CIDADES
Depois de viralizar, criador do ‘Spobreto’ batalha sozinho há três anos pela sobrevivência do negócio
No Rio de Janeiro, o vendedor ambulante Leandro da Cruz Lopes, de 46 anos, já tentou emplacar a venda de caldos e sopas, yakisoba, angu à baiana e até estrogonofe. Mas foi com o macarrão na chapa, uma versão ‘de pobre’ do que é vendido na rede de restaurantes Spoleto, que ele se encontrou. O ‘Spobreto’ viralizou, o dinheiro entrou no caixa e a fama veio nas redes sociais. Mas a movimentação se manteve por apenas uma semana – pois o carrinho de cerca de 1 m² abriu poucos dias antes do início da pandemia de covid-19, em março de 2020.
Em depoimento ao Terra, Leandro conta sua história e revela as batalhas que enfrenta em busca do sucesso do negócio. Se hoje, como ele disse, a meta é pagar as contas, para o futuro ele vê potencial e oportunidade de expansão. Confira seu depoimento:
Como tudo começou
Moro no morro do Dendê, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, e comecei trabalhando na rua vendendo comida com minha ex-esposa em 2007. Quando terminamos, em 2017, resolvi abrir outra barraca pra mim, mas com algum outro produto que não fizesse concorrência com ela [juntos vendiam caldos e sopas].
Comecei com Yakisoba, depois foi estrogonofe, depois angu… A cada ano, eu mudava de produto. Na minha cabeça eu precisava achar o produto certo. O que foi um grande erro, porque agora sei que sempre tive produto. A prova disso é que, até hoje, pessoas vão no meu ponto procurar por essas comidas. Eles se lembram do produto, mas não de mim.
O que eu não tinha era marketing e presença digital. Acreditava que era só abrir a barraca na rua e esperar os clientes virem. Até dava certo, porque trabalho em frente a uma faculdade e os alunos descem para comer nos intervalos. Mas duas vezes por ano, durante as férias, eu passava por uma ‘mini crise’ de vendas. Para solucionar isso tinha que fazer uma reserva para passar pelos períodos de baixas.
Busca pelo produto coringa
Na virada de 2019 para 2020 eu ia mudar mais uma vez de produto, mas não sabia para qual. Um dos meus passatempos é a leitura. Leio tudo que vem em minha mão e na época peguei emprestado um livro chamado O homem mais rico da Babilônia, que tem dicas sobre como administrar dinheiro. Fui adaptando à minha realidade e vi que estava funcionando.
Isso me fez ler mais sobre educação financeira e gestão de negócios e descobri que, ao contrário do que eu imaginava, o produto é parte do processo, e não o processo em si. Vi que eu estava trabalhando errado todo esse tempo, contando com a sorte. Então, quando resolvi mudar de produto, quis começar certo dessa vez – com marketing, engajamento, atuação nas redes sociais.
Mas eu ainda não tinha o produto. Eu sabia que queria um produto coringa. Algo estilo pipoca e cachorro quente, que vende de dia ou de noite, que crianças e adultos gostam e que não depende de safra ou época do ano. Depois que li o livro Oportunidade Disfarçadas, do Carlos Domingo, fiquei meio neurótico tentando ver oportunidade em tudo.
Até que um dia cismei de comer macarrão. Parecia desejo de gravidez. Sai andando pelo morro e não tinha para vender. Desci o morro, fui em locais que vendiam comida e não achei. Era tarde, depois de 22h, então o shopping estava fechado.
A procura durou algumas algumas horas, até que a fome me venceu. Comi um cachorro quente e reclamava comigo mesmo: “Como ninguém vende macarrão na rua?”. Macarrão é fácil de fazer, vende o ano todo, a maioria das pessoas gosta, serve como almoço, lanche e janta. No meio desse raciocínio, veio o estalo de que macarrão era o produto coringa que eu tanto buscava.
Macarrão na chapa?
