POLÍTICA
Ataques a Moraes e delação de Cid marcam defesas de Bolsonaro e demais réus no 2º dia de julgamento

Os advogados dos réus do chamado “núcleo 1” retornaram ao julgamento da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira, 3, focando em três críticas principais: a credibilidade da delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro; a atuação do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo; e o cerceamento de defesa.
A exceção foi o advogado Andrew Fernandes Farias que, ao defender o general Paulo Sérgio e alegar a inocência do cliente, acabou por implicar Bolsonaro. Ele afirmou que o general tentou “demover” o presidente de um golpe e que a reunião de 14 de dezembro no gabinete do ministro da Defesa teria como objetivo discutir “como vamos fazer para demover o presidente”. Segundo as investigações, porém, essa reunião foi a mesma da qual o brigadeiro Batista Jr. saiu após ser apresentada aos comandantes uma nova minuta golpista.
“Vossa Senhoria, eu copiei aqui, cinco vezes, disse que seu cliente ‘estava atuando para demover o presidente da República’. Demover de quê? Porque até agora todo mundo diz que ninguém pensou nada”, ponderou a ministra Cármen Lúcia, ao final da fala da defesa.
Ao que o advogado não hesitou e reafirmou a tese: “Demover de adotar qualquer medida de exceção, atuou ativamente”.
Ataques a Moraes
O advogado Matheus Milanez, defensor do general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), argumentou que a atuação de Moraes se confunde com a da Procuradoria-Geral da República (PGR), órgão responsável pela acusação. Como exemplo, citou a disparidade no número de perguntas feitas aos réus. Segundo ele, Moraes teria formulado 302 interpelações, contra 59 da PGR, com 154 delas direcionadas a Mauro Cid — que recebeu apenas 46 questionamentos do órgão ministerial.
“Nós temos uma postura ativa do ministro relator de investigar testemunhas. Por que o Ministério Público não fez isso? Qual o papel do juiz julgador? Ou é o juiz inquisidor?”, questionou Milanez.
Para embasar a crítica, o advogado citou uma frase do ministro Luiz Fux: “A legítima vedação da substituição da atuação probatória do órgão acusador significa que o juiz não pode, em hipótese alguma, tornar-se protagonista do processo”.
Cerceamento de defesa
Milanez foi o primeiro a se manifestar na retomada do julgamento e um dos pontos que abordou foi o volume excessivo de arquivos disponibilizado às defesas poucos dias antes dos interrogatórios dos réus. De acordo com ele, o material colhido pela Polícia Federal durante a investigação foi apresentado de maneira “desordenada”, e a quantidade de material tornava “humanamente impossível” a análise adequada de todas as provas.
Segundo ele, as provas foram colocadas em uma pasta em meio a “uma montanha de documentos, excesso de documentos com nomes que não se entende”. Com essa argumentação, Milanez abriu sua apresentação pedindo a anulação do processo por cerceamento de defesa.
O advogado Celso Vilardi, que defende o ex-presidente Jair Bolsonaro, também alegou cerceamento de defesa na ação da trama golpista. Ao se referir aos slides que Milanez apresentou ao STF sobre as provas recebidas pela defesa, ele disse: “O meu colega que me antecedeu colocou até na tela de uma maneira bastante propícia, porque foi daquela forma mesmo que nós recebemos as provas”. E acrescentou: “Desde o início, desde a minha primeira manifestação, eu tenho pedido as provas do processo”.
Segundo Vilardi, não foi concedido tempo hábil para analisar as provas enviadas pela PF. “São milhares de documentos apreendidos em uma sucessão de operações. Temos um conjunto de provas que ficou à disposição da PF por anos, que tem um sistema para fazer a apuração”, disse. “É a primeira vez que eu venho nesta tributa e não conheço a íntegra de um processo”, argumentou ele.
Quem também alegou cerceamento foi o advogado José Luis Mendes de Oliveira Lima, que representa o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, general Walter Souza Braga Netto. “Nós tivemos acesso à quase totalidade de todos os documentos no dia 17 de maio, dois dias antes do início da instrução”, disse.
Apesar de negar provas, a defesa citou “atos preparatórios”
Durante a sustentação oral, a defesa de Jair Bolsonaro concentrou-se em três principais linhas de argumentação: a inexistência de provas diretas contra o ex-presidente e de que ele tenha instigado os atos de 8 de janeiro; o acesso tardio a um grande volume de documentos; e a descredibilização à delação premiada de Mauro Cid.
