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Charles 3º mantém viva a linhagem de sangue do Drácula histórico
Por essa o britânico Kim Newman não esperava quando escreveu seu mais famoso romance, “Anno Dracula” (1992): mais um descendente do cruel príncipe que inspirou a criação do mais famoso vampiro da história está sentado no trono do Reino Unido.
No livro e nas suas sequências, o conde hematófago criado pelo irlandês Bram Stoker há 125 anos sobrevivia ao embate fatal na obra original e voltava à Inglaterra, casando-se com a rainha Vitória, virando o regente de fato e transformando o Império Britânico num Estado policialesco coalhado de vampiros.
Stoker, como se sabe, inspirou-se na figura do príncipe Vlad 3º Drácula (o Filho do Dragão, 1431-76), que governou por três ocasiões a Valáquia, vizinha da Transilvânia onde parte da história do vampiro se passa, mas vamos combinar que Valáquia soa bem menos misterioso e ameaçador.
E sim, Charles 3º afirma ser um parente distante de Vlad, conhecido como o Empalador por sua predileção pelo método de execução que aprendeu enquanto cresceu como refém do sultão otomano. Então príncipe de Gales, o novo rei visitou a Transilvânia em 1998 e, encantado com o magnífico cenário natural, acabou aproximando-se da história local.
Começou a visitar quase anualmente a Romênia, onde tanto a Valáquia quanto a Transilvânia modernas ficam. Em 2011, disse em uma entrevista ter descoberto que sua linhagem estava ligada à de Drácula por meio da rainha consorte Mary (1867-1953), sua bisavó por parte de mãe.
Ela era casada com o rei George 5º (1865-1936) e tinha raízes na nobreza austro-húngara —e a Hungria foi potência central na história da região. Há duas versões da ramificação: uma que a liga diretamente a Drácula e outra a seu meio-irmão, Vlad 4º, o Monge (1425-1495), ambos filhos de Vlad 2º Dracul (o Dragão, fundador da dinastia, c. 1395-1447).
Por óbvio, a falecida rainha Elizabeth 2ª e seu pai, George 6º (1895-1952), também eram descendentes de Drácula, mas nenhum dos dois fez menção conhecida ao tema.
Já Charles, na entrevista em que promovia um documentário sobre as exuberantes florestas da Transilvânia, disse: “A genealogia mostra que eu sou um descendente de Vlad o Empalador, então eu tenho uma certa participação no país”, brincou, fazendo trocadilho com “stake” —palavra em inglês para participação e estaca, cujo emprego no coração é um dos métodos clássicos de se livrar de um vampiro.
Ele gostou tanto da região que comprou uma antiga hospedaria em Viscri, vilarejo transilvano que abriga uma das mais impressionantes igrejas fortificadas da região, cortesia dos saxões enviados no século 12 para colonizar aquelas fronteiras. Em 2017, declinou da oferta feita pelo governo local de um título fantasia de príncipe de Transilvânia.
Charles não se importou com a associação menos óbvia: o Empalador era um governante conhecido pela crueldade e pelo uso abusivo de violência contra os inimigos. Boa parte da má fama, contudo, veio de histórias exageradas por nobres rivais saxões na Transilvânia, onde Drácula nascera na pitoresca Sighisoara.
A versão falou mais alto, embora não houvesse acusações de vampirismo envolvidas. Stoker não se importou e fez uma bem-sucedida fusão de lendas disseminadas no Leste Europeu e o personagem histórico. Nunca colocou o pé lá: tudo saiu de leituras de relatos na biblioteca do Museu Britânico.
Hoje, Drácula é um dos personagens que mais protagonizaram filmes na história, de clássicos absolutos como “Nosferatu” (1922) a desenhos animados como a série “Hotel Transilvânia”, fora livros, peças, seriados, videogames. Isso para não falar em “spin-offs” sem ou com a presença do conde, como a própria série de Newman.
No livro original, Drácula não pretendia entrar na nobreza britânica, temática da obra de Newman, que rendeu quatro sequências e uma miríade de contos. Mas ele promovia a invasão da Inglaterra e atacava suas donzelas, numa fantasia social acerca do temor da miscigenação na capital de um império multiétnico, além de violar os códices repressivos da sexualidade vigente.