POLÍTICA
Investigação de esquema de corrupção no Piauí atinge Wellington Dias
No fim do ano passado, uma reportagem de VEJA revelou que a conselheira do Tribunal de Contas do Piauí, Rejane Dias, esposa do ministro do Desenvolvimento Social, o petista Wellington Dias, havia sido denunciada por corrupção passiva numa ação que tramita em sigilo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O caso envolve locadoras de carros, contratos superfaturados e pagamento de propina. Segundo o Ministério Público, entre 2015 e 2018, Rejane exercia o cargo de secretária de Educação do Piauí, o marido era o governador do estado e, nesse período, ela teria recebido vantagens financeiras de uma empresa que prestava serviços de transporte para alunos carentes. Essa acusação, por si só, já seria motivo de constrangimento para o ministro encarregado de cuidar do principal programa social do governo e gerir um orçamento de 280 bilhões de reais. VEJA agora teve acesso à íntegra do processo. Os detalhes da investigação que ainda é mantida em segredo são ainda mais constrangedores. Além da esposa, a Polícia Federal colheu evidências de que a filha do ministro, o cunhado do ministro e o próprio ministro estão envolvidos na trama.
Em 979 páginas, a PF e o Ministério Público descrevem o que seria uma parceria criminosa entre o governo do Piauí e as empresas prestadoras de serviço. O enredo é típico. Governantes beneficiam amigos, correligionários e financiadores de campanha com contratos públicos. Os lucros, depois, são repartidos. A parte dos políticos retorna em forma de pagamento de propina ou através de contribuições clandestinas para campanhas eleitorais. No caso do Piauí, os agentes identificaram as duas modalidades de distribuição de dividendos. A montagem do esquema, segundo os investigadores, começou em 2008, quando o governador nomeou o professor Luiz Carlos Magno para ocupar a superintendência institucional da Secretaria de Educação. O cargo tinha entre as atribuições interagir com as prefeituras para estruturar da melhor forma possível o transporte de estudantes das escolas públicas. O professor, então um ativo militante do PT, se revelaria um verdadeiro mestre na nova atividade.
Com a expertise adquirida no governo, em 2009, no fim do mandato de Wellington Dias, Luiz Carlos pediu demissão, abriu mão do salário de 2 500 reais e ingressou como sócio em várias empresas de locação de veículos, usando “laranjas” para ocultar sua participação nos negócios. A vida de empresário começou a dar bons resultados, mas o grande salto ainda estava por vir. Em 2014, Dias exercia o mandato de senador e se preparava para voltar ao governo do Piauí. A esposa dele era deputada estadual (PT) e concorria a uma cadeira no Congresso Nacional. Ambos foram bem-sucedidos. Ambos, não por coincidência, usaram em suas campanhas os serviços de uma das empresas do ex-professor. Ambos, segundo a polícia, lançaram mão de uma mesma artimanha. Na prestação de contas à Justiça Eleitoral, Wellington Dias informou que gastou 115 000 reais em aluguel de veículos para o seu comitê. Rejane gastou um pouco menos, 82 000. Tudo aparentemente normal, acompanhado das respectivas notas fiscais — mas só aparentemente, como se descobriria depois.
Em 2015, Wellington Dias reassumiu o governo do Piauí. A esposa, deputada federal eleita, se licenciou do Congresso para assumir a Secretaria de Educação do estado. Foi nesse período que, segundo a PF, o esquema começou a operar a todo vapor. Na Secretaria de Educação, concorrências manipuladas garantiam o sucesso das empresas do ex-professor, que, nos anos seguintes, faturaram 200 milhões de reais. Os valores dos contratos e a boa vida dos novos ricos chamaram a atenção das autoridades. Uma fiscalização da Controladoria-Geral da União detectou indícios de superfaturamento. A Polícia Federal foi então acionada, começou a investigar e acabou puxando o fio da tramoia que resultou na denúncia de mais de quarenta pessoas por organização criminosa, corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro. Ficou demonstrado que os empresários combinavam preços, contavam com a conivência de funcionários da Secretaria de Educação para fraudar as licitações e partilhavam os lucros. Calcula-se que os desvios totalizaram 120 milhões de reais.
A parte final e mais constrangedora do enredo foi revelada quando a Polícia Federal realizou buscas nos endereços dos envolvidos. Nas empresas do ex-professor, foram apreendidos livros, pen drives e computadores. Os investigados também tiveram os sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático levantados. O cruzamento das informações revelou que a parceria entre os criminosos e a família do governador já era efetiva desde a campanha de 2014. Na época, Wellington Dias usava uma caminhonete Hilux. O carro teria sido alugado, conforme os documentos apresentados na prestação de contas da campanha do governador. Numa das planilhas apreendidas na locadora, porém, o veículo constava como uma “cortesia” da empresa. Ou seja, a campanha não teria desembolsado um mísero centavo pelo aluguel. Na mesma planilha, ainda havia mais três veículos registrados como “cortesia”: um para Rejane Dias, outro para a então candidata a vice-governadora e um terceiro para uma das filhas do casal. Não era uma simples “cortesia”.
Ao analisar os documentos, a polícia concluiu que o dinheiro usado para supostamente pagar a locação dos veículos — ao menos no caso de Rejane Dias — tinha como finalidade “desviar recursos públicos em favor das empresas investigadas e da própria acusada”. As mensagens encontradas nos computadores da locadora revelaram que a então ex-primeira-dama recebeu mimos como perfumes, joias e alguns “empréstimos” em dinheiro. Depois da posse do marido, quando o esquema já operava, ela usava dois carrões de luxo, ambos presenteados pela empresa: uma Trailblazer e um Corolla, que custaram 331 000 reais. A locadora ainda disponibilizou para o cunhado do governador outros dois carros e enviou 100 000 reais para a conta dele — dinheiro que, para a PF, tinha Rejane Dias como a verdadeira destinatária. A conselheira do TCE foi denunciada no fim do ano passado por organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. Convocada a prestar depoimento, disse que as acusações eram infundadas e a investigação completamente ilegal.
O nome do ministro Wellington Dias é citado mais de uma dezena de vezes no relatório da Polícia Federal. Além das “cortesias” e das nomeações suspeitas, os investigadores identificaram uma curiosa coincidência envolvendo o então governador. Pelos dados de geolocalização colhidos nos celulares de um dos criminosos, descobriu-se que ele percorria um mesmo roteiro nas datas de pagamento dos contratos. Ia ao banco, sacava o dinheiro, seguia para a empresa e, de lá, para a sede do governo piauiense. “Há registros do histórico de localização de Paula Rodrigues no Palácio Karnak, sede do governo do estado e onde trabalha Wellington Dias, governador e esposo da deputada e ex-secretária de Educação Rejane Dias”, diz o relatório da PF. Paula Rodrigues era a gerente financeira da quadrilha. O ministro não está entre os investigados. Procurado, ele não quis se pronunciar. Na terça-feira 30, a Transparência Internacional divulgou o ranking sobre a percepção de corrupção em 180 países. O Brasil aparece na vexatória posição de número 104.