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ENTRETENIMENTO

“Sou contra o casamento, principalmente o gay”, diz Cassio Scapin

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Aos 60 anos de idade e quatro décadas de carreira, Cassio Scapin tem pressa. Não no sentido de acelerar a rotina, mas de discernir o que é urgente, porque tem relevância, e o que se pode deixar para lá. O eterno Nino do “Castelo Rá-Tim-Bum” emenda um projeto atrás do outro. Em menos de dois anos interpretou o célebre Odorico Paraguaçu no espetáculo “‘O Bem Amado Musicado” e um engenheiro nova-iorquino que redescobre a vida na peça “Sylvia”. Agora, ele se prepara para levar o físico Albert Einstein para o palco, seu lugar feliz no mundo e onde quer passar o resto de seus dias.

Ativista das causas LGBTQIA+, o ator já participou de diversas edições da Parada LGBT e acha graça quando perguntam quando ele saiu do armário. “Nunca escondi que sou um homem gay, quem não sabe é porque não prestou atenção”, brinca.

Em entrevista ao Terra NÓS, Cassio Scapin opina sobre a pressão midiática atual exercida sobre as pessoas LGBTQIA+, explica por que é contra o casamento e fala sobre vida e carreira. Acompanhe:

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Terra NÓS: O que completar 60 anos de idade significou para você?

Cassio Scapin: Algumas coisas mudaram, como o entendimento de tempo, principalmente em relação à premência das coisas que tenho para fazer. Eu analiso certas coisas e digo: “Não preciso mais pensar nisso”. A perspectiva de vida é diferente. Com 30 anos, você ainda tem o dobro de tempo. Com 40, também. Aos 60, você não dobra mais. Admito que sinto uma certa dificuldade em encarar a rapidez do tempo. Eu busco me cuidar. Muita gente elogia meu corpo, por exemplo, mas eu me exercito e faço balé para me manter funcional, principalmente para dar conta do meu trabalho no teatro.

Você já disse em outras entrevistas que “não saiu do armário porque nunca esteve lá”. Com a maior visibilidade das pautas LGBTQIA+, você acha que aumentou a pressão para as pessoas assumirem sua orientação sexual?

No meu caso, não foi deliberado. Nunca escondi nenhum namorado, nunca deixei de me relacionar, só fui vivendo a minha vida dessa forma. Nunca divulguei, mas não fiz disso uma pauta identitária. Sempre procurei falar mais sobre meu trabalho, evidentemente, para preservar o mínimo de privacidade.

Quanto ao interesse em tirar as pessoas do armário, na minha concepção isso ocorre porque é bom para o mercado. É vendável. Só acho que não podemos fazer as coisas certas pelos motivos errados, por um fetiche da necessidade de exposição.

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“Cassio Scapin é visto com namorado bonitão”. Notícias assim chegam a incomodar?

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Não estou mais namorando, mas ele [o farmacêutico Diego Redondaro] continua sendo amigo e bonitão (risos). E tudo bem! Bom, é uma abordagem que não me agrada tanto. Não tem nada melhor para falar? É o tipo de chamada que coisifica a outra pessoa, uma pessoa que tem nome, profissão, que luta por sua vida, seu sustento e seus interesses.

No início do projeto “Castelo Rá-Tim-Bum” você tinha a expectativa de que a atração se tornasse uma paixão nacional? Quando se deu conta de que tinha tudo dado certo e que havia se tornado famoso?

Gravamos todo o programa antes de ir para o ar, então nenhum de nós sabia o que ia dar. Para mim, o “estalo” aconteceu quando levamos o “Castelo” para o teatro e nos deparávamos com plateias lotadas. Também chegamos a lotar estádios de futebol. Numa dessas apresentações cheias, lembro que num determinado momento, em cena, eu ouvi uma voz dizendo no meu ouvido: “Calma, isso passa”. Ali entendi que, para o bem e para o mal, tudo realmente passa. Tive o pé no chão.

Lembro também que fui capa de uma revista dizendo que Nino, o “garotão trintão”, ganhava uma quantia espantosa por mês. A gente não ganhou dinheiro, só trabalho. Na época se ganhava muito mal e se trabalhava como um animal. A publicação fez um apanhado de tudo o que eu tinha recebido e colocou como se fosse um salário. Pensei: “Então isso é a p***a do sucesso? Uma mentira?”.

