MUNDO
‘Sem precedentes’: o que explica recordes de calor no mundo e pico de quase 50ºC
O alarme soa em todo o mundo. Na segunda-feira (3) e na terça-feira (4), a temperatura média do globo terrestre foi de 17,01 graus Celsius e 17,18 graus respectivamente.
Os dados dos Centros Nacionais de Previsão Ambiental dos Estados Unidos representam um recorde absoluto de calor na superfície do planeta, que acaba de ser batido duas vezes seguidas no espaço de apenas algumas horas.
A paleoclimatologista Valérie Masson Delmotte, diretora de pesquisa da Comissão de Energia Alternativa e Energia Atômica do Senado francês, explica que a situação que vivemos neste início de julho de 2023 é excepcional.
“Nós já tivemos o mês de junho mais quente de todos, um fenômeno que é marcado no Canadá por incêndios florestais severos, uma onda de calor sem precedentes no Atlântico Norte e uma redução da extensão da calota de gelo da Antártida, que ainda está sendo analisada”, cita.
É uma situação sem precedentes e criada pela influência humana sobre o clima que se intensificou, ou seja, pela forma como as nossas atividades perturbam o equilíbrio energético da Terra, ao produzirmos gases de efeito de estufa
Valérie Masson Delmotte
As regiões do sul dos Estados Unidos têm sofrido com uma onda de calor que já dura duas semanas, com sensações térmicas acima dos 40ºC. Ao menos 13 pessoas morreram no país, nos últimos dias devido às altas temperaturas.
Na China, uma onda persistente de calor continua a afetar o país, com temperaturas acima dos 35°C. No norte da África, os termômetros têm chegado perto dos 50°C.
Mudanças climáticas e El Niño
Valérie Masson Delmotte lembra que o aumento da temperatura é resultado de dois fenômenos. Os cientistas destacam que as principais causas são as mudanças climáticas e os efeitos do El Niño, que impacta o padrão do clima global.
O aquecimento devido à influência humana teve a maior taxa registrada na última década. A isto, junta-se o fenômeno El Niño, que começou há algumas semanas e que levará a recordes de calor que irão se manter provavelmente por um ano
Valérie Delmotte
A volta do El Niño, caracterizado pelo aquecimento anômalo das águas do oceano Pacífico equatorial, preocupa os meteorologistas, uma vez que esse fenômeno climático natural pode causar ainda mais elevação das temperaturas globais.
Federico Gomez Delgado, da Organização de Meteorologia para as Américas Central e do Norte, espera que o El Niño seja de intensidade normal este ano, mas segundo ele existe uma possibilidade de que o fenômeno seja mais severo.
“E isso tem implicações na América Latina em particular. Por exemplo: a zona norte da América do Sul costuma experimentar secas, enquanto na parte norte do México e na parte sul dos Estados Unidos observamos aumentos nas precipitações. Nas zonas de convergência, como a América Central, também há regiões onde se experimentam secas, enquanto em outras, inclusive em um mesmo país, pode-se observar o contrário, chuvas intensas, inundações, etc”, explica o especialista.
“O importante quando falamos de mudanças climáticas é conseguir distinguir entre essa variabilidade natural e as tendências devido à influência humana que estão, sim, se intensificando”, reforça Valérie Masson Delmotte.
“Não há para onde fugir, no sentido de que as mudanças climáticas futuras dependem de nossas emissões de gases de efeito estufa daqui para frente”, alerta Delmotte.
“Portanto, a mudança que está por vir depende muito das escolhas que fazemos e, em particular, das escolhas que permitam reduzir as emissões de gases de efeito de estufa”, diz.
Algumas semanas atrás tivemos mais de 45 graus na Tailândia, temos quase 50 graus atualmente na Argélia e temperaturas acima de 40 graus na China. Também temos altas temperaturas na América do Sul, como na Argentina, onde é inverno agora e mesmo assim vemos picos de mais de 30 graus
Valérie Masson Delmotte
Mesmo a Antártida, que está atualmente em seu período de frio, registrou temperaturas anormais e altas para esse período. A Base de Pesquisa Vernadsky, da Ucrânia, localizada nas Ilhas Argentinas do continente gelado, recentemente bateu o seu recorde de temperatura para o mês de julho, alcançando impressionantes 8,7°C.
“Esses episódios de ondas de calor mais frequentes e intensas são uma consequência direta do acúmulo de calor no sistema climático. Funciona de forma semelhante para as ondas de calor no mar, que tivemos no ano passado no Mediterrâneo, e como temos atualmente no Atlântico Norte. Ainda há trabalhos sendo feito por colegas oceanógrafos para entender exatamente os mecanismos em funcionamento para atingirmos tal intensidade”, observa a pesquisadora.
“Em um clima mais quente, a atmosfera pode conter 7% a mais de vapor de água por grau de aquecimento. E assim, quando você tem uma tempestade de alta intensidade, quando ela acontece no clima mais quente de hoje, pode provocar mais chuvas. E é isso que já estamos vendo em muitas regiões”, conclui.