ENTRETENIMENTO
Barbie: filme sobre a boneca não tem medo de brincar
Tem uma cena de Barbie (2023) que pode ajudar a acalmar os anseios de quem tem se perguntado por que raios adultos querem ver um filme sobre uma boneca feita para crianças. Barbie (Margot Robbie) e Ken (Ryan Gosling) caminhavam na rua quando se depararam com uma construção e ela, que esperava encontrar mulheres trabalhando, encontra apenas homens. Todos, inclusive, a veem como um “pedaço de carne” e um deles até lhe dá um tapa no bumbum.
Ao contrário de muitas mulheres vítimas de assédio, Barbie revida a invasão com um belo soco. A sequência termina com ela e Ken presos, não o cara que cometeu o assédio.
Fato é que tanto a Barbie original, lançada em 1959, quanto o filme de 2023 são claramente frutos do seu tempo, no sentido mais oposto. A boneca original representava um ideal impossível de feminilidade, e o filme não é só consciente disso, mas faz uma personagem adolescente falar diretamente para a Barbie o quão nociva a sua imagem foi para mulheres desde a sua criação.
A Mattel, fabricante da Barbie, se empenhou em adaptar seus brinquedos para a realidade dos anos 10 do século 21 — com a inclusão da Barbie no mercado de trabalho e a criação da diversidade de corpos, cores e traços na boneca. De forma parecida, o filme usa personagens de fora do nosso mundo para criticá-lo. Até a intenção da fabricante da boneca, de embalar e precificar o feminismo, vira piada.
Assim, a escalação de Margot Robbie se torna acertada. A atriz parece com a Barbie que mora no imaginário de muitas pessoas que cresceram com a boneca e brilha ao fazer uma personagem com um arco de perda da inocência. É quase como se ela fosse uma criança que se torna adulta do dia para noite.
E não há apenas uma Barbie. O filme dirigido por Greta Gerwig dá espaço para todas, até para a Barbie presidente.
O mesmo vale para o Ken. O famoso “namorado da Barbie” ganha diferentes representações e se esforça para sair da sombra da namorada. Na ‘Terra da Barbie’, todas as funções importantes são feitas por mulheres.
Para o Ken, em especial o interpretado por Ryan Gosling, sobra a galhofa. O ator, inclusive, brilha ao abraçar o deboche pensado para sua personagem.
Não é à toa. Tudo no filme, da areia rosa da praia até as interpretações caricatas, parece servir um objetivo maior: rir do absurdo, ser uma paródia de si, e a partir disso, levar a discussão para um caminho mais a sério.
Onda cor de rosa
Poucas pessoas passaram ilesas pela onda rosa que invadiu o mundo, real e virtual, nos últimos dias. Poucas vezes vimos um filme-evento que conseguiu reunir tantas tribos e fazer tanta gente usar a cor. A impressão é que toda a equipe criativa do filme, que estreia na próxima quinta, 20, no Brasil, estava bastante empenhada.
O projeto foi encabeçado pela diretora Greta Gerwig, que esteve à frente de filmes mais “cabeça”, como Lady Bird (2017) e Frances Ha (2012), e reuniu a nata de Hollywood. Greta assina o roteiro em conjunto com o marido, Noah Baumbach. Os dois não desperdiçaram a chance de fazer o filme rir de si, seja pelos inocentes personagens que existem na idílica ‘Terra da Barbie’, ou dos pouco esperançados personagens que habitam o nosso mundo.
A produção também brilha em outros aspectos técnicos. A direção de arte é uma ode a clássicos do cinema e é atenta a cada detalhe. O mesmo é observado com o figurino, que se destaca desde as primeiras imagens divulgadas das gravações, de Barbie, e Ken, passeando de patins no parque.
Mas o grande destaque fica para o roteiro. Sarcástico e ligeiro, o filme é para adultos. Talvez os pequenos se aborreçam com as referências à vida adulta que ainda não são capazes de entender, especialmente quando a discussão fica um pouquinho mais séria.
Aliás, os discursos mais longos das personagens também podem deixar os espectadores “mimizentos” com a impressão de que o filme é “lacração demais”. Mas, convenhamos, é um filme da Barbie, e pode ser tão complexo quanto a boneca de 64 anos se tornou.
O filme Barbie estreia na quinta-feira, 20, em todos os cinemas do Brasil.