E o grande temor, observa Fernando Veloso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre), é que esses gastos sejam financiados por dívida. “Mesmo porque ainda não temos a menor ideia de quais serão as fontes de receita para bancá-los”, diz. “Se for dessa forma, e até agora tudo indica que será, despesas dessa envergadura terão forte impacto no bolso das pessoas.” Como e quais? É o pesquisador do FGV-Ibre explica a seguir.
De acordo com Veloso, sinais de descontrole da dívida pública, hoje estimada em cerca de 77% do PIB, tem impacto imediato na cotação do dólar. Nesse caso, aumenta em relação ao real. A estimativa do mercado é que a moeda americana feche o ano em R$ 5,20. No último mês, porém, ela oscilou entre R$ 5,35, passando por um pico de R$ 5,42, e atingiu R$ 5,23 na sexta-feira (10/12) em R$ 5,23.
O aumento da cotação da moeda americana, acrescenta o pesquisador do FGV-Ibre, tem reflexos na inflação. Ela aumenta e afeta de forma mais aguda as camadas mais pobres da população. “Isso acontece porque o preço de vários alimentos, muitos deles presentes na cesta básica, é cotado em dólares”, diz Veloso.
A relação entre saltos inflacionários e desigualdade é estudada há tempos por economistas. Em julho, por exemplo, dados do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), da FGV, apontaram que a diferença entre a inflação das famílias mais pobres, na faixa de 1 a 1,5 salário mínimo, e as mais ricas, com renda entre 11,5 a 33 mínimos, atingiu 0,69 ponto percentual, maior valor desde dezembro de 2020, quando ficou em 0,81 ponto.
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A consequência inescapável do aumento da inflação – e a mesma lógica vale para a perspectiva de descontrole da dívida pública –, nota Veloso, é a elevação dos juros. E isso ocorre em duas frentes. A primeira delas é o aumento ou a manutenção em alta da taxa básica vigente no país, a Selic, fixada pelo Banco Central (BC). A Selic é o instrumento por meio do qual o BC tenta controlar avanços inflacionários, forçando um desaquecimento da economia. Em agosto de 2020, ela era de 2% ao ano. Agora, está em 13,75%.
As primeiras reações do mercado à PEC da Transição já levaram a um aumento da projeção da Selic. Na semana passada, a previsão era de uma taxa de 11,75% no fim de 2023. Uma semana antes, porém, a estimativa havia ficado em 11,5%.
Os juros também aumentam no longo prazo. Isso inclui, por exemplo, nos Títulos do Tesouro. Hoje, as taxas para esses papeis com vencimento em 2035 e 2045, ressalta o pesquisador do FGV-Ibre, pagam inflação mais cerca de 6%. “São valores que não víamos desde a crise econômica de 2015-2016, no governo de Dilma Rousseff”, diz Veloso.
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Baixo crescimento econômico e desemprego
Por fim, conclui Fernando Veloso, a combinação desses fatores, altas do dólar, inflação e juros, leva ao baixo crescimento da economia, cujas previsões para 2023 já oscilam entre pouco e nada animadoras. O último Boletim Focus divulgado pelo BC, que traz uma média das expectativas dos agentes econômicos, prevê uma expansão do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de riquezas do país, de 0,75% no próximo ano. Este ano, ela deve ficar em 3,5% do PIB. Para 2024, o crescimento estimado é de 1,71%.
Ainda assim, esses números melhoraram em comparação com previsões feitas há duas semanas pelos mesmos agentes de mercado. À época, o avanço estimado para o PIB havia ficado em 0,7% (agora, subiu para 0,75%). “O problema é que, sem crescimento, os níveis de emprego caem”, acrescenta o pesquisador do FGV-Ibre. “E, se avançam, resultam da criação de postos de trabalho de baixa qualidade, em geral, informais.”
Até agora, porém, o desemprego vem recuando no Brasil. Ele caiu para 8,7% da força de trabalho total no terceiro trimestre, o menor nível desde o trimestre encerrado em junho de 2015, quanto atingiu 8,4%. Em agosto de 2021, estava em 13,1%.
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A taxa de investimentos do Brasil também avança. No terceiro trimestre deste ano, alcançou 19,6% do PIB, o maior nível desde 2014, segundo dados divulgados na última semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
O ideal, observam os técnicos, é que fique sempre acima de 20%. Algo que ocorreu em poucas ocasiões, desde quando o indicador atingiu seu pico, com 26,9%, em janeiro de 1989. Após a crise de 2015-2016, ele caiu para o ponto mais baixo desde os anos 1970: 14,6%, em janeiro de 2017. Nas economias emergentes mais pujantes, essa taxa é superior a 30%.