GERAL
Alimentos, aluguel, apps de transporte e até sua Netflix: como a reforma tributária impacta sua vida
O plenário da Câmara dos Deputados pode votar nesta quinta-feira, 6, a tão esperada reforma tributária. A proposta simplifica – ou deveria simplificar – o sistema de impostos com a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, com uma parcela gerida pela União e outra parte por Estados e Municípios do País.
Em resumo, a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) propõe a criação de um novo tributo para substituir o PIS/Pasep, Cofins, IPI, ICMS e ISS, dividido em duas partes: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), administrado pelo governo federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), administrado por Estados e Municípios.
Isso pode afetar de muitas formas a vida do cidadão brasileiro, já que o tributo incide em produtos (bens) e também no setor de serviços prestados. Isso pode incluir desde o restaurante que você frequenta, o cinema do final de semana, o aplicativo de transporte que você usa para se locomover em sua cidade, seu streaming favorito e até itens essenciais, como produtos da cesta básica.
Para entender melhor o assunto, o Terra ouviu especialistas para entender pontos da reforma tributária, como o imposto único, a carga tributária para bens e serviços e as ferramentas de compensação para Estados, pessoas de baixa renda e dependentes de programas sociais, como o Bolsa Família.
Impactos no bolso
Para André Felix Ricotta de Oliveira, professor doutor em direito tributário e sócio da Félix Ricotta advocacia, um dos problemas da reforma tributária é a falta de transparência. Nem se sabe ao certo qual será a alíquota cobrada em um possível novo imposto unificado. Ainda assim, já é possível projetar impactos significativos em um importante setor da economia brasileira: o de comércio de bens e de serviços.
“Para os prestadores de serviços é possível estimar claramente que haverá aumento de impostos, independente da alíquota. Hoje o prestador recolhe de 2% a 5% só de ISS (imposto municipal). O IBS – que vai unir impostos estaduais e municipais – não será só de 5%, certo? Outra conta: o prestador de serviço hoje paga cerca de 3,65% de PIS/Cofins (federal). Duvido que o CBS – união de impostos federais – vai ser de apenas 3,65%”, aponta o especialista.
“Então se a pergunta é se haverá aumento de carga tributária substancial para o prestador de serviço isso eu não tenho dúvidas. E qualquer aumento de carga tributária – por mais que falem que não terá aumento, o que eu duvido – vai para o consumidor. O cidadão vai sentir no bolso, porque o contribuinte vai repassar o máximo que ele puder no preço dos produtos e do serviço”, completa.
Dessa forma, com exceções em educação, saúde, transporte público coletivo, produtos agropecuários, atividades culturais e serviços financeiros (bancos) – que devem ter um regime diferenciado, muitos setores da economia serão afetados caso o Congresso não acrescente outras isenções – o que enfraqueceria a proposta original. Entre os exemplos do que pode ser afetado e, de repente, se tornando mais caro, estão:
Aluguel: de imóveis, veículos, equipamentos;
Beleza e bem-estar: serviços de cabeleireiro, massagem e academia;
Entretenimento: exibição de filmes, peças, streamings;
Hotelaria: hospedagem em hotéis e pousadas;
Limpeza: faxinas domésticas ou industriais;
Manutenção: consertos e reparos em geral;
Pet: banho e tosa;
Transportes: motoristas particulares, aplicativos de transporte, entre outros.
Um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) revela que, caso a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) seja fixada em 25%, a compensação do aumento da carga tributária no setor de serviços ameaçaria 3,8 milhões de empregos.
Para o advogado e consultor tributário da FGV, Cassiano Menke, embora o CBS e IBS simplifique a cobrança de impostos, eles são tributos muito parecidos e que trazem como grande consequência o aumento da carga tributária. “Hoje, uma prestadora de serviço, um escritório de contabilidade ou cabeleireiro, paga em torno de 8% a 10% sobre o valor da prestação de serviço, a título de ISS mais PIS e COFINS. Agora, passarão a pagar 25%”, disse.
Outro lado
Rachel de Sá, chefe de economia da corretora Rico, por sua vez, vê como justa a mudança na forma de tributação. “A reforma vai equalizar o tratamento tributário entre bens e serviços. Hoje o sistema tributa mais relativamente os bens (mesa, blusa, geladeira) do que o serviço (restaurantes e cinemas, por exemplo)”, afirma.
