CIDADES
Jovens são 50% das pessoas vivendo com HIV em MG
Quando a assistente social Heliana Moura descobriu a infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), ela tinha 26 anos de idade. Foi após um término de namoro que a notícia chegou: o ex-companheiro era soropositivo, e o sexo sem camisinha é uma das formas de transmissão. Heliana se assustou ao perceber que, mesmo mulher, saudável e em um relacionamento hétero e estável, havia se infectado. “Ainda temos pouca informação sobre o HIV. Eu acreditava em grupos de risco, o que hoje sei que não existem. Todos somos vulneráveis da mesma forma quando transamos sem proteção”, diz.
A descoberta da infecção na faixa dos 20 anos, como aconteceu com Heliana, é a mais comum dentro da população de pessoas que vivem com HIV (o vírus) e Aids (a doença). Segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), de 1º de janeiro de 2021 a 16 de novembro de 2023, 6.529 pessoas de 20 a 34 anos receberam diagnóstico de HIV/Aids no Estado. O grupo representa 50% do total – foram 12,9 mil notificações nos últimos três anos. Esta sexta-feira (1º de dezembro) é o Dia Mundial de Luta Contra a Aids, e a conscientização e prevenção na juventude é um dos gargalos que continuam a marcar a história da doença.
Segundo o infectologista Unaí Tupinambás, os jovens-adultos estão mais propícios a se infectar pelo vírus HIV como por qualquer outra doença sexualmente transmissível (IST). Ele avalia que, a falta de campanhas de conscientização tem postergado o problema. “Essa estatística se reflete em todo o país, com presença de casos também entre adolescentes na faixa dos 15 a 17 anos. É uma fase de vida sexual ativa e onde ainda falta educação sexual. Passamos por um período de desfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e isso tem consequência. O Programa Saúde na Escola, que levava informação sobre HIV e Aids, foi proibido de tratar sobre educação sexual. Na mídia, as campanhas de conscientização desapareceram”, afirma.
Como uma pessoa que vive com o vírus HIV, Heliana, hoje com 54 anos, se recusa a julgar a irresponsabilidade dos jovens como motivo para serem a maioria dos infectados. “Não aceito que os responsabilize por isso. Nós estamos proibidos de falar sobre o tema nas escolas, como eles vão se informar?”, questiona ela que tornou a própria história motivo de luta pelo Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas.
Aos 28 anos, Heliana foi o contrário de irresponsável e tomou todas as medidas possíveis para evitar que seu filho, Matheus, se infectasse durante o parto. O tratamento exemplar teve sucesso, e o menino cresceu aprendendo com a mãe sobre os cuidados de evitar as ISTs. “Desde o início, meu filho teve o teste negativo. O mais difícil foi não amamentar, porque existe um apelo de que mãe é quem amamenta. Mas, para quem vive com HIV, não amamentar é poupar o filho, é um gesto de amor”, conta.
Casos de HIV e Aids podem estar reprimidos pela pandemia da Covid-19
De 2021 para 2022, Minas Gerais registrou um aumento de 3% no número de diagnósticos de HIV/Aids – que cresceu de 4.628 casos para 4.751. No último ano, no entanto, o número de exames positivos em jovens-adultos de 20 a 34 anos diminuiu em 90 casos, o que o infectologista Tupinambás acredita estar subnotificado. “A pandemia teve influência nesse sentido. As pessoas deixaram de ir a unidades de saúde, deixaram de fazer o teste. Há a previsão, inclusive, de assistirmos a um aumento nos registros no próximo ano, após esse retorno às atividades sociais. Não dá para comemorar essa queda como se fosse uma tendência”, alerta.
Além disso, o infectologista chama atenção para outros gargalos do próprio funcionamento da atenção à saúde que acabam afastando os jovens, principalmente de áreas vulneráveis ou periféricas, de serem assistidos e diagnosticados. “É preciso combater os determinantes sociais da doença, as dificuldades de acesso ao SUS. O horário de funcionamento das Upas funciona? A equipe de saúde está preparada para atender a população LGBT? Os jovens que moram em periferias, estão sendo atendidos?”, provoca.
Unaí Tupinambás defende que existem mecanismos capazes de acabar com os novos casos de infecção por HIV e da doença da Aids, principalmente pelas tantas formas de prevenção, tratamento e medicamentos disponíveis no SUS (veja abaixo), mas é um trabalho que precisa de atenção e investimento dos governos.
Novos diagnosticados têm uma perspectiva diferente de quem viveu os anos 1980
A última coisa que o Francisco Adalton Aleixo, de 71 anos, quer é ver o futuro repetir o passado. No final do ano de 1982, ele recebeu o diagnóstico positivo para HIV. Depois de mais de 40 anos vivendo como o vírus, sua felicidade é saber que os mais jovens têm formas eficazes de tratamento para viverem melhor. “Eu peguei o início, quando pouco se falava, pouco se sabia. Na época, receber o diagnóstico de HIV era como um atestado de óbito. Eu cheguei a procurar por jazigos”, diz.