O advogado Celso Vilardi também criticou o “fatiamento” da denúncia pela PGR, que dividiu os acusados da trama golpista em diferentes núcleos. Ele alegou que não pôde participar da instrução processual dos outros núcleos, apesar de pedidos nesse sentido, e que foi impedido de questionar corréus. “Isso é algo inusitado”, declarou durante sua fala.
“O que aconteceu com a investigação da Polícia Federal e depois com a denúncia do Ministério Público é, na verdade, uma sucessão inacreditável de fatos. Porque, na verdade, foi achada uma minuta do Punhal Verde e Amarelo, uma minuta, planilha de uma operação Luneta, e, como todos nós sabemos, ocorreu o trágico episódio de 8 de Janeiro. E o presidente, a quem eu estou representando, foi dragado para estes fatos.”
Outro advogado da defesa do ex-presidente, Paulo Cunha Bueno sustentou que Bolsonaro “fez a transição da Presidência de forma pacífica” — argumento contestado pela acusação, que aponta que o ex-presidente nunca reconheceu publicamente a derrota, não telefonou ao presidente eleito, não o recebeu no Palácio do Planalto e deixou o País para não entregar a faixa presidencial.
Apesar de negar a existência de provas suficientes, a defesa reconheceu a ocorrência de ações de conhecimento público, como as lives e a reunião com comandantes militares, mas minimizou sua relevância.
“Dizer que o crime começou em uma live sem violência é subverter a legislação penal”, afirmou Vilardi.
Ele e Bueno sustentaram que “atos preparatórios” não são puníveis pela legislação e alegaram que nenhuma conduta do ex-presidente pode ser caracterizada como “violência ou grave ameaça”.
Foco nas críticas à delação
Em grande parte da sua sustentação, Vilardi afirmou que Mauro Cid mudou de versão reiteradas vezes ao longo de seus depoimentos. “Nas 16 vezes ele mudou de versão diversas vezes. E isso não sou eu que estou dizendo. É, na verdade, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal no último relatório de novembro, quando disse que ele tinha inúmeras omissões e contradições”.
“Nós temos uma delação que alguém chamou de jabuticaba aqui. Não é uma jabuticaba, é muito mais grave, porque a jabuticaba existe aqui no Brasil. A delação da forma como está sendo proposto nas alegações finais do Ministério Público não é uma jabuticaba. É algo que não existe aqui e em nenhum lugar do mundo. Porque, na verdade, o que está se pretendendo aqui é reconhecer uma parcial falsidade da delação e, ainda assim, fazer um aproveitamento dela diminuindo a pena. Não é isso que diz o legislador, como vou comprovar”, disse Celso Vilardi.
O advogado também citou um suposto perfil falso no Instagram, criado pelo próprio Cid, para argumentar que o delator teria vazado informações da delação. “Não, não é uma montagem. O celular é dele, ele que criou esse perfil. A localização da casa dele é de onde manda os sinais eletrônicos. E mais do que isso, a senha e o perfil estão colocados no celular dele”.
Vilardi ainda afirmou que Mauro Cid estaria “desmoralizado” por supostamente ter mentido e rompido com os termos formais da colaboração. “Agora ele está desmoralizado, porque foi pego na mentira pela enésima vez. Não é pela primeira vez, é pela enésima vez. Ele rompeu a delação formalmente, porque ele na verdade rompeu o contrato, ele mentiu e ele colocou sua voluntariedade em cheque”.
O defensor de Walter Braga Netto, general colocado como figura central da trama golpista ao lado de Jair Bolsonaro e apontado por ter recebido militares em sua casa para debater um plano contra autoridades, segundo a acusação da PGR, também focou em atacar a delação de Cid. Ele citou as diversas versões apresentadas pelo delator e argumentou que Cid não apresentou provas concretas de suas alegações. “É apenas uma narrativa absolutamente desprovida de provas. […] Meu cliente está preso com base na delação dele, um irresponsável esse tenente-coronel Mauro Cid”, disse José de Oliveira.
Nesta terça-feira, primeiro dia de julgamento, a PGR, no entanto, voltou a destacar que a denúncia contra os réus não se baseia apenas na palavra de Mauro Cid, e que muitos dos fatos descritos nem mesmo Bolsonaro nega. De acordo com a acusação, há mensagens interceptadas, documentos, depoimentos e vídeos, todos convergindo para demonstrar como o intento golpista esteve presente no governo após as eleições, e só não avançou devido à resistência de parte das Forças Armadas.