Como Nino, no "Castelo Rá-Tim-Bum": "Na época se ganhava muito mal e se trabalhava como um animal"
Como Nino, no “Castelo Rá-Tim-Bum”: “Na época se ganhava muito mal e se trabalhava como um animal”

Foto: Divulgação

O conteúdo das atrações para crianças na TV tem passado por uma evolução marcada por personagens LGBTQIA+ e famílias homoafetivas. Algumas produções foram boicotadas e alvo de críticas justamente por isso. O que você acha desse cenário?

Acho natural que haja mais diversidade e representatividade na TV porque o mundo caminha para isso. É importante que se tenha desde cedo um entendimento mais global do ser humano. Sobre as críticas aos conteúdos infantis diversos, vou falar algo que vai fazer todo mundo me odiar, mais preciso falar (risos). Eu sou contra o casamento, não importa se hetero ou gay. Sou contra a instituição chamada casamento.

Como assim?

Acredito que por trás das críticas a esses programas há uma conceituação errada da família com base no casamento e no conceito tradicional de família. Não há uma preocupação genuína com a infância, como alegam, mas a vontade de manter a estrutura de tradição, família e propriedade, que nada mais é do que um desejo de manter a ordem estabelecida. Só o fim do matrimônio como instituição poderia causar uma desordem econômica e social que levaria a algum lugar, à uma evolução.

Quando eu digo que sou contra o casamento homoafetivo, é porque ele reproduz um padrão que na verdade foi criado justamente para excluir os gays. Como posso defender uma estrutura que me exclui?

Com o crescimento da direita no Brasil, a classe artística, principalmente de pessoas ligadas à esquerda, passou a ser vista como inimiga. Um exemplo são as críticas sem embasamento à Lei Roaunet. O que pensa disso?

Sempre falo isso e as pessoas não gostam: há uma grande diferença entre entretenimento e cultura. Toda cultura é entretenimento, mas nem todo entretenimento é cultura. E é a cultura, de fato, que vem perdendo espaço no Brasil justamente porque faz pensar fora da casinha, diferente da massa. O entretenimento por si só não tem função, é diversão, é para não pensar em nada.

No entanto, vejo o discurso de ódio das redes sociais como um modo de entretenimento muito perigoso e que foi perpetuado por nosso governo anterior [gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro]. A cultura “raiz”, aliás, foi quase extinta na gestão anterior, mas sobrevivemos. O que acontece também é que historicamente todo movimento de expansão, progressista, é alvo de uma força contrária repressora. Infelizmente, percebo que enquanto o discurso progressista é fragmentado, o retrógrado, de extrema direita, é mais unificado. Isso é assustador.

Na pele de Odorico Paraguaçu em musical elogiado: "Quero morrer fazendo teatro"
Na pele de Odorico Paraguaçu em musical elogiado: “Quero morrer fazendo teatro”

Foto: Divulgação

Você atua, canta, dirige, produz, dança balé… O que ainda gostaria de experimentar em termos artísticos?

Comecei a aprender violino há duas semanas. Nunca toquei nenhum instrumento na vida, só campainha e saía correndo porque desafinava (risos). Em outubro estreio o espetáculo “Insignificância” no Teatro FAAP, em São Paulo, e vou interpretar o Albert Einstein. O Einstein tocava violino e meu desejo é fazer o mesmo no palco. Se até lá eu me sentir à vontade para isso, a ideia é incluir uma cena com o instrumento.

Gosto muito de aprender algo novo, fora da expectativa, isso é muito importante para mim. Também quero cantar mais. Fiz um pocktet show com três músicos na Afresp [Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo] no Dia dos Namorados e foi uma experiência muito gratificante. O projeto se chama “I’m not a singer” e a ideia, agora, é partir para um repertório de Noel Rosa.

Quais são seus planos para o futuro?

Continuar trabalhando, sempre. Gostaria que São Paulo [a cidade, onde ele mora] tivesse mais casas de espetáculos. Hoje é uma briga para conseguir palco, muitos grupos dividem a mesma sala e é preciso montar e desmontar cenários o tempo todo. Gostaria que o teatro, de forma geral, tivesse uma rotina menos bruta e massacrante. Eu exerço a minha profissão de ator com muito amor e alegria, adora ensaiar, ter contato com o público… Quero que isso perdure por muito tempo. Aliás, quero morrer fazendo isso.

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