No longo prazo, segundo a economista, os impactos serão positivos para todos os setores. “Quase todos os impactos positivos dessa reforma vai ser no logo prazo. Além da simplificação dos tributos e da correção das distorções, a proposta vai proporcionar o crescimento econômico do País”.
Cesta básica
Outro levantamento que chama atenção sobre o tema é uma projeção feita pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), apontando que a reforma tributária pode fazer com que o imposto para produtos do setor aumente em até 60%.
O estudo foi rebatido pelo secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. “Não vai acontecer. Não tem aumento de tributação da cesta básica”, afirmou o secretário.
Atualmente, cada Estado define a redução ou isenção de ICMS sobre os produtos. Com o objetivo de padronizar o cenário e não onerar ainda mais o consumidor, a Abras defendeu em seu levantamento uma cesta básica nacional isenta de tributação no Brasil.
“Apoiamos integralmente a criação de uma cesta básica nacional, para garantir o abastecimento da população que mais precisa”, afirma o presidente João Galassi. “A simplificação tributária é imprescindível para o País”, ressalta.
Diante de críticas, o relator da reforma tributária na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), fez modificações significativas na PEC apresentada na noite de quarta-feira, 5. Ribeiro anunciou a criação de uma lista nacional de produtos – hoje, cada Estado tem a sua. A Cesta Básica Nacional terá alíquota zero na nova tributação.
A proposta do parecer inicial de Ribeiro era reduzir a incidência de tributação na cesta a 50% da alíquota padrão, estimada em 25%. A definição dos produtos que compõem essa cesta ficou para lei complementar.
“A cesta básica nacional terá alíquota zero para que ninguém fique inventando que a gente vai pesar a mão sobre os pobres”, disse Ribeiro, em recado aos cálculos apresentados pelo setor de supermercados e críticas do ex-presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais.
A decisão de Ribeiro sobre a cesta básica vai contra o Ministério da Fazenda, que trabalhou até o último momento para mostrar que a taxação reduzida já mantinha as atuais condições de taxação dos alimentos.
‘Imposto do pecado’
Outro ponto da reforma tributária é onerar, ainda mais, produtos considerados nocivos para a saúde, como bebidas alcoólicas, cigarros, e produtos com muito açúcar, como refrigerantes.
“O cigarro, por exemplo, já tinha uma tributação alta de IPI por causa do princípio da seletividade dos impostos atuais. Quanto mais essencial, menor é a alíquota de imposto, e quanto mais supérfluo, maior a tributação. É o que ocorre com produtos que fazem mal a saúde. Isso deve ser mantido”, detalha André Felix.
Lanchas e jatinhos
Embora a reforma seja destinada para os tributos de consumo, essa primeira fase também prevê que itens de luxo, como jatinhos e lanchas, sofram incidência de IPVA, assim como já ocorre com os automóveis.
Famílias de baixa renda e cashback
A emenda constitucional prevê a implantação de um sistema de cashback (devolução de parte do imposto pago). As faixas da população que seriam beneficiadas e o funcionamento do mecanismo serão definidos por uma lei complementar futura, no entanto, tudo indica que a compensação seja para pessoas de baixa renda.
Na avaliação de Cassiano Menke, o cashback pressupõe a arrecadação para depois promover a devolução. Quando, na realidade, o que deveria haver é a redução deste novo imposto para produtos considerados estratégicos e importantes. “Na realidade não há como confiar que o governo vai devolver esse dinheiro. Não há como ter essa expectativa de que haverá efetivamente o cashback, porque em matéria tributária, a questão é muito sensível. Então, em vez de devolver dinheiro, o mais correto é deixar de arrecadar esse dinheiro”, afirma.
André Felix, no entanto, enxerga esse ponto como positivo. “O Brasil é um país com muita desigualdade social, nosso salário mínimo é um dos piores da América do Sul, temos mais de 30 milhões de brasileiros desempregados. Então, essa é uma forma de colocar na Constituição Federal a renda mínima. Uma forma de garantir isso sem ser apenas em programas que os políticos utilizam em época de eleição”, opina.
O ideal para o especialista, entretanto, era que fosse pensada uma tributação em cima de rendas e lucros. “Hoje, como nosso sistema é regressivo, quem tem pouca capacidade econômica proporcionalmente paga mais tributos do que quem tem maior capacidade econômica”, observa Felix. “Não adianta ter uma carga tributária pesada, como a gente tem hoje, sobre o consumo, e não uma tributação em cima da renda, o que não resulta em justiça social”.