Passei a avisar os clientes que em março de 2020 eu iria vender macarrão na chapa. O problema era que ninguém entendia como eu iria fazer macarrão na chapa. Eu explicava, explicava, e nada. Pensei em desistir. Como eu iria vender algo que ninguém entendia?
Até que durante uma explicação uma cliente falou: ‘Ah, já sei! Vai igual ao Spoleto”. Respondi que não, que lá era diferente, um lugar de outro nível. O meu seria um ‘spo’, mas de pobre. Um ‘Spobre’, ‘Spobretão’, um Spobreto!
Quando saiu a palavra Spobreto foi como um tsunami passando na minha mente. É isso, Spobreto! O nome já fala por si só. Teve gente que não gostou. Diziam que iria depreciar o produto ou que eu poderia ser processado. Mas eu tinha que tentar.
Viralizou por acaso
O Spobreto foi inaugurado e eu fiz uma ação de vendas: chamei vinte amigos para gerar uma movimentação, um efeito manada para quem passasse na rua, porque movimento gera movimento.
Nisso, alguém tirou uma foto da barraca cheia e postou no Twitter. O post viralizou e quando eu cheguei pra trabalhar no dia seguinte vi um monte de gente próximo da barrada. Mas alí é um ponto movimentado, de ponto de ônibus e caminho do metrô. Mas quando virei a esquina escutei: ‘Ó ele lá’ e vieram pra cima de mim. Pensei: “Caramba, o que eu fiz?.
O pessoal então explicou que eu estava em todos os sites. Teve um monte de gente famosa que repostou sobre a ideia da barraca no Instagram [@spobreto01] e eu ainda nem tinha rede social. O negócio foi para a internet antes mesmo de mim! Até hoje não sei quem postou a foto no Twitter.
A barraca chegou no pessoal da própria Spoletto, Coca-Cola, China-in-box, Guaraná… E eu só conseguia pensar que se esse pessoal todo estava botando fé em mim, quem sou eu pra duvidar.
Com o Spoleto a relação é a melhor possível. Quando começaram a sair matérias em jornais, uma a notícia chegou neles e alguns membros da diretoria e do marketing da empresa foram conhecer minha barraca. Eles disseram que adoraram a ideia, que estavam em uma reunião regional e começaram a ser bombardeados com mensagens sobre o Spobreto.
Eles me aconselharam a criar um CNPJ e a patentear a marca. Disseram para eu não ver meu negócio como algo transitório e passageiro, mas como uma empresa com uma ideia era genial. Imagina eu ouvindo isso!
Perguntei se poderia ter algum problema com o nome e eles disseram que não. Mas como todos iriam associar minha marca a deles, eu tinha que ser cuidadoso com produtos, limpeza e atendimento. Nos seguimos no Instagram e, de vez em quando, trocamos mensagens. Afinal, é tudo massa. Creio que quando os grandes respeitam e reconhecem os pequenos, eles se tornam maiores ainda. Sou fã do Spoleto.
Paraíso durou pouco
Antes da pandemia cheguei a vender de 80 a 100 pratos por dia. Era um momento viral, o Spobreto estava saindo em várias matérias e sendo compartilhado nas redes sociais. Mas esse paraíso durou só uma semana – pois veio o ‘lockdown’ na semana seguinte e o Centro do Rio de Janeiro virou um deserto.
A clientela caiu muito. Passei a vender de 10 a 12 pratos por dia, que mal pagava os custos básicos. O home office se popularizou e muita gente acabou não voltando para o presencial. Ainda vai demorar para o Centro reaquecer.
O que me segurou nesse período foi o auxílio emergencial do governo. Eu não tinha plano B. Ou o Spobreto dava certo ou dava certo. Muitas empresas grandes quebraram. Era como se eu estivesse em alto mar em uma tempestade vendo iates e navios afundando – e eu ali, com meu barquinho de madeira, pensando que já já era minha vez.
Tive que ficar me reinventando com novos molhos, promoções, engajamento na internet. O pouco dinheiro que entrava eu injetava na melhoria do Spobreto.
