ESPORTES
Em entrevista, Tite diz que ainda há vagas para a copa; confira
Merecer com alma, qualidade técnica, solidariedade como equipe, confiança alta, preparação ao máximo e parceria de grupo. Essas são as palavras que impulsionam Tite e Cléber Xavier rumo ao hexa. O ciclo de preparação para o mundial do Catar estabeleceu uma equipe competitiva, mentalmente forte e com espaço para as individualidades brilharem.
Os números falam por si. O gaúcho de Caxias do Sul soma 84% de aproveitamento em 74 jogos em frente à Seleção Brasileira, desde junho de 2016. São 56 vitórias, 13 empates e cinco derrotas, com 158 gols marcados e 26 gols sofridos. Dois reveses doeram na alma: a eliminação para a Bélgica e a perda do título para a Argentina na Copa América de 2021.
A comissão insiste para que os jogadores façam três meses de excelência para chegar em alto nível no mundial. Não há espaço e tempo para desleixo. Qualquer deslize pode ser determinante para sobrar da lista dos 26, que segue indefinida. Para Tite, não basta querer ganhar, é preciso estar determinado para alcançar o auge físico e técnico.
Tite demonstra o brilho no olho a cada resposta. Brilho de quem confia e persegue com muito trabalho a desejada Copa do Mundo. Aos 61 anos, o treinador se vê mais experiente e preparado para encarar os desafios e tomar as melhores decisões. O comandante reviu a derrota para a Bélgica cinco vezes. Ao relembrar do jogo, admitiu que faltou uma falta tática para interromper na origem o lance do segundo gol belga.
Confira os principais trechos da entrevista
ge: Qual a pergunta mais ouvida nessa bateria de entrevistas?
Tite: Se a lista tá fechada. E, verdadeiramente, não está. Pela experiência, pelo nível de atletas, concorrência. Estamos acompanhando legal.
A FIFA permitirá 26 convocados na Copa do Catar. Como vocês pensarão e administrarão as três vagas a mais?
Predominantemente no setor criativo ofensivo com características diferentes, únicas, que possam proporcionar um arsenal estratégico maior
Cléber Xavier: Dentro da possibilidade de ter todos os atletas no banco, isso é muito importante. Tu tem os atletas no banco.
Ainda tem duvidas na lista final?
Tem. Não é ser simpático e proforma. É porque não está (fechada) mesmo. Comentamos a competição dos atletas, o Cleber falou especificamente do Pedro.
CX: Não fechamos a lista. Em todos os setores. A gente trabalha com 3 ou 4 jogadores por posição para não ficar na mão, na dúvida, por situação de lesão, de perda. Por isso não está fechado. Na frente, são as características dos atletas, tem muitos com característica diferente, externo, um contra um, atacante pivô que faz sustentação e agride espaço, meio-campista que vai entrelinhas, que dê ritmo. Ter todos os atletas e o mais importante é que todos se sintam pertencentes ao processo. Isso que mantemos relações fora das convocações. Tem jogadores que não vem há duas ou três convocações e podem aparecer agora. Estamos acompanhando e inclusive mantendo contato.
O Tite hoje em relação a quatro anos atrás como está?
Eu brinco assim, tem bem mais cabelo branco, o joelho dói mais, experiência também traz, aliás o que é quando se faz um ciclo completo com muito mais segurança naquilo que está fazendo. Hoje nós temos aí com formas táticas, com um approach com os atletas muito mais uma relação de confiança como técnico. Com uma comissão técnica que se comporta de acompanhamento muito mais vivo diferentemente de um momento anterior de necessidade de transformar resultado e apressando tudo, agora nós temos, eu sinto, uma maturidade para entender esse conjunto e melhor preparado.
O trabalho entrou em uma fase de voo de cruzeiro? Está seguro?