Resumo da proposta (PEC 45/2019)
Extinção de cinco tributos
- Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);
- Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS);
- Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS);
- Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);
- Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS).
Criação do IBS
No lugar desses cinco tributos que seriam extintos, surgiria um imposto unificado: o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS) nos moldes de um Imposto sobre Valor Agregado.
Criação de Imposto Seletivo
Também seria criado o Imposto Seletivo.
Repartição da Receita
O IBS criado visa facilitar a vida do contribuinte, que pagaria o imposto com apenas uma alíquota. Entretanto, internamente, o valor arrecadado seria dividido entre o poder federal, estadual e municipal.
Gestão Unificada
A arrecadação do IBS e a distribuição da receita seriam geridas por um comitê gestor nacional, com representantes de cada ente.
Devolução tributária para os mais pobres
Devolver parte da arrecadação tributária às famílias mais pobres, em que o imposto pago seria devolvido através de um mecanismo de transferência de renda.
Transição entre modelos
Como a reforma afeta a capacidade tributária da União, Estados e Municípios, a transição proposta para o fim dos cinco tributos será de oito anos, de 2026 a 2033. Já a transição da distribuição da arrecadação, para evitar perdas para alguns Estados, seria de 50 anos, de 2029 a 2078.
Glossário dos impostos
IVA
A reforma tributária prevê a criação de dois Impostos sobre Valor Agregado: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o ICMS dos Estados e o ISS dos municípios; e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que vai unificar os tributos federais: PIS, Cofins e IPI, com base ampla e não cumulatividade plena na cadeia de produção — ou seja, sem tributação em cascata.
O imposto será cobrado no destino (local do consumo do bem ou serviço), e não na origem, como é hoje. Haverá desoneração de exportações e investimentos.
IBS
O Imposto sobre Bens e Serviços, proposto pela reforma tributária, pretende unificar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), estadual, e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), municipal.
O IBS seria a parcela do imposto único da reforma tributária gerida pelos Estados e municípios, enquanto a CBS seria gerida pela União.
CBS
Proposto na reforma tributária, a Contribuição sobre Bens e Serviços prevê a substituição de três contribuições federais por apenas uma. O tributo unificará o Programa de Integração Social e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
A CBS seria gerida pela União, enquanto o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) ficaria sob responsabilidade dos Estados e municípios, segundo a proposta da reforma tributária.
PIS/Cofins
A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) é um imposto federal que incide sobre a receita bruta das empresas. O valor arrecadado deste tributo contribui para custear a seguridade social: saúde pública, Previdência e outras áreas da assistência social.
IS
O Imposto Seletivo, outra proposta da reforma, incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como agrotóxicos, cigarro e bebidas alcoólicas, desonerando as exportações. A taxação será usada para substituição do IPI e irá manter a Zona Franca de Manaus.
IPI
O Imposto sobre Produtos Industrializados, federal, incide sobre produtos industrializados nacionais e importados. O percentual varia conforme a mercadoria.
ICMS
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços é um tributo estadual, de valores definidos pelos Estados e Distrito Federal. O imposto incide em quase todas as operações em que circulam mercadorias e é embutido diretamente ao consumidor final. Geralmente, a alíquota de ICMS dos Estados varia entre 17% e 18% sobre o valor do produto.
Algumas operações com incidência de ICMS são a compra de mercadorias como alimentos, eletrodomésticos, bebidas, roupas, combustível, contratação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos municípios, prestação de serviços de telecomunicação e entrada de mercadoria importada.
ISS
O Imposto sobre Serviços, municipal, incide na prestação de serviços realizada por empresas e profissionais autônomos.
IPVA
O Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor, estadual, incide sobre a propriedade de veículos, pago anualmente por proprietários de veículos.
IPTU
O Imposto Predial e Territorial Urbano é cobrado daqueles que possuem imóveis no meio urbano, seja residencial ou comercial.
IRPF
O Imposto de Renda de Pessoa Física é um tributo cobrado anualmente pelo governo brasileiro sobre os ganhos das pessoas físicas.
IOF
O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incide sobre todas as operações financeiras, como o crédito, câmbio, seguros, cheque especial e resgate de valores mobiliários. A arrecadação e determinação de alíquotas deste tributo é federal.
Além da função arrecadatória, o tributo é uma importante ferramenta para a regulação da economia nacional e atua incentivando ou desincentivando determinados setores e atividades, devido a sua influência no crédito.