Agora com o “fim” da pandemia é que, enfim, vou conseguir saber o potencial do Spobreto. Eu só conheço dois movimentos: o viral, lá no alto, e o da pandemia, lá embaixo. Atualmente tenho atendido uma média de 25 clientes ao dia. Tá longe do que um dia foi, mas está dando pra me reorganizar com as contas que acumularam na pandemia. Vou trabalhar esse ano todo pra pagar as coisas que ficaram pra trás e, no ano que vem, enfim, começar o Spobreto.
Pouca estrutura
Sou apenas um vendedor com uma barraquinha metida de 80 centímetros por 1,30 metro que ficou conhecida nas redes sociais. A impressão de quem vê o Spobreto pela internet é de que ele é dez vezes maior do que é. Mas, a real é que o cardápio é bem limitado por conta da pouca estrutura. Ofereço 3 massas: penne, parafuso e espaguete. Quando não acho uma delas no mercado, coloco alguma outra opção.
Os valores são bem populares, de R$ 10 a R$ 18. Consigo trabalhar com esses preços baixos, porque tudo no Spobreto é feito por mim. Compras, preparo, transporte, atendimento, limpeza… Sou todos os funcionários do Spobreto.
As massas e molhos são caseiros. Brinco que é comida de casa, vendida na rua. O segredo do Spobreto é não inventar moda. É fazer o simples e básico, refogado e temperado sem inventar nada. A sofisticação está na simplicidade de fazer um tempero caseiro, numa época em que tudo é industrializado.
Rotina cansativa
As pessoas pensam que eu trabalho só no tempo que estou lá na rua, algo entre 11h e 16 horas. Mal sabem que ali é a parte fácil do meu dia. As partes pesadas, ninguém vê.
São os bastidores, as compras passadas, preparar aquele monte de comida sozinho, lavar tudo em casa, transportar as comidas de ônibus para o centro, vender, depois lavar tudo da barraca e fazer compras de noite para poder trabalhar no dia seguinte. Todo dia essa rotina, de segunda a sexta – e às vezes aos sábados, quando tem algum evento na região da barraca.
Os lucros são modestos, afinal sou só uma barraquinha. Mas, como moro sozinho, trabalho sozinho e não tenho vícios, consigo me manter. Ganhar dinheiro só ganhei na primeira semana, antes do lockdown. Faturamento eu nunca fiz, esse é meu grande erro. Minha meta é pagar as contas.
Para o futuro
Meu sonho é franquear a marca ou abrir uma loja onde as pessoas possam sentar em mesas e comer com mais conforto. A marca está patenteada, a conselho do Spoleto. Mas, a grana que eu tinha para investir em cozinha para abastecer os possíveis franqueados, foi se diluindo durante a pandemia. Então para franquear, só se algum investidor quiser se associar a mim e entrar com o capital, porém, acho essa opção pouco provável.
Só sei que quero sair da rua. Sou grato pela vivência de rua, mas ela é muito covarde e dolorosa. Creio que o Spobreto já cumpriu seu papel na rua e merece evoluir.
Cuidados com direito de marca
Após ouvir a história do Spobreto, a reportagem do Terra conversou com a advogada Viviana Callegari Dias de Miranda, especialista em Direito das Relações de Consumo e Direito Empresarial, para entender mais sobre os cuidados que os empreendedores devem ter ao criar marcas que fazem associação direta a outras já existentes.
Segundo ela, a pessoa que deseja iniciar um negócio fazendo referência a uma marca já consolidada deve cuidar para que haja diferenças quanto ao nome, sinais distintivos e produtos fornecidos, ainda que semelhantes. É importante ressaltar que, como ela explica, o ordenamento jurídico brasileiro protege a livre concorrência.
“O toque é o seguinte: esta marca que criei, incluindo ou não logotipo, desenho ou outro sinal distintivo, ainda que faça referência à outra marca, poderá levar o consumidor a achar que está consumindo aquela marca e não esta? Essa é a pergunta que o empreendedor deve se fazer. Isso não significa que ele não terá de responder a eventuais ações judiciais, porém terá argumentos para sair vencedor e não perder a sua marca”, ressaltou.