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ESPORTES

Ex-bandeirinha revela veto em clássicos por ser mulher: ‘Tinha que provar o tempo todo’

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Nadine Basttos em sua despedida dos gramados, no jogo da Seleção Feminina contra Bolívia Foto: Lucas Figueiredo-CBF

As primeiras gerações de mulheres na arbitragem precisaram superar preconceitos e desafios para se estabelecer no futebol. Em um cenário onde ser mulher e jogar bola era proibido por lei, a arbitragem feminina era ainda mais improvável.

A ex-auxiliar de arbitragem Nadine Basttos fez parte das gerações de mulheres pioneiras da categoria e é a segunda entrevistada da série especial de reportagens do Terra para a Copa do Mundo Feminina. Por indicação de uma amiga, a catarinense iniciou o curso de arbitragem em 2007, quando sentiu o primeiro choque. Em uma turma de 30 homens, ela e a amiga eram as duas únicas mulheres. Em 2010, estreou no Brasileirão da Série A, atuou em grandes jogos e, anos depois, integrou o seleto quadro de árbitros da Fifa.

A trajetória na arbitragem terminou em 2017, após dez anos de carreira. Nadine tem marcado na memória os desafios que enfrentou. Em um esporte historicamente dominado por homens, as oportunidades foram surgindo aos poucos. No entanto, mesmo depois de entrar, as barreiras continuavam: “Eu escutei a palavra desistir com muita frequência. Certa vez disseram: ‘Não se estressa com isso, você não vai ter chance’.”

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Após encerrar a carreira nos gramados em um amistoso da Seleção Feminina contra a Bolívia, a ex-bandeirinha foi pioneira novamente ao se tornar primeira mulher comentarista de arbitragem na televisão brasileira. Entre 2017 e 2020, ela trabalhou para Fox Sports. Na sequência, Nadine foi comentarista do Grupo Globo até abril de 2021, quando aceitou o convite do SBT.

Treinamento do curso de arbitragem em 2007
Treinamento do curso de arbitragem em 2007

Foto: Arquivo Pessoal

Desafios

Nadine destaca que a falta de representatividade tornou o caminho mais árduo: “É muito difícil pelo fato de termos poucas mulheres fazendo essa atividade. Mas quando eu olho para trás e vejo tudo que passei, penso: ‘Que menina corajosa, né?’.”

A ex-bandeirinha acrescenta que, mesmo quando as mulheres conseguiam oportunidades, o peso era maior. “Era como se dissessem: ‘Eu estou te dando oportunidade, não me decepcione’. Porque a cobrança em cima dele vai ser maior, por ele estar escalando uma mulher. Os clubes faziam essa pressão também. Soava como: Ok, dá oportunidade para ela, mas não no meu jogo”, conta.

Nadine ressalta que “o erro da mulher é semelhante ao erro do homem, porém a repercussão é muito maior”. A ex-árbitra conta que passou por inúmeras situações em que foi colocada à prova apenas por ser mulher, quando, por exemplo, foi apitar um grande clássico estadual e escutou que “não queriam mulheres no jogo”.

Nadine ao lado da comissão técnica em seu último jogo da carreira
Nadine ao lado da comissão técnica em seu último jogo da carreira

Foto: Arquivo Pessoal

No ambiente de trabalho, ela destaca que algo que a incomodava eram os julgamentos e olhares de desconfiança que recebia: “Essa desconfiança é algo que me deixava triste, de ter que provar o tempo inteiro que estava ali por capacidade, que estava ali porque me dedicava a isso. Tinha também o julgamento, de que não é lugar para mulher.”

Cenário diferente

Sandra Regina, primeira mulher a apitar um jogo na série A do Brasileirão em 2003, é uma grande referência para Nadine: “Tem que parabenizar essas mulheres com a persistência, né? Sempre alguém vai sofrer um pouco para que as outras possam ter mais oportunidades e essa persistência é essa determinação.”

