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POLÍTICA

Viúva de militar viu filha trocar medicina por atos golpistas e tenta tirá-la da prisão

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“A senhora está sempre querendo cortar minhas asas”. Foi essa a última frase que Roberta Brasil, de 56 anos, disse ter ouvido da filha, a estudante Roberta Jérsyka Oliveira, antes de ela ser presa por participar do ato golpista no dia 8 de janeiro, que resultou na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes.

A mãe implorou para que ela não viajasse de São Paulo a Brasília naquele fim de semana. Diante do que considerou um desaforo, bloqueou as redes sociais da filha, para não ver as postagens que seriam feitas na grande manifestação convocada por bolsonaristas contra a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Eu disse: ‘Minha filha, não vá.’ Eu sou viúva de militar, o pai dela era militar. A gente sabe que o Exército é resistente. Se até agora não fizeram nada, não vão mais fazer”, relatou Roberta Brasil ao Metrópoles, por telefone, na tarde de quinta-feira (19/1).

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A mãe aguarda a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o destino da filha, que está presa na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, conhecida como Colmeia. Jérsyka foi detida em flagrante e pode ter a prisão temporária convertida em preventiva ou ser liberada mediante uso de tornozeleira eletrônica. Até agora, entre os quase 1.500 presos, Moraes manteve 740 pessoas na prisão e liberou 335 com tornozeleira.

Da USP para o QG do Exército

Estudante de medicina da Universidade de São Paulo (USP), ela comemorou seu aniversário de 35 anos no dia 6 de janeiro – dois dias antes de ser presa – em frente ao quartel do Ibirapuera, na capital paulista, onde vinha passando a maior parte do tempo desde o fim das eleições. A mãe nem sequer deu os parabéns e tinha receio de enviar um presente.

“Se eu mandasse qualquer coisa, até mesmo um dinheirinho, sabia que ela usaria para ir até Brasília. Não sei como ela conseguiu, mas foi para lá”, relatou. Para a mãe, a filha encontrou no acampamento bolsonarista uma forma de fugir da realidade.

A separação nas eleições

Formada em engenharia, Jérsyka havia se mudado, em 2020, de Fortaleza, onde nasceu, para São Paulo, após ser aprovada no vestibular da USP. Nas redes sociais, relatava rotina de aulas, treinos físicos, alimentação saudável e publicava fotos com familiares e amigos. Mas, em setembro de 2022, o foco das postagens mudou e passou a ser, quase que exclusivamente, sobre política.

“Ela e meu genro estavam separados, algo que vinha sendo discutido desde o início do ano, mas eles não nos contaram. Quando começaram as eleições, por ele ser de esquerda, os dois começaram a brigar e a se desentender, a ponto de não terem mais o que conversar”, disse Roberta.

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Com a insatisfação que se seguiu à derrota de Jair Bolsonaro (PL), a quem tanto Roberta quanto a filha apoiaram, a estudante passou a se engajar cada vez mais nos movimentos bolsonaristas em São Paulo.

“Sei que ela é uma menina de boa conduta. Infelizmente, foi a solidão, a ansiedade, a ausência de familiares. Ela se apoiou nas pessoas que estavam ali. Eu disse a ela que os líderes estavam se aproveitando da fraqueza, da falta de conhecimento e se promovendo através de lives e seguidores”, disse a mãe.

Em novembro, Jérsyka foi uma das bolsonaristas que ficaram acampadas em frente ao quartel do Ibirapuera. No Twitter, um de seus colegas de faculdade relatou que ela perdeu provas na USP, porque estava no QG e não em sala de aula.

“Enquanto ela estava no QG, eu não estava tão preocupada. Estava mais inconformada de ela estar perdendo tempo, porque deveria estar procurando apartamento, deveria estar estudando. Fui contra, fiz de tudo para que ela entendesse isso”, contou Roberta.

A preocupação da mãe é que a filha não consiga retomar a faculdade quando deixar a prisão. Roberta recebe R$ 4.768,02 de pensão como viúva de militar – o pai de Jérsyka era segundo tenente. É com essa remuneração que ela mantém a filha estudando em São Paulo, pois, embora a USP seja pública, Jérsyka ainda precisa lidar com os custos com transporte, alimentação e moradia.

“Médico é para ser filho de rico, não de pobre. [Jérsyka] É uma menina de muito valor que passou na USP e, de repente, acontece isso.”

Desde 2017, Jérsyka recebeu ao menos quatro benefícios sociais do governo federal, detalhados abaixo:

  • Bolsa Família: total de R$ 7.999,00, entre agosto de 2017 e outubro de 2021, em parcelas mensais que vão de R$ 171 a R$ 179
  • Auxílio Brasil (sucessor do Bolsa Família): total de R$ 3.666,00, entre novembro de 2021 e novembro de 2022, em parcelas mensais que vão de R$ 202 a R$ 400
  • Auxílio Emergencial: total de R$ 5.344,00, entre abril de 2020 e setembro de 2021, em parcelas mensais que vão de R$ 211 a R$ 600
  • Bolsa de iniciação científica: total de R$ 11.356,07, entre setembro de 2014 e fevereiro de 2017, em parcelas mensais de R$ 400

Sem dinheiro para advogado

“Roberta, minha filha, não vá. Se der problema, não temos dinheiro para pagar um advogado”, disse Roberta, a mãe, na tentativa de demover Jérsyka da ideia de viajar até Brasília.

Na segunda-feira (9/1), dia seguinte aos atos, a mãe soube por outra filha, irmã de Jérsyka, que a universitária havia sido presa. Uma amiga de Brasília havia enviado o recado e já na quarta-feira (11/1) providenciara – e financiara – uma advogada para atuar no caso.

A advogada, segundo Roberta, conseguiu falar com a filha e informou a família que a estudante ficou mais de 24 horas sem comer nada e que estava usando a mesma roupa. Inicialmente, a mãe e a irmã da aluna da USP tinham receio de que ela pegasse alguma infecção nos olhos, já que usa lentes de contato. No entanto, souberam que Jérsyka recebeu novas lentes e atendimento médico.

“Pelo menos, eu sei que ela está viva. A vida começa de novo e através disso ela aprendeu uma lição”, disse Roberta. “Não estou com vergonha da minha filha. Sei que ela não matou, não roubou e acredito que não depredou nada. Só estou triste com o que ela vai encontrar aqui fora e com o fato de que vai ter que parar um pouco com a faculdade e refazer a sua vida”, acrescentou.

Para ela, tanto Jérsyka quanto outros bolsonaristas presos por participação nos atos golpistas foram ludibriados por pessoas “interessadas em fazer o mal.”

“Foi ingenuidade e falta de conhecimento político, porque eram pessoas [nos acampamentos] que não tinham muita instrução. A gente sabe que, por trás disso, existem cabeças pensantes e financiadores que pegaram os mais fracos”, afirmou.

O próximo passo, declarou, será o de ajudar Roberta Jérsyka a recomeçar do zero.

“Eu espero ver minha filha, recebê-la no aeroporto, abraçá-la, continuar cuidando dela, mesmo que com a tornozeleira eletrônica.”

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