ECONOMIA
Com El Niño, alimentos vão pressionar inflação em 2024; saiba quais
Economistas anteveem aumento nos preços dos alimentos em 2024 sob consequência do fenômeno climático El Niño. A alta nos preços dos alimentos afeta, principalmente, a inflação dos mais pobres, revertendo em parte os ganhos de 2023.
Isso porque o reajuste nos valores da alimentação em domicílio atinge mais o orçamento das famílias de renda menor. Estima-se que essa seção comprometa 20% do orçamento familiar.
A inflação no Brasil arrefeceu no ano passado. De janeiro a novembro, a inflação acumulada foi de 4,04%. O resultado fechado do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do ano de 2023 será divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no próximo 11 de janeiro.
Hortaliças, legumes e frutas mais caros
Apesar do impactado projetado, há uma incerteza em torno do El Niño, relacionada à distribuição e ao volume de chuvas e suas consequências sobre as safras.
No ano passado, mesmo com o fenômeno em curso, a safra agrícola brasileira foi recordista. No fim de 2023, sem comprometer as safras, as chuvas ficaram desequilibradas entre as regiões Norte e Sul do Brasil. A primeira ficou seca, e a segunda, alagada, fato incomum para o período.
“Isso influenciou algumas lavouras curtas, ainda dentro do ano passado. Esses alimentos in natura, produtos de feira livre, foram comprometidos com essas operações climáticas”, explica o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Esses produtos englobam hortaliças, legumes e frutas, que normalmente sobem de preço no verão (entre outubro de um ano e março do ano seguinte), mas que vieram com intensidade maior. “É normal vê-los mais caros, mas, em função do rigor do El Niño, eles subiram mais de preço”.
A Organização Meteorológica Mundial aponta que o fenômeno El Niño deve durar pelo menos até abril de 2024.
Os produtos in natura devem se manter em patamares mais altos no início deste ano. “Esses produtos são sazonais, mas, no primeiro trimestre de todo ano de El Niño, a gente prevê que tem alta de mais de 8% desses alimentos”, conta Andréa Angelo, estrategista de inflação da Warren Investimentos.
“O que a gente prevê é que esse primeiro trimestre (de janeiro a março) vai ser mais alto na parte de alimentação do IPCA, refletindo o El Niño.”
A Warren não estima, contudo, efeito de El Niño no IPCA na mesma magnitude de 2015/2016, a última vez em que o fenômeno foi tão intenso. A corretora projeta que a inflação brasileira fique em 4,2% neste ano de 2024.
O El Niño é um padrão climático natural, que tem ligação com o aquecimento da superfície da água no Oceano Pacífico tropical central e oriental. E ocorre em intervalos de dois a sete anos, em média, podendo durar de nove a 12 meses. O problema é que as atividades humanas têm alterado a força do evento.
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Carnes também podem ficar mais caras
O fenômeno climático também pode impactar lavouras de ciclos longos, como milho e soja, principalmente — dos quais o Brasil é o maior produtor mundial e grande exportador.
“Como o El Niño é um fenômeno de extremos — ou muita seca ou muita chuva —, isso coloca um risco muito grande nessas lavouras de ciclos longos, que são importantes para garantir estabilidade de preço dos produtos derivados”, analisa André Braz, da FGV.
No mercado interno, a soja e o milho são consumidos, como ração, por suínos, aves e até bovinos. Por isso, se esses grãos ficam mais caros, a carne desses animais também sobe de preço. “Então, você tem um espalhamento da inflação.”
O economista da FGV frisa que o fenômeno deixará cicatrizes na produção agrícola, que vão se refletir em oferta menor de grãos ao longo do ano, complicando o calendário agrícola e gerando possíveis frustrações em algumas safras.
“A gente sabe que o El Niño não vai passar sem deixar sua marca. Então, provavelmente alimentação, neste ano, nos índices de inflação, vai registrar aumento frente ao ano passado. A gente espera que alimentação seja uma importante protagonista da inflação de 2024”.
Braz projeta que a alimentação no domicílio terá alta em torno de 4% neste ano, um pouco abaixo ou acima a depender do rigor do El Niño. Em 2023, houve uma queda baixa nesse grupo, que não chegou a 1%.
