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POLÍCIA

Militares atuaram, em nome de empresa, para direcionar compra de coletes pelo Gabinete de Intervenção investigada pela PF

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Dois coronéis da reserva trabalharam ativamente para direcionar, em nome da empresa americana CTU Security LLC, a compra de 9.360 coletes balísticos pelo Gabinete de Intervenção Federal (GIF) em 2018. Segundo um relatório da Polícia Federal, o oficial da reserva da Aeronáutica Glaucio Octaviano Guerra — que assinou documentos que fazem parte da aquisição como “consultor” da CTU — foi o principal operador da fraude. Já o coronel da reserva do Exército Diógenes Dantas Filho, que compareceu a sessões públicas do processo de compra em nome da empresa, atuava como lobista junto aos militares do GIF e trabalhou, segundo a PF, para enquadrar as especificações do colete de acordo com aqueles fornecidos pela empresa.

Ficha de presença de sessão pública — Foto: Reprodução
Ficha de presença de sessão pública — Foto: Reprodução

A investigação que culminou na Operação Perfídia — que cumpriu 16 mandados de busca e apreensão nesta terça-feira — apontou que houve um sobrepreço de R$ 4,6 milhões na compra dos coletes pelo GIF. O acordo acabou cancelado por suspeitas de irregularidades, e todo o valor pego pelo governo foi estornado.

A investigação teve início a partir da apreensão do celular do coronel Glaucio Guerra, em agosto de 2022, pela Agência de Investigações de Segurança Interna americana (HSI, na sigla em inglês). O oficial — que mora nos Estados Unidos desde 2013 — era suspeito de ligação com a CTU, apontada pelas autoridades americanas como responsável por fornecer logística militar para o homicídio do presidente do Haiti Jovenel Moise, em julho de 2021. As mensagens extraídas do aparelho foram compartilhadas com a Polícia Federal.

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A análise dos diálogos revelou como a fraude foi orquestrada. Segundo a investigação, Glaucio era o responsável “por todo o estudo financeiro, confecção dos contratos, documentos e prospecção de empresas estrangeiras para fornecimento de materiais diversos, além de captar, supostamente, investidores para financiar os custos de produção”. Segundo os investigadores, uma das conversas comprova que o militar sabia previamente do resultado da concorrência. Em 13 de dezembro de 2018, Glaucio informou ao lobista Fernando Antônio Falcão Soares, o Fernando Baiano — condenado no âmbito da Operação Lava Jato e apontado pela PF como um dos investidores da operação que culminou na fraude — que eles haviam ganhado a licitação. O resultado da concorrência só seria tornado público duas semanas depois.

Rasgadinho — Foto: Reprodução
Rasgadinho — Foto: Reprodução

O coronel Glaucio também menciona pagamentos a outros militares para garantir a concretização da compra. Numa conversa com seu irmão mais novo, o ex-auditor fiscal Glauco Octaviano Guerra, em julho de 2019, Glaucio discutiu estratégias para reverter a suspensão do processo de aquisição dos coletes. Na época, o GIF havia suspendido a compra por suspeita de falsificação de um documento pela CTU. Na conversa, Glaucio pergunta ao irmão “se o General Paulo Assis foi quem denunciou eles”. O ex-auditor fiscal confirma e diz que “agora ele quer tomar um dinheiro nosso”. Segundo a investigação, a dupla se referia ao general da reserva Paulo Roberto Corrêa Assis, que trabalharia para a empresa Glágio do Brasil Proteção Balística, concorrente da CTU no processo.

Segundo a PF, Assis teria solicitado R$ 300 mil para os irmãos — R$ 50 de entrada, que foram pagos através de empresas de consultoria, e R$ 250 mil pelo êxito da operação. Já Glauco Guerra, que havia sido demitido da Receita Federal por suspeitas de enriquecimento ilícito, foi preso em 2020 sob a acusação de obter vantagens na compra emergencial de respiradores para pacientes de Covid-19.

