GERAL
Pacientes de câncer causado pelo HPV sofrem com atraso no atendimento
Uma publicação da Fundação do Câncer chamada “O Impacto do HPV em Diferentes Tipos de Câncer no Brasil” mostra que a maioria das pessoas que chegam ao hospital com o diagnóstico é tratada após mais de 60 dias.
Esse tempo vai em sentido oposto ao da lei 12.732/12, que garante o início do tratamento dentro desse prazo depois da constatação da doença. Segundo os pesquisadores, a demora indica falha no fluxo da rede de atendimento.
O estudo analisou cinco tipos de câncer: orofaringe, ânus e canal anal, vagina, vulva e pênis.
Segundo a pesquisa, a maioria dos pacientes chega às unidades de saúde em estágios avançados da doença – cerca de 6.000 casos de câncer relacionados ao HPV (Papilomavírus Humano) poderiam ser evitados, a cada ano, por meio da prevenção primária. Além disso, são estimados por ano 17 mil casos de câncer do colo do útero, o tipo mais frequente associado ao HPV.
Para a consultora médica da Fundação do Câncer, Flávia Miranda, existem vários fatores que levam à ocorrência de casos com estágios avançados da doença. Segundo a médica, são tipos de cânceres com lugares um pouco mais sensíveis em termos de busca de atendimento médico. “Talvez este seja o primeiro motivo — a pessoa pode notar algum sinal de alerta e não valorizar ou ficar constrangida de buscar um atendimento”, disse Flávia.
Outro motivo é a demora na confirmação dos casos após o período de 60 dias entre o diagnóstico e o início do tratamento. “Este é um gargalo que existe na rede de assistência. Sabemos que biópsias e histopatológicos para confirmação diagnóstica são o maior entrave”, afirmou a consultora, atestando que, quanto mais demorado for o diagnóstico, maior a probabilidade de chegar ao tratamento com a doença em estágio avançado.
No aspecto econômico, a pesquisa mostra que a prevenção do surgimento desse tipo de câncer poderia reduzir bastante os gastos com saúde no Brasil. Para o diretor-executivo da Fundação do Câncer, Luiz Augusto Maltoni Júnior, a prevenção também favoreceria a aplicação de recursos em outros tratamentos.
“Além de evitar 4.500 mortes por ano, o que equivale a um expressivo número de 75% de mortalidade, a prevenção reduziria os gastos com diagnóstico, tratamento e internações, inclusive abrindo espaço para pacientes com outros tipos de câncer no sistema de saúde”, disse.
“O câncer é uma doença que tem um dos maiores impactos na saúde porque os tratamentos são caros, envolvem cirurgia, quimioterapia, hoje em dia imunoterapia. Todo esse mercado em oncologia cresce a cada ano. Realmente, o câncer é uma doença que tem custo muito preponderante quando a gente analisa gastos em saúde”, completou a médica.
Perfil
Flávia Miranda destacou que a maioria dos pacientes com algum desses cânceres, considerando homens e mulheres, tem mais de 50 anos (78%), baixa escolaridade (64%) e é negra (56% eles e 53% elas).
“É o que a gente vê em todas as doenças, não só no câncer, que tem maior prevalência em pessoas mais velhas e infelizmente em populações mais vulneráveis, com baixa condição socioeconômica e baixa escolaridade. A questão de raça e de cor aqui no país é preponderante. São pessoas que têm mais dificuldade de acesso aos serviços de saúde”, acrescentou.
Estágios e estadiamento
Em todas as regiões do Brasil, mais de 80% dos pacientes, tanto homens (88%) quanto mulheres (84%) com câncer de orofaringe, tumor que se desenvolve em parte da garganta, são diagnosticados em estágios avançados da doença. Segundo o estudo, 65% dos homens começam o tratamento em até 60 dias, quando encaminhados sem diagnóstico prévio. Nas regiões Nordeste (44%) e Sudeste (36%), observam-se os maiores tempos de espera entre a constatação da doença e o tratamento.
A situação muda quando as pessoas são encaminhadas com algum diagnóstico. Nesse grupo, apenas 39% têm o tratamento iniciado em até 60 dias. Entre as mulheres, as que chegam com o diagnóstico da doença têm um tempo maior de espera (62%). Nas regiões Centro-Oeste (70%), Sudeste (65%) e Norte (64%), o tempo de espera delas é maior que o tempo médio do país.
