corpo estava muito fraco para fazer um novo transplante. Mas sem o transplante ele tinha poucos meses de vida.

“Ficamos sem chão e com as mãos atadas. As quimioterapias e radioterapias eram muito agressivas e o corpo dele não aguentaria outro transplante. Me lembro do médico entrando no quarto e contando para nós e para os pais dele a verdade nua e crua: ele tinha meses de vida”, diz Thiago Amaral, marido de Tião.

A recidiva agressiva da doença, no entanto, foi a chave para a luz no fim do túnel. Uma amiga em comum do cineasta o colocou em contato com Vanderson Rocha, coordenador de terapia celular do Hospital Vila Nova Star e responsável pelas pesquisas há cerca de seis anos com as células CAR-T Cell no Hospital das Clínicas em São Paulo.

Após uma breve consulta, o médico ligou para o amigo, Marcos de Lima, chefe do departamento de hematologia e diretor do programa de transplante de medula óssea e terapia celular na universidade estadual de Ohio, nos Estados Unidos, e referência no assunto CAR-T Cell em terras americanas.

Coincidentemente, Lima estava buscando pacientes com o tipo da doença de Tião, ou seja, com leucemia linfoide aguda (LLA), para participar do primeiro estudo clínico de CAR-T Cell triplo no mundo. No mesmo dia, o cineasta se inscreveu para participar do estudo e foi chamado. Três meses depois, Tião estava recebendo três bolsas de plaquetas e duas de hemoglobina para poder pegar um avião com destino a Ohio, onde ele seria testado com a nova esperança do câncer.

CAR-T Cell triplo

O tratamento é revolucionário. Um adulto saudável tem em torno de 3 mil células brancas. Dentro delas há os linfócitos, que são as células de defesa do sistema. São elas que lutam contra viroses, por exemplo, mas também podem combater o câncer. O tratamento CAR-T Cell consiste em pegar essas células de defesa do paciente e modificá-las geneticamente, como se estivesse preparando-as para uma batalha e deixando-as ainda mais fortes, para quando retornar ao corpo do infectado, essas células tenham o único objetivo de encontrar e matar o câncer. Ou seja, o tratamento é personalizado.

As células cancerígenas contêm em sua superfície marcadores tumorais. O tratamento CAR-T Cell simples, por exemplo, combate um deles, o CD-19. Esse tratamento já começa a ser feito no Brasil, inclusive. O CAR-T Cell triplo, que está sendo testado em Tião, luta contra os três marcadores cancerígenos ao mesmo tempo, o que diminuiria o risco de uma recidiva.

“É extremamente admirável que o Tião tenha vindo aos Estados Unidos para o estudo. Ele simplesmente pegou a mala e veio. Arriscar um tratamento que nunca ninguém tomou antes, pois sabe que é uma esperança para ele e outras milhares de vidas. Apesar de termos começado agora, estamos dando esperança para essas pessoas”, afirma Marcos de Lima.

Tião já retirou os linfócitos de seu corpo e as células já foram geneticamente modificadas. Por ser muito forte e poder causar reações em seu organismo, ele vai receber as novas células em duas etapas. A primeira, ocorrida em 12 de julho, o cineasta recebeu 40% das células fortificadas, porém na madrugada de terça para quarta (20), Tião apresentou febre de 40°C, uma das reações normais que o corpo pode ter depois da infusão, e a segunda dose, com 60% das células modificadas, que seria aplicada no mesmo dia, precisou ser transferida para a próxima semana.

“Ele tem respondido muito bem ao tratamento. Porém, reações são esperadas, como febre e confusões mentais, visto que o sistema dele está de fato em uma batalha. Essa parte é essencial e importantíssima para o estudo e para o Tião, pois o corpo dele está literalmente matando o câncer”, afirma Rocha.

A expectativa é que dentro de um mês, quando fizer um novo exame de medula, a doença já tenha entrado em remissão e desapareça totalmente do sistema de Tião. Por ser um estudo novo, os médicos ainda não conseguem ter precisão com os dados, mas estima-se que o CAR-T Cell tenha um prazo de validade de 17 anos. A primeira paciente do mundo a receber o tratamento com o CAR-T simples, por exemplo, uma americana, completou dez anos de procedimento e uma década livre do câncer.

“Eu me sinto muito privilegiado. Para quem tinha apenas alguns meses, ganhar essa esperança, essa oportunidade única é quase como viver a vida adoidado. A vida é muito cara e a gente não tem tempo para perder. É isso que eu aprendi. Precisamos canalizar nossa energia, escolher nossas brigas, o tempo é muito precioso para perdermos com besteiras. Estou louco para viver novamente. Viajar, trabalhar, abraçar as pessoas, dizer que eu as amo. Quero apenas viver”, diz Tião. Embora seja conhecida como uma grande esperança, o caminho do CAR-T Cell ainda está no começo. Por enquanto o tratamento só é feito para três tipos de câncer: o primeiro e com estudos mais desenvolvidos até o momento são os linfomas não Hodgkin; o segundo são os mielomas múltiplos e, por último, as leucemias linfocíticas agudas, como a do Tião. Há estudos acontecendo em diversas partes do planeta com outros tipos de doença, entretanto ainda sem resultados.

“Outro problema do CAR-T Cell é o preço. Apenas a produção das células comercialmente, sem contar a internação e os medicamentos, fica em torno de R$2 milhões. Estima-se que o pacote completo fique entre R$ 6 a 8 milhões”

Como Tião está participando de um estudo clínico, ele não está pagando pelo tratamento. O custo dele ficará apenas com a estadia nos Estados Unidos quando sair do hospital para continuar o processo.

Um dos motivos do valor ser inacessível está relacionado a distribuição. Hoje, poucas empresas farmacêuticas são autorizadas a manipular as células do CAR-T Cell. A maioria localizada na Europa. Ou seja, as células do paciente são coletadas, enviadas para a Europa para fazer a modificação genética e depois de 3 a 4 semanas, ela volta ao seu destino de origem para serem implantadas novamente.

“O paciente pode não ter esse tempo de espera. Precisamos investigar locais para a fabricação local no intuito de diminuir o tempo do processo e baratear o produto. Hoje, infelizmente, é um tratamento inacessível para a grande maioria da humanidade”, diz Lima.

CAR-T Cell no Brasil

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou recentemente o primeiro estudo clínico para desenvolvimento nacional do tratamento de CAR-T Cell que será realizado pelo Hospital Israelita Albert Einstein, com financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Além dele, o Hemocentro de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, já produziu células de CAR-T Cell para sete pacientes.

Apesar de não ter estudos ainda sobre o CAR-T Cell triplo no Brasil, Rocha afirma que já há conversas e reuniões ocorrendo entre cientistas brasileiros e americanos, estudando a melhor forma para também começar estudos clínicos contra os três vetores cancerígenos.

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Fonte: IG SAÚDE

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