Ali, onde ocorre o principal encontro climático deste ano, a 27ª sessão da Conferência das Partes, a COP27, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), esses especialistas querem mostrar ao mundo que as regras atuais embutem distorções. E essas deformidades, alegam os técnicos de instituições como a Fundação Getulio Vargas (FGV) e a Embrapa, favorecem os países desenvolvidos em prejuízo das nações em desenvolvimento – notadamente, daquelas com forte pendor para a agropecuária, como é o caso do Brasil.
E qual a possível consequência dessa distorção? “As réguas usadas para medir quem é sustentável ou não vão definir quem ganha ou perde no mercado global”, diz Daniel Barcelos Vargas, coordenador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo, que participa da COP27. Em entrevista ao Metrópoles, Vargas listou quatro temas que devem ser debatidos com prioridade no que chama de “atualização’ do conceito de verde”.
Carro elétrico ou a etanol?
A Europa deve proibir a produção de carros com motor a combustão a partir de 2035. Boa notícia para o ambiente? “Em termos”, pondera Vargas. “Para chegar a essa resposta, precisamos observar todo ciclo de vida desse produto. Isso significa saber quanta energia é gasta na produção das baterias e quantas termelétricas poluentes são ativadas para carregá-las.” Feitas tais contas, nota o pesquisador, o veículo elétrico lança 92 gramas de CO2/km na atmosfera. “E o carro flex brasileiro emite a metade disso, dada a nossa matriz de energia limpa”, frisa. “Existem vários estudos que destacam virtudes da nossa tecnologia e experiência. O etanol brasileiro pode ser uma referência para o transporte limpo em outros países”.
Continua depois da publicidade
Calculadoras “viciadas”
Estudo realizado pela Embrapa Meio Ambiente constatou que, alterados os parâmetros vigentes, a emissão de gases do efeito estufa (GEE) provocada por três culturas agrícolas brasileiras é muito inferior ao estimado atualmente. Ela cai 97% no caso da cana, 85% no da soja e 38% no do milho. “A diferença ocorre porque as regras atuais consideram que houve mudança no uso do solo nas regiões de plantio”, diz Vargas. “Ou seja, partem do princípio de que tais áreas eram florestais e, nos últimos 20 anos, passaram a ser agrícolas. E ignoram que o país é vasto e diverso, cultiva duas ou três safras sobre o mesmo espaço, e possui imensidão de terras degradadas”
Petróleo ou alimentos?
Hoje, os países produtores de petróleo despontam na contabilidade mundial de emissões de gases do efeito estufa como menos poluentes do que as nações que produzem alimentos, caso do Brasil. “A regra existente é a seguinte: quem produz e exporta petróleo não emite. A emissão entra na conta do país que consumiu o óleo”, diz Vargas. “Em contrapartida, uma nação que produz alimentos é classificada como emissora, mesmo que exporte toda produção. Como resultado, considerados os atuais parâmetros, uma economia estruturada na extração de óleo e gás é muito mais ‘verde’ do que outra, baseada na agropecuária. E essa diferenciação é arbitrária, não tem fundamento científico robusto.”
Boi no cocho ou no pasto?
Na pecuária europeia, o gado é confinado e os produtores atenuam o impacto da emissão de gases do efeito estufa – principalmente, metano – alterando a alimentação dos animais. Essa mudança, considerada um benefício à produção, habilita tais pecuaristas a vender créditos de carbono. No Brasil, como a criação ocorre num pasto, a variação nutricional não acontece. “Daí, surge o paradoxo”, diz Vargas. “O europeu mantém o boi sobre uma placa de concreto, mexe na nutrição e pode ser subsidiado. Já o produtor brasileiro cria o animal num pasto, sobre uma placa de fotossíntese que absorve CO2, e não tem direito ao mesmo crédito.”
E por que é importante alterar os critérios que definem o que é sustentável na economia global? Diz Vargas: “Os países e empresas considerados ‘verdes’ vão receber créditos e, em contrapartida, quem emite gases do efeito estufa vai pagar a conta. Aliás, isso já está acontecendo e cada vez mais vai interferir na competitividade das economias.” Como se vê, há muito o que se discutir em Sharm el-Sheikh.