CX: A gente não consegue se acomodar, o Tite brinca, brinca não, fala sério, que não tem essa zona de conforto. Para ele isso não existe, existe zona de confiança, a gente trabalha, pesquisa, discute, democratiza as informações, a gente tem um núcleo duro que trabalha diariamente na CBF com o Juninho, como nosso coordenador. O Tite, eu, o Cesar Sampaio, o Matheus, Fábio, o Guilherme, fisiologista, o Bruno e Thomas, como analistas de desempenho então é um grupo que vive diariamente, discute, cresce e claro que cada vez que o tempo passa mais maduro a gente fica. Mais vontade de aprender e se desenvolver que trabalho dê certo, não sei se isso dá esse voo de cruzeiro, mas dá confiança. Às vezes no olhar a gente sabe onde um está acertando, onde está errando, a gente vai desenvolvendo.
Tite: Zona de confiança com desafios.
Quais acertos da Copa na Rússia têm que ser mantidos e quais erros não podem ter novamente?
Difícil pontuar porque cada momento é distinto, não tinha a experiência que tenho agora. Analisar naquele momento é uma situação. Uma orientação especifica… Vou traduzir para o jogo, para que em uma falta ofensiva ou bola parada a gente tenha 1: condição de finalizar; 2: se receber rebote terminar e concluir; 3: manter posse e 4: fazer uma falta tática. É aprendizado técnico e tatico, reiterado sob forma de orientação. Usar da competitividade no momento importante. É o segundo gol da Bélgica, foi assim. Temos mais uma estrutura posicional que também dá criatividade. O Roger (Machado) fala isso. Pode ser predominantemente posicional, mas tem que ser funcional e misto para que a criatividade do atleta aconteça. Temos uma estruturação melhor nos termos táticos. Há uma série de aspectos que fazem um processo de evolução.
Na Rússia tinha a situação do Neymar com lesão, o Jesus voltando de problema. Esse ano parece que está tudo bem. Os jogadores estando bem, é uma vantagem em relação à Copa passada?
Cansei de ouvir: “gosto de vencer, sou competitivo”. Esse clichê me incomoda. Faço essa referência em relação às pessoas porque quem chega nesse alto nível sempre é competitivo. A observação que estamos fazendo para nós e atletas: tu tem vontade de te preparar para estar bem? Agora é o momento de acompanhamento tanto quanto possível. Claro que não vai ser perfeito. Não vamos agradar a todos, sabemos. Mas é da vida, o que nós temos que fazer, o que falamos para o atleta agora: “te prepara o melhor possível. Faz o teu acompanhamento clínico, físico. Nutrição, profilaxia, preventivamente”. Estamos fazendo todo esse possível para que eles cheguem na melhor condição. Pré-requisito (competitividade alta).
E como está o nível de ansiedade para ter todas as opções sem problemas?
Neymar estava voltando de lesão, Dani machucou, Renato Augusto também. A melhor versão nossa em 2018 foi nas Eliminatórias, aí depois ela machucou e oscilamos. O melhor jogo foi para mim contra a Bélgica, qualquer um podia passar, estou falando de boa aqui, tinha que ter prorrogação aquele jogo, pela grandeza e qualidade técnica das duas equipes. Que agora a gente tenha a condição de estar monitorando, mas vai ser inevitável que aconteça algum problema físico maior. Por isso estamos ajustando os atletas todos.
Nossa geração é boa, temos jogadores de qualidade. Hoje, o Brasil precisa de alguma característica, um jogador que tenha algo que o grupo ainda não tem?
O Leonardo (Oliveira), comentarista da RBS, falou uma coisa interessante. O 10 clássico que nós tínhamos, Douglas vamos colocar, D’Alessandro, especificamente, foram diluídos no 11, no 7 e no 8 até no 5. É a observação perfeita. Não temos mais o jogador específico com essa característica. Essas combinações, diluir essas características em diferentes em atletas passa a ser importante.
CX: O 10 é o construtor. Onde se constatou o construtor jogar, na entrelinha, no bloco defensivo do adversário, por trás, o externo de fora flutuando para construir. Temos hoje zagueiros construtores.