Sem deixar de tomar a medicação um dia sequer e com várias consultas de acompanhamento durante o ano – desde nefrologia até endocrinologia —, Francisco bateu sua meta de longevidade. Agora, ele compartilha sua sabedoria em ações de prevenção ao HIV/Aids e no acolhimento de novos diagnosticados. “A vida com HIV não é fácil, mas você consegue viver. Quando vejo um jovem que acabou de receber o resultado positivo, vejo nele o mesmo que senti há décadas atrás. O vírus é uma IST como qualquer outra, as pessoas se contaminam. Às vezes, só vão saber que carregam o vírus anos depois. Por isso a importância de conscientizar e reforçar os cuidados com a nova geração”, diz.
Em BH, dia de prevenção terá luau
Para marcar a o Dia Mundial da Luta contra a Aids com ações de conscientização do tema, o Centro de Luta Pela Livre Orientação Sexual e Identidade de Gênero de Minas Gerais (Cellos MG) organizou um “Luau de Prevenção” no Parque Municipal Américo Renné Giannetti, no Centro da capital, a partir das 19h. Longe de ser um evento tradicional, o luau busca atrair os jovens com uma programação marcada por atrações musicais.
Em Minas Gerais, 50% dos diagnosticados com HIV/Aids de 1º de janeiro de 2021 a 16 de novembro de 2023 estão na faixa etária de 20 a 34 anos – são 6,5 mil pessoas de um total de 12,9 mil. “Nós precisamos discutir sobre prevenção, tratamento e cuidado com as pessoas da cidade, com os nossos jovens. Esse volume maior de casos de sorologia em jovens vem também do avanço das políticas públicas. Quanto mais se testa, maior a possibilidade de se identificar pessoas infectadas”, explica Maicon Chaves, presidente do Cellos MG.
O evento terá apresentações variadas, sets de DJ e intervenções artísticas, intercaladas com falas de conscientização sobre HIV e Aids de profissionais de saúde, movimentos sociais e representantes de instituições convidadas. O objetivo é desvincular o HIV de uma imagem de adoecimento e morte. “É um luau onde mostramos que as pessoas que vivem com HIV também podem e devem ter qualidade de vida. O nosso movimento quer discutir saúde integral e outros paradigmas dentro da área da saúde”, continua Maicon Chaves.
Após as apresentações, será realizada entrega de material informativo, preservativos e lubrificantes na região Central de Belo Horizonte.
Mais sobre o diagnóstico e o tratamento
Em Minas Gerais, o diagnóstico pode ser realizado através da sorologia anti-HIV e testes rápidos. Os testes rápidos são realizados através da coleta de uma gota de sangue ou com fluido oral. O resultado fica disponível em no máximo 30 minutos. É indicado que os testes sejam realizados com regularidade e sempre que acontecer o sexo desprotegido.
Os testes podem ser realizados em todas as unidades básicas de saúde, nos serviços ambulatoriais conveniados ao SUS ou nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA/SAE). Em caso de um resultado positivo, as pessoas podem buscar o tratamento pelo SUS.
Como a PrEP funciona?
A PrEP é a combinação de dois medicamentos (tenofovir + entricitabina) que bloqueiam alguns “caminhos” que o HIV usa para infectar o organismo. Se você tomar PrEP diariamente, a medicação pode impedir que o HIV se estabeleça e se espalhe em seu corpo.
Mas ATENÇÃO: a PrEP só tem efeito se você tomar o medicamento todos os dias. Caso contrário, pode não haver concentração suficiente das substâncias ativas em sua corrente sanguínea para bloquear o vírus.
Em quanto tempo a PrEP começa a fazer efeito?
Após usar o medicamento 7 dias para relação anal e 20 dias de uso para relação vaginal.
IMPORTANTE: a PrEP não protege de outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (tais como sífilis, clamídia e gonorreia) e, portanto, deve ser combinada com outras estratégias de prevenção, como a camisinha.
Quem pode usar a PrEP?
A PrEP é indicada para qualquer pessoa em situação de vulnerabilidade para o HIV.
- Frequentemente deixa de usar camisinha em suas relações sexuais (anais ou vaginais);
- Faz uso repetido de PEP (Profilaxia Pós-Exposição ao HIV);
- Apresenta histórico de episódios de Infecções Sexualmente Transmissíveis;
- Contextos de relações sexuais em troca de dinheiro, objetos de valor, drogas, moradia, etc.
- Chemsex: prática sexual sob a influência de drogas psicoativas (metanfetaminas, Gama-hidroxibutirato (GHB), MDMA, cocaína, poppers) com a finalidade de melhorar e facilitar as experiências sexuais.
- Como posso começar a usar a PrEP?
Procure um profissional de saúde e informe-se para saber se você tem indicação para PrEP. Na PrEP, você deve tomar o medicamento todos os dias, fazer exames regulares e buscar sua medicação gratuitamente a cada três meses.
Fonte: Governo Federal