Comportamentos
Nos cânceres de ânus e canal anal, o estadiamento atinge um percentual significativo de pacientes, que vão à unidade de saúde em estágios avançados da doença. Nos homens, chega a 55% e nas mulheres, a 54%. Entre os pacientes sem diagnóstico prévio que vão às unidades de saúde, 66% começam o tratamento em até 60 dias, mas nos encaminhados com o diagnóstico em mãos somente 40% inicia o tratamento dentro deste prazo.
Nas mulheres sem o diagnóstico, 64% conseguem começar o tratamento em até 60 dias. O percentual cai muito entre as que chegam com o diagnóstico em mãos (37%) e conseguem começar o tratamento dentro do mesmo período.
Outro que registra percentual elevado (43%) nos casos diagnosticados em estágios avançados é o câncer de pênis, especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste, onde estão os maiores índices de câncer em estadiamento avançado (55%). O menor é no Sudeste (34%). A diferença do tempo que ocorre do diagnóstico ao tratamento é bastante grande entre os homens sem diagnóstico prévio, iniciando o tratamento em até 60 dias (82%), e aqueles com diagnóstico que começam tratamento no mesmo período (37%).
Já entre os casos de câncer de vulva mais da metade (50%) chegam em fase inicial da doença. O maior percentual (60%) de mulheres com neoplasia que chegam com estadiamento inicial da doença é da região Sudeste.
O tempo de espera entre o diagnóstico e o tratamento, a pesquisa observou maior período de espera para tratamento das mulheres que chegam ao hospital já com o diagnóstico em mãos, se comparado às que chegam sem o diagnóstico. Somente 26% são atendidas em até 60 dias, em todo o país. O menor percentual brasileiro (16%) de mulheres que chegam ao hospital com diagnóstico e iniciam o tratamento em até 60 dias foi notado na região Norte.
O maior percentual de mulheres com câncer de vagina que chegam às unidades de saúde em estágios iniciais da doença é da região Centro-Oeste (63%). Entre as que vão às unidades de saúde sem o diagnóstico e sem tratamento, 64% recebem o atendimento em até 60 dias após o diagnóstico.
A região Sudeste tem o maior percentual de mulheres que tiveram tratamento após 60 dias do diagnóstico (42%). O estudo revelou ainda que é alto (66%) o percentual de mulheres com a doença que chegam com diagnóstico na unidade hospitalar e recebem o tratamento após 60 dias.
Na avaliação dos pesquisadores, o estudo pode ajudar na formulação de políticas públicas específicas. Além de detecção precoce, a pesquisa aponta a necessidade de acesso rápido e igualitário aos cuidados de saúde. É preciso levar em consideração também as disparidades regionais, porque, com essas informações, será possível desenvolver intervenções direcionadas e garantir melhores resultados para todos os pacientes.
Vacinação
Como medida preventiva, Flávia Miranda ressaltou a importância da vacina no contexto dos cânceres relacionados ao HPV, mas disse que a questão ainda enfrenta resistência, apesar da comprovação da eficácia do imunizante, e que é preciso modificar esse cenário.
“É informação, comunicação e educação. Basicamente isso. As vacinas estão disponíveis para meninas e meninos de 9 a 14 anos em todas as unidades de saúde. Também podem ser vacinadas as pessoas imunossuprimidas, as que vivem com HIV/aids, transplantados e pacientes oncológicos até os 45 anos, mas existe muita polêmica porque ligam a vacina do HPV a uma infecção sexualmente transmissível, em vez de ligar à prevenção de câncer”, afirmou a médica.
A polêmica estende-se ainda a críticos da vacina por entenderem que esta vai promover o início de atividade sexual mais precoce. Está comprovado que isso não acontece, acrescentou a consultora da Fundação Câncer. “Pelo contrário, as crianças e os adolescentes que são vacinados contra o HPV iniciam mais tarde a atividade sexual e, quando iniciam, protegem-se e fazem a anticoncepção. Quer dizer, tudo demonstra que quem se vacina já tem um olhar de cuidado com a saúde. É fake news [a associação da vacina à iniciação social precoce]”.
A médica acrescentou que na prevenção ao HPV é necessário também ir além do câncer do colo do útero.