Ele ainda frisa que o aumento nos preços dos alimentos não é recente. De 2020 a 2023, os alimentos subiram o dobro da inflação acumulada no período. “Mesmo 2023 sendo um ano favorável, isso não tornou, definitivamente, os alimentos mais baratos, porque eles tinham subido muito de preço nos anos de 2020 a 2022”, esclarece.
Outro fator que impacta o setor é o comportamento cíclico da produção agrícola, influenciado pelas variações sazonais e trocas de cultura.
Em 2023, com uma safra recorde, os preços agrícolas cederam. “Esse efeito, provavelmente, não vai para 2024. Já há expectativa grande de que o comportamento do agronegócio não terá o impacto de 2023, mesmo porque existe um comportamento cíclico na produção agrícola”, explica o economista Frederico Gonzaga Jayme, professor titular e diretor do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Inflação “comportada” dentro da meta
Apesar da pressão da alimentação no domicílio, o IPCA deverá ficar dentro do intervalo de tolerância da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para 2024. O centro da meta foi fixado em 3% para este ano, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo desse valor. Ou seja, na prática, o limite inferior é 1,5%, e o superior, 4,5%.
Segundo o primeiro Relatório Focus do ano, documento do Banco Central (BC) com consulta a cerca de 150 analistas do mercado financeiro, o índice que mede a inflação oficial do país deve terminar este ano abaixo dos 4%, em 3,90%.
Para o professor da UFMG, a previsão é de uma inflação “comportada” neste ano. “A inflação este ano (de 2024) vai ficar bem comportada”, prossegue Jayme. “Ultrapassado o choque de 2021, a situação melhora no mundo inteiro. A inflação cede em geral”, destaca.
Passagens aéreas
Ao comentar na semana passada a prévia da inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que esse foi o item mais preocupante do ano.
A elevação do IPCA-15 de dezembro, para 0,40%, ficou muito acima da projeção do mercado, que era de 0,25%. De acordo com o IBGE, o avanço foi, em grande parte, influenciado pelo grupo de “transportes”. Esse segmento foi puxado pelas passagens aéreas, que subiram 9,02% e tiveram o maior peso individual no mês. Em 2023, esse subitem acumulou alta de 48,11%.
Em resposta aos altos preços, em meados de dezembro, o Ministério de Portos e Aeroportos anunciou a primeira etapa do Plano de Universalização do Transporte Aéreo. As medidas, elaboradas em conjunto pelo governo e pelas companhias do setor, preveem a oferta de uma cota de viagens com valores mais acessíveis.
Limites de preços serão aplicados por trecho de rotas e dependem da antecipação da compra do bilhete. Essa antecedência será de, no mínimo, 14 dias. E o valor não será definido pelo governo, mas pelas empresas do segmento.
Além disso, haverá benefícios como a marcação de assentos e remarcação de bilhetes, além do despacho gratuito da bagagem em 2024 para quem comprar o bilhete em cima da hora.
Veja aqui as principais medidas anunciadas por cada empresa.
O economista André Braz lembra que o setor aéreo foi muito castigado durante a pandemia, entre 2020 até o primeiro semestre de 2022, com restrições de voos e volume baixo de passageiros.
“Só que a retomada foi muito rápida. Você não tem o mesmo aparato de antes da pandemia, você demitiu pessoas, você diminuiu a oferta de voos, você diminuiu o número de aeronaves. E, em uma retomada rápida, você tem choque de oferta, você não tem assentos para oferecer, diante da demanda, e o preço sobe muito”, detalha.
O setor, que é muito pequeno no Brasil (com apenas três grandes companhias: Gol, Latam e Azul), precisa dar conta de um país de dimensões continentais e uma demanda crescente.
“Eu diria que, em 2024, dado o aumento que ele já acumulou em 2023, é provável que o preço estabilize. Eu acho que a passagem (aérea) para este ano não vai ser tão desafio quanto foi para o ano passado, que era um ano de ajuste”, projeta Braz.
A aviação também fica refém do preço do querosene para aviação. De setembro para dezembro, o preço do barril do petróleo caiu mais de 20%, de cerca de US$ 100 para cerca de US$ 78, o que é bom para as companhias aéreas e pode tirar a tensão sobre os preços.