A companhia artística procurou a Secretaria de Cultura cobrando a anulação da seleção e a criação de mecanismos para evitar episódios semelhantes. A seletiva, então, foi anulada. Segundo as artistas, porém, a pasta não adotou qualquer medida concreta para bloquear novos casos. Além disso, o projeto recebeu ainda menos pontos e foi desclassificado.
A Companhia Setor de Áreas Isoladas elaborou o projeto Balsa da Medusa para abordar o silenciamento feminino nas artes, passando pela misoginia, violência e desigualdade, em uma peça teatral. A ideia tem vínculo com a pesquisa de doutorado da cofundadora e codiretora do grupo, Ada Luana Rodrigues, 40 anos (foto em destaque).
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A seleção para acesso ao FAC passa por quatro fases. O projeto foi aprovado nas duas primeiras e recebeu uma pontuação baixa na etapa de mérito cultural: 68, o que é insuficiente, de acordo com o edital. A banca era formada só por homens, e as artistas questionaram três critérios da avaliação.
Ao pesquisar a banca, ficaram surpresas com a participação de um condenado por assédio sexual infantil. “Na hora, foi um choque ao saber que essa pessoa atuava como parecerista de um projeto que fala justamente de violência contra a mulher e misoginia”, afirmou Ada.
Conflito
A tese de doutorado proposta por Ada investiga episódios de opressão de gênero dentro de coletivos cênicos. “Como essa pessoa julgou esse projeto? Também acho que não poderia julgar outros projetos culturais. Eu sou a favor da reintegração, mas, neste caso, é delicado. É preciso saber o histórico da pessoa e onde encaixá-la”, comentou.
Para formar as bancas de seleção, o DF lança editais de convocação de pareceristas. Segundo Ada, a pasta argumentou que não sabia do passado do parecerista, mas que não haveria qualquer impedimento legal para a contratação de pessoas com histórico criminal.
As artistas cobraram a anulação da fase de mérito cultural, a contratação de uma banca imparcial e a adoção de mecanismo para impedir episódios semelhantes. “Se não existe no sistema legal, que a secretaria assumisse uma postura de responsabilidade social e ética”, assinalou Ada.
Anulação
As artistas descartaram a hipótese de apresentar um recurso, porque o parecer tendencioso poderia ter afetado outros projetos da seleção. A situação despertou polêmica na cena artística. O resultado da seleção foi publicado com a desclassificação do projeto. No entanto, logo em seguida, a secretaria anulou a banca.
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A pasta formou uma nova banca composta por pareceristas mulheres, inclusive na vaga da autoridade recursal. As artistas ficaram esperançosas, mas os desdobramentos foram decepcionantes. “Nosso projeto desceu 15 pontos – de 68 para 53 – e foi desclassificado. Na análise anterior, a gente estava não contemplada, mas classificada”, contou.
As artistas compararam as notas dos demais projetos. Alguns subiram. “Dois tiveram notas rebaixadas, mas em 5 pontos. E o resultado desses projetos não foi alterado. De não contemplado para desclassificado, foi só com a gente”, relatou.
Silenciamento
“Esse é um episódio de opressão de gênero. E a gente vê quão maior chega a ser o silenciamento. A gente precisa garantir que exista um ambiente igualitário, de equidade de gênero. E que episódios como esse sejam rechaçados. Não disseram se descredenciaram esse parecerista”, assinalou a artista.
A companhia apresentou denúncia para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa (CLDF). Diante dos episódios, o presidente, deputado distrital Fábio Felix (PSol), cobrou oficialmente explicações à Secretaria de Cultura.
Residência artística
A companhia apresentou o projeto da Balsa da Medusa para fazer um residência artística no centro cultural em Paris, na França. Além de trabalhar no espetáculo, as artistas iriam divulgar o trabalho da Secretaria de Cultura.
“Temos criado na companhia um processo que, no teatro, chamamos de escrita de palco, que é a dramaturgia por meio da cena. O espetáculo é composto nos ensaios, em cena, improvisando e criando. E, a partir dali, o texto do espetáculo vai sendo adaptado”, contou.
Outro lado
O Metrópoles entrou em contato com a Secretaria de Cultura e Economia Criativa sobre a questão. Em nota, a pasta argumentou ter tomado todas as medidas administrativas cabíveis, embora não tenha detalhado à reportagem. “A Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF tomou todas medidas administrativas cabíveis tão logo tomou conhecimento dos fatos.”