Interessante, me dá um gancho. O fisiologista e a comissão fizeram um estudo e buscaram na Liga Espanhola. Colocou que de 2013 a 2022, quase isso, o ritmo do jogo, o volume percorrido, permanece inalterado. O que muda é a velocidade de movimentos de 10 ou 20 metros. Um detalhe técnico que ficou observado que quero colocar: há um processo físico de evolução e um processo que o número de participações do zagueiro tornou-se 30% maior que outros jogadores. Equipes compactam e dão liberdade aos zagueiros para criar. Há necessidade ter defensores com boa qualidade do passe.
É uma Copa diferente pela época, pelo país. Quais os cuidados com isso ?
CX: Cuidado é que é uma Copa com pouco tempo de preparação, para a gente 10 dias porque estreamos mais tarde. E chegar com os atletas na melhor condição possível. Trabalhar na parte mental muito, como viemos trabalhando muito. O que ganhamos nesta Copa é atletas mais descansados física e mentalmente. O grande número de atletas nosso é da Europa, que vai estar em meio de competição. Os jogos são próximos, mas a recuperação em distâncias mais curtas de viagens, no máximo 45 minutos até o estádio, ajuda.
A Copa do Mundo sempre gera tendências. Podemos esperar algo de novo no comportamento das equipes?
Em termos táticos, o 5-2-3. No sistema a dinâmica e os atletas se complementarem é o aspecto mais importante.
CX: Para mim, o que chama mais atenção é a não definição de um sistema. O time joga no 3-5-2, mas joga quando? Quando defende baixo, alto ou médio? Como constrói no 3-5-2? Na média, no último terço? Pode ser 2-3-5 com os zagueiros ficando, meio-campista e laterais fechando como construtores e externos ampliados. Pode ser 3-2-5 ou 2-2-6. A numeração se perde um pouco das formas, porque o jogo é subdividido por momentos de construção e defesa.
O Tite é mais do Guardiolismo ou Kloppismo?
É de Ancelotti, um meio termo. Não é predominantemente defensiva, nem exclusivamente defensiva, criativa. Apesar de taxarem o Guardiola apenas como ofensivo, mas é a equipe que recupera mais rapidamente a bola. O perde-pressiona é altíssimo. Há um processo todo defensivo. Quem olhar o segundo gol na estreia que fez contra o West Ham, verá a equipe toda do Guardiola compactada em um 4-4-2 muito próximo da grande área, retoma a posse, a bola entra no Rodri, entra no De Bruyne, faz o passe para o Haaland. Quase 70 metros de passe vertical. Equilíbrio nessas ações, ter verticalidade e saber jogar com aproximações. Para mim, é a essência perto do que entendo por excelência.
Onde vocês estavam em 1970 (Tri), 1994 (Tetra) e 2002 (Penta)?
As etapas da vida influenciam na capacidade de análise, como a emoção bate forte. Em 70 estava jogando bolinha de gude e não conseguia entender como o Brasil estava perdendo para o Uruguai de 1×0. Aí, uma jogada em que o Clodoaldo inicia com Gérson, a bola vai para o Tostão e faz uma assistência para o Clodoaldo. Imaginava, como, teoricamente, o centroavante dá um passe para o primeiro meio-campista e empatamos. Mas é a emoção do empate. Outro que tenho a memória afetiva, 1982, quando o Falcão faz o gol de empate dei um tapa em um copo e sai vibrando, gritando. Passado o tempo, 1994 e 2002, mais analítico, enxergar com os olhos do ex-atleta e técnico. Mais analíticas e menos emocionais. Como as fases da vida trazem.
CX: Em 1970, menino com seis anos. Lembro coisa muito vaga. Em 1994, meu filho tinha nascido em fevereiro, assisti à Copa com ele muitas vezes no colo. E 2002, a gente estava em São Paulo para um jogo. Aqui no Brasil, os torneios não paravam para a Copa. Lembro de assistir a um jogo dentro de hotel, lembrança maior que eu tenho é viajando, já trabalhando.