O coronel da reserva do Exército, Diógenes Dantas Filho, que atuava como representante da empresa CTU no Brasil, também é mencionado nos diálogos. Glaucio afirmou a um interlocutor, ainda em 2018, que Dantas Filho era “o nosso consultor de segurança vendendo a ideia para entrar com nosso colete”. Segundo a PF, a conversa “indica uma possível interferência do coronel Diógenes junto ao GIF para enquadrar as especificações do colete de acordo com a dos fornecido pela CTU”.

Já em outro diálogo, Glaucio encaminhou um áudio de seu irmão contando que Diógenes “teria usado sua influência para convencer os generais Paulo Roberto e Laélio” sobre a compra. Segundo a PF, ele se referia “possivelmente” aos generais Paulo Roberto de Oliveira, então secretário da Intervenção Federal, e Laélio Soares de Andrade, então secretário de Administração do GIF. Após a CTU ser anunciada como vencedora da concorrência, em janeiro de 2019, Glaucio enviou para o irmão um contrato entre a empresa e o coronel Dantas Filho no valor de R$ 368.490,83 — exatamente 1% do valor da compra dos coletes.

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Todos os militares citados são investigados pela PF pelos crimes de contratação indevida, dispensa ilegal de licitação, corrupção e organização criminosa. O GLOBO não conseguiu contato com suas defesas.

Agente da PF com material apreendido durante a operação Perfídia — Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Agente da PF com material apreendido durante a operação Perfídia — Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

Operação da Polícia Federal

A investigação da Polícia Federal tem como objetivo apurar os crimes de patrocínio de contratação indevida, dispensa ilegal de licitação, corrupção ativa e passiva e organização criminosa supostamente praticadas por servidores públicos federais quando ocorreu a contratação da empresa americana CTU Security LLC pelo governo brasileiro. O contrato foi para a aquisição, em 2018, de 9.360 coletes balísticos com sobrepreço pelo Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro.

Naquele ano, um decreto do então presidente Michel Temer colocou a segurança pública do Rio a cargo das Forças Armadas. O general Braga Netto, do Comando Militar do Leste (CML), foi nomeado interventor.

O general teve o sigilo de seu telefone quebrado no âmbito da operação que investiga a compra de coletes à prova de balas, realizada com sobrepreço pelo Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro, em 2018.

Sobrepreço de mais de R$ 4 milhões

A investigação começou com a cooperação internacional de Agência de Investigações de Segurança Interna (Homeland Security Investigations – HSI) na qual informa que a empresa americana CTU Security e o Governo celebraram contrato, através do Gabinete de Intervenção Federal do Rio de Janeiro, com suposto sobrepreço em coletes balísticos.

Jovenel Moïse, presidente assassinado do Haiti em 2021 — Foto: Timothy A. Clary em 27/9/2018 / AFP
Jovenel Moïse, presidente assassinado do Haiti em 2021 — Foto: Timothy A. Clary em 27/9/2018 / AFP

As autoridades americanas levantaram a suspeita de fraude no curso da investigação americana sobre assassinato do presidente haitiano Jovenel Moïse em julho de 2021. A empresa CTU Security LLC foi responsável pelo fornecimento de logística militar para executar a derrubar Moïse e substituí-lo por Christian Sanon, um cidadão americano-haitiano.

Segundo o g1, a Agência de Investigações de Segurança Interna analisou conexões e contratos da CTU e encontrou o do fornecimento de coletes para o Gabinete de Intervenção. Em 9 de fevereiro do ano passado, a Embaixada dos Estados Unidos encaminhou um e-mail à Polícia Federal, em Brasília, avisando do sobrepreço.

Após a comunicação das autoridades americanas, o TCU encaminhou dois ofícios e dois processos referentes à tomada de contas das compras das contratações de coletes balísticos pelo Gabinete de Intervenção Federal do Rio de Janeiro (Girf). Foram apontados indícios de conluio entre as empresas e de estas terem conhecimento prévio da intenção de compra dos coletes pelo Girf e estimou um valor total global do potencial sobrepreço de R$ 4.640.159,40.

