GERAL
Após 10 anos, a Ferrogrão, uma ferrovia de R$ 23 bilhões, pode sair do papel
Um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) agendado para esta quarta-feira, 31 de maio, poderá abrir caminho para tirar do papel, após dez anos, o projeto de construção da Ferrogrão – ferrovia de 933 km de extensão, ligando Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA), no Rio Tapajós, com orçamento previsto de R$ 22,9 bilhões.
A ferrovia teve o projeto suspenso em 2021 por uma Ação de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada pelo PSOL, em virtude de questões ambientais – o trajeto da ferrovia, projetada para seguir em paralelo à BR-163, atravessa o Parque Nacional do Jamanxim e afeta os povos indígenas que habitam a região.
Na época, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu a lei alterando os limites do Jamanxim, que possibilitaria a construção da ferrovia, alegando que a mudança de uma área de preservação, por meio de Medida Provisória, deveria ter sido feita por projeto de lei aprovado no Congresso Nacional.
A liberação da obra é aguardada com ansiedade pelo setor do agronegócio e pelos governos de Mato Grosso e do Pará. Depois de o procurador-geral da República, Augusto Aras, ter manifestado há uma semana apoio à continuidade do projeto, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu logo em seguida um parecer favorável à decisão de 2021 do ministro Moraes.
Polêmica, a construção da ferrovia divide não apenas ambientalistas e o agronegócio, como o próprio governo federal. Os Ministérios dos Transportes e da Agricultura defendem a obra, enquanto o Ministério dos Povos Indígenas e do Meio Ambiente são contra – repetindo outros embates recentes no interior do governo, como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
Procurado pelo NeoFeed, o Ministério dos Povos Indígenas não se manifestou sobre o julgamento de hoje do STF.
Do ponto de vista logístico, os ganhos econômicos são indiscutíveis. A EF-170, nome técnico da Ferrogrão, terá capacidade de transportar até 52 milhões de toneladas de commodities agrícolas ao ano quando estiver finalizada.
Estudos do setor do agronegócio estimam uma redução de R$ 60 por tonelada transportada pela Ferrogrão no Mato Grosso em comparação ao modal rodoviário, muito utilizado para escoar a produção de grãos do agronegócio da região. A médio prazo, ela trará uma redução de US$ 1 bilhão por ano no custo logístico do estado.
“No Brasil, o valor do frete é considerado o mais caro do mundo, porque boa parte é feito por rodovias, e a produção do Mato Grosso está a mais de 2 mil km dos portos”, diz Edeon Vaz Ferreira, diretor-executivo do Movimento Pró-Logística de Mato Grosso.
Segundo ele, a produção de grãos do Mato Grosso utiliza quatro corredores de escoamento. Cerca de 45% da produção sai pela Ferronorte (EF-364), de 755 km de extensão, que vai de Rondonópolis (MT) até o porto de Santos.
Os outros três grandes corredores saem pela Região Norte, por rodovias federais. Uma boa parte pela BR-163 até o porto de Miritituba (PA), no Rio Tapajós, num trajeto paralelo ao da Ferrogrão.
Outra parcela da produção é escoada pela BR-364, que vai até Porto Velho, e uma pequena parte utiliza a BR-158, que passa por Pará e Tocantins até atingir um ramal da Ferrovia Norte-Sul, concluída na semana passada, em direção ao porto de Santos.
Ferreira diz que a maior vantagem da Ferrogrão será aumentar a competitividade do custo do frete em relação ao do modal rodoviário. “Há também o ganho ambiental, pois um comboio de 160 vagões pela Ferrogrão transportaria 16 mil toneladas, substituindo 400 caminhões”, diz Ferreira.
Entre os que atacam o projeto, as principias objeções dizem respeito à provável ocupação ilegal das terras indígenas próximas à ferrovia e à implantação do terminal de transbordo, que causaria desmatamento e mais emissões de carbono no coração da Amazônia.
Modelagem
Para Marcus Quintella, diretor da FGV Transporte, da Fundação Getúlio Vargas, a Ferrogrão traria um impacto relevante por se situar numa região carente de transporte e por oferecer custo logístico baixo para escoar a produção pelo Arco Norte. “Dos portos do Pará sairia para o Canal do Panamá e de lá para Ásia”, diz.
Segundo ele, o trajeto tem poucos acidentes topográficos, se comparado ao da Serra do Mar, na chegada ao porto de Santos, por exemplo. Quintella, no entanto, tem uma avaliação crítica do projeto, que segundo ele não traz o custo real da obra, calculado em cima da execução sem levar em conta outros riscos, incluindo políticos.
“Tudo vai depender da modelagem do projeto final, que terá de ter dinheiro público para sair do papel”, adverte, citando como opções uma concessão ou uma Parceria Público-Privada (PPP), com aporte público e privado no início da obra.
Ele chama a atenção para a dependência que o projeto final terá de ter continuidade política. “O projeto não pode ser modificado e precisa de ter fundo garantidor para evitar problemas, como de cumprimento de prazo e desperdício de dinheiro público.”
O projeto da Ferrogrão foi elaborado em 2013 por uma empresa privada, EDLP (Estação da Luz Participações). Tradings, produtores de grãos e empresários do agronegócio do Mato Grosso bancaram R$ 60 milhões pelo desenvolvimento do estudo de viabilidade, que contém 4 mil páginas e 700 plantas de engenharia.
Submetido a consulta pública pelo governo federal entre outubro de 2017 e maio de 2020, o projeto da Ferrogrão acabou empacando na Justiça. Se a obra for autorizada, o governo federal deverá fazer um leilão de concessão de 69 anos.