Basttos conta que no começo as oportunidades que as federações davam às mulheres eram limitadas. Algo que melhorou ao longo do tempo. Atualmente, entidades como Fifa e CBF promovem treinamentos e profissionalizações para capacitar as profissionais. Porém, nem sempre foi assim.

Antes, as profissionais poderiam se candidatar ao curso, mas com restrições. Quando encontravam oportunidades, as candidatas eram surpreendidas por barreiras, como realizar o teste físico igual ao da categoria masculina.

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“Eles diziam: ‘Me mostra que você é capaz de fazer o que os homens fazem’. Era uma barreira, porém a abertura fez com que a gente se unisse e falasse a gente pode fazer isso”, conta.

Nadine Basttos como auxiliar técnica
Nadine Basttos como auxiliar técnica

Foto: Arquivo Pessoal

Esse acabou sendo o momento chave para a entrada de mais mulheres na arbitragem brasileira. A atual comentarista de arbitragem do CBF se mostra otimista com o contexto autal. “Naquele momento a gente pensou: ‘Melhor ter essa oportunidade, se dedicar e fazer isso do que nunca ter a oportunidade’. Hoje eu fico muito feliz que as federações apoiam mais a presença da mulher no futebol e na arbitragem”, comemora.

Os números comprovam e mostram um aumento de mulheres na classe. Segundo relatório divulgado pela CBF, entre 2010 e 2020, a participação feminina nas escalas de arbitragem de jogos masculinos passou de 4,47%  para 16,8% em 2020, um aumento de 399%. No entanto, mesmo com o crescimento, esse número corresponde a de 10% de mulheres no setor.

Nadine avalia o aumento da procura de mulheres pela arbitragem de forma positiva.  “Eu acho muito importante quando a gente vê que as mulheres estão conseguindo esse espaço, isso faz com que outras mulheres tenham essa vontade também porque elas começam a perceber que é possível fazer isso então é muito importante essa visibilidade”, conclui.

Copa do Mundo Feminina 2023

Nadine atuando em jogo do Campeonato Brasileiro, São Paulo x Vasco
Nadine atuando em jogo do Campeonato Brasileiro, São Paulo x Vasco

Foto: Bruno Santos / Terra

Algo que mostra o desenvolvimento e o espaço que as mulheres adquiriram com o tempo é que a Copa do Mundo de Futebol Feminino deste ano, que acontece na Austrália e Nova Zelândia entre 20 de julho e 20 de agosto, será o primeiro Mundial feminino com arbitragem 100% feminina. Quatro árbitras brasileiras estarão presentes na competição: Edina Alves, Neuza Back, Leila Moreira e Daiane Muniz.

Nadine demonstra apoio e elogia as colegas. “Eu gostaria que o Brasil torcesse pela arbitragem feminina também, porque estamos sendo representados pelas melhores mulheres que estão trabalhando na atualidade no Campeonato Brasileiro em no futebol feminino”, afirma.

Ela também comenta sobre a novidade do “VAR explicado”, em que as decisões tomadas após intervenção do árbitro de vídeo serão anunciadas no sistema de som dos estádios. Nadine afirma que imaginava algo diferente: “Achei que seria um pouco diferente. Na minha visão não achei que acrescentou em nada sinceramente.”

“Tenho a sensação de que talvez a Fifa neste momento ainda não queira divulgar a conversa entre os árbitros. Eu acho que isso sim seria uma transparência, pois o estádio precisa saber o que está sendo marcado”, conclui.

Futuro

Nadine como comentarista de arbitragem no SBT
Nadine como comentarista de arbitragem no SBT

Foto: Arquivo Pessoal

Como forma de incentivar mulheres que gostam de futebol, Nadine se mostra aberta para ajudar as novas gerações e revela o desejo de poder ajudar meninas e mulheres para que o caminho delas seja mais leve.

“Tenho a pretensão de fazer cursos de arbitragem para crianças e meninas que queiram entrar nesse meio porque acho que é o momento de a gente dar continuidade a isso. Não somente abrir as portas e depois deixar de lado, mas abrir as portas e dar um incentivo para que a gente possa ter mais mulheres em todas as atividades”, diz.

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