A empresa CTU Security LLC celebrou o contrato nº 79/2018 com o Girf, após a dispensa de licitação 27/2018, no dia 31 de dezembro de 2018 (último dia de intervenção), no valor de US$ 9.451.605,60 (R$ 40.169.320,80 pelo câmbio à época), tendo recebido integramente o pagamento do contrato no dia 23 de janeiro de 2019. Após a suspensão do contrato pelo Tribunal de Contas da União, o valor foi estornado no dia 24 de setembro de 2019. O TCU fez uma investigação administrativa. A operação desta terça da PF é dentro de uma investigação no âmbito criminal.

Além desta contratação, a Operação Perfídia investiga o conluio de duas empresas brasileiras que atuam no comércio proteção balísticas e formam um cartel deste mercado no Brasil. Tais empresas possuem milhões em contratos públicos.

Braga Netto afirma que intervenção seguiu trâmites legais

O general Walter Souza Braga Netto afirmou em nota à imprensa nesta terça-feira que o próprio Gabinete de Intervenção (GIF) suspendeu o contrato com a CTU Security, para a compra de 9.360 coletes balísticos, após avaliar que havia supostas irregularidades nos documentos fornecidos pela empresa americana.

Ainda segundo o general, os contratos do GIF seguiram todos os trâmites legais previstos na lei brasileira. Especificamente sobre os coletes, ele afirmou que o equipamento não foi adquirido ou tampouco entregue. “Não houve, portanto, qualquer repasse de recursos à empresa ou irregularidade por parte da Administração Pública”, afirmou.

Leia a íntegra da nota

“Diante de matérias veiculadas hoje (12) pela imprensa, é importante reiterar que os contratos do Gabinete de Intervenção Federal (GIF) seguiram absolutamente todos os trámites legais previstos na lei brasileira.

Com relação a compra de coletes balisticos da empresa americana CTU Security, é preciso destacar que a suspensão do contrato foi realizada pelo próprio GIF, após avaliação de supostas irregularidades nos documentos fornecidos pela empresa.

Isto posto, os coletes não foram adquiridos ou tampouco entregues. Não houve, portanto, qualquer repasse de recursos à empresa ou irregularidade por parte da Administração Pública. O empenho foi cancelado e o valor total mais a variação cambial foram devolvidos aos cofres do Tesouro Nacional. Todo o processo vem sendo acompanhado pela Secretaria de Controle Interno (CISET) da Casa Civil, pela Controladoria Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU). No que se refere à dispensa de licitação, a decisão teve por base o Acordão 1358/2018 do TCU, que estabelece que é possível a realização de contratações diretas durante intervenção federal. Desde que o processo de dispensa de contratação esteja restrito à área temática, assim entendidos os bens e serviços essenciais à operação.

É importante também lembrar que durante a intervenção foram empenhados R$ 1,17 bilhão, sendo que deste total, cerca de 81% foram destinados à aquisição de equipamentos e material permanente e 19% à compra de material de consumo.

O legado tangível e intangível da Intervenção Federal recuperou a capacidade operativa, logística e moral dos órgãos de segurança pública. Durante 10 meses de operação (de fevereiro a dezembro de 2018), diversos índices de criminalidade foram reduzidos, incluindo os crimes contra a vida, como latrocínio (-27%); e crimes contra o patrimônio, como o roubo de carga (-13%).

Em abril de 2023, foi realizada, a entrega do helicóptero Leonardo AW169 ao Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ), adquirido em janeiro de 2019, durante a intervenção.

O GIF equipou os órgãos de segurança pública com a entrega de armamentos, munições, coletes, viaturas, equipamentos para perícia criminal, câmeras de monitoramento, drones, entre outros itens”.

Decreto da intervenção assinado em 2018

O decreto da intervenção federal na segurança do Rio foi assinado pelo presidente Michel Temer no dia 16 de fevereiro de 2018. A medida teve efeito imediato. O governador na época era Luiz Fernando Pezão. O interventor escolhido foi o general Walter Souza Braga Netto, do Comando Militar do Leste do Exército, sediado no Rio de Janeiro.

Braga Netto anunciou oficialmente o general Richard Nunes como o titular da pasta. Já chefe de gabinete da intervenção foi o general Mauro Sinott. Ao assumirem o controle da segurança, os militares podiam atuar no patrulhamento das ruas e fazer prisões, sempre dentro dos mesmos limites legais que regem a atuação policial.

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