Dependência e lesões em órgãos vitais
Para fechar a lista, não dá pra se esquecer da nicotina.
“As novas gerações de cigarro eletrônico trazem sais de nicotina que são cada vez menores e entregues em alta quantidade, o que aumenta a dependência”, informa Scholz.
A médica conta que, ao receber um usuário desses aparelhos em seu consultório, ela sempre realiza um teste rápido de urina, que mede a quantidade de nicotina que o indivíduo tem no organismo.
“É muito comum que os pacientes jovens, de 16 a 24 anos, tenham um nível de nicotina que equivale a fumar mais de 20 cigarros convencionais por dia”, calcula.
Aliás, o próprio mecanismo desses dispositivos facilita o uso constante. Além de não ter nenhum cheiro desagradável, ele não precisa ser aceso ou apagado. “Esse é um produto que você pode utilizar continuamente. Você deixa no bolso, dá uma baforada e guarda de novo. Depois pode pegar novamente, quando quiser”, explica Scholz.
“Isso cria uma rotina de condicionamento, e a pessoa passa a usar o cigarro eletrônico na rua, no trabalho, no banheiro da escola, deitado na cama…”
Além de causar dependência, a nicotina também tem efeitos em órgãos importantes, como o coração e os pulmões.
“A nicotina não é uma substância inócua. Ela aumenta a frequência cardíaca, altera a pressão arterial e pode lesar o endotélio, a camada interna dos vasos sanguíneos”, lista.
“Por isso, o risco cardíaco de um usuário de cigarro eletrônico é praticamente o mesmo de alguém que fuma cigarros convencionais.”
“Nos pulmões, as nanopartículas de nicotina podem entrar nos alvéolos, causar espasmos respiratórios e até doenças inflamatórias”, acrescenta a médica.
“Há alguns anos, tivemos uma série de casos desse tipo, especialmente nos Estados Unidos, que chamaram a atenção. Uma parte desses pacientes usava outras substâncias, mas cerca de um terço consumia exclusivamente a nicotina.”
Como resolver esse problema?
Scholz vê com bons olhos a recente decisão da Anvisa, que manteve a proibição do cigarro eletrônico no Brasil.
“Foi a melhor coisa a ser feita. Se esse produto estivesse liberado, isso iria se transformar numa terra devastada em termos de novos usuários”, considera.
“A partir do momento em que essa decisão entrar em vigor como lei definitiva, a tendência é termos uma melhora na fiscalização da venda e do uso desses dispositivos em lugares públicos.”
As principais empresas do ramo se mostraram contrárias à posição da Anvisa.
Em nota enviada à BBC News Brasil, a BAT Brasil (British American Tobacco Brasil), conhecida como Souza Cruz e maior indústria de tabaco do país, destacou que a decisão recente da Anvisa é “mais uma etapa do processo regulatório e não representa a conclusão final da agência.” Para a empresa, a liberação traria maior controle sanitário para a produção e venda dos cigarros eletrônicos.
“Entendemos que a Anvisa, ao manter o tema na Agenda Regulatória, continuará avaliando as evidências científicas que substanciaram a decisão de cerca de 80 países que já regulamentaram esses produtos. Além disso, a diretoria da Anvisa externou sua grande preocupação com o mercado ilegal dos cigarros eletrônicos no Brasil, que segue crescendo, abastecido por produtos contrabandeados e sem qualquer controle sanitário”, disse.
“Uma regulamentação adequada garantiria a milhões de consumidores adultos de cigarros eletrônicos no Brasil o acesso ao produto legal, com composição e procedência conhecidos, parâmetros de qualidade, fiscalização e monitoramento sanitário”, concluiu a empresa.
Já a Japan Tobacco International criticou o fato de o uso desses dispositivos eletrônicos ser “abastecido pelo comércio ilícito”. A Philip Morris Brasil declarou que continuará “o diálogo sobre a regulamentação do tabaco aquecido”, que é um “produto diferente dos chamados cigarros eletrônicos”.
O tabaco aquecido, como mencionado pela empresa, é um dispositivo que não traz aromas diferentes, mas carrega nicotina.
Por fim, Scholz destaca que, para os usuários de cigarro eletrônico que desejam abandonar o vício, existem tratamentos validados cientificamente. “Temos recursos terapêuticos e vários ambulatórios capacitados espalhados pelo Brasil, inclusive no Sistema Único de Saúde (SUS)”, informa a cardiologista.
“É possível amenizar o sofrimento das pessoas, que ficam em abstinência, e alcançar bons resultados”, conclui.