No banco de reservas, como controlar a emoção? Eu lembro da tua comemoração contra a Costa Rica. Correu e caiu no gramado.
O nível de concentração ali na casamata, como chamamos, procuramos abstrair no aspecto de fora e ficar focado no jogo. Mas é desafiador.
Quantas vezes vocês reviram Brasil 1×2 Bélgica e o que pensam dos grupos da Copa?
Eu assisti ao jogo cinco ou seis vezes com os principais lances. Fiz uma palestra da CBF sobre a trajetória do jogo, os momentos. Tem diferentes jogos dentro do mesmo jogo. As diferentes situações que aconteceram. O sentimento que eu tenho logo no início depois é que acordava à noite e dizia: “nós empatamos”. Claro que defendendo um pouquinho, diagnosticando um pouco que o De Bruyne falou de forma verdadeira: “O Brasil jogou melhor, mas fomos efetivos”. Cortouis disse pro Casemiro que fez um dos maiores jogos da carreira.
Fisiologista da Bélgica, em videoconferência, em uma palestra, disse que alguns componentes do futebol são determinantes e que tem uma pitada de sorte, senão não teria passado do Brasil. Quando falou, eu falei “mas vai para o quinto dos infernos, chega”. (risos)
CX: Vi o jogo umas três ou quatro vezes, em momentos de preparação, para rever, pegar detalhes. Para mim o suficiente para já deixar de lado. Os grupos são parelhos, não vi nenhum grupo da morte assim. Esse grupo de Coreia, Gana, Portugal e Uruguai é muito parelho e não sei quem classifica.
Sobra tempo para o Cléber e Tite viverem fora do futebol?
O Cléber coloca bem. Quem vê o nosso estilo, diz: os caras não são parceiros de jeito nenhum (risos). Fico em casa. Às vezes, as pessoas confundem e acham que sou mascarado e ostentoso. Sou um cara muito quieto, reservado. Intimista, talvez. Bicho do mato. Gosto da família, ler bastante, algum seriado, cinema. E gosto de esporte, ficar praticando o meu trabalho. Tem sido meu núcleo, o que me move e me traduz.
CX: Estava no fim de semana agora em um aniversário de uma coleguinha íntima de escola da minha filha. A mãe da menina e me apresentou para o pai dele, disse que eu era da seleção. Era o Ritchie, o cantor. Comecei a contar história, conhecia todas as músicas, tinha disco. Quando fui morar nos Emirados, levei cem discos, um deles era dele. É meu jeito, sair da pressão, soltar. Focar no trabalho e ser sociável.
Essa parceria de vocês iniciou quando, como?
Cheguei do Caxias no Grêmio e estava formando a comissão técnica. Seu Verardi e eu conversamos e havia um leque de opções de profissionais para serem auxiliares técnicas. O Seu Verardi me puxou para o lado e disse Tite o cara pra trabalhar contigo é o Cléber, o Cléber conhece todo o Grêmio em termos políticos e tem um profundo conhecimento sobre as categorias de base, e aqueles atletas que possivelmente possa aproveitar, o Cléber vai falar porque tem trabalhado com todos eles. Então ele foi um pouquinho do mentor da dupla, a gratidão do seu Verardi.
Qual o livro atual do Tite?
O livro atual é Felicidade, do Pondé, Karnal e Cortella, os três filósofos. O livro de cabeceira. O outro é um best-seller que um funcionário da CBF me presenteou. São os dois. O anterior que gosto, foi dos All Backs. Dá lições de equipe muito forte. Cortella colocando, que ele leu 10 mil livros, eu tenho uns 400, mais ligados ao futebol. Essa leitura me move para refletir. Ou sobre as situações táticas e ter também o perfil do grande atleta, capacidade de superação. Comprei do Armstrong, mas quando soube da realidade dele deixei de lado.