POLÍTICA
Sem citar Fux, Cármen Lúcia e Dino ironizam ministro por barrar comentários: ‘Sou da prosa’

A ministra Cármen Lúcia bateu bola com o ministro Flávio Dino durante a leitura de seu voto no julgamento da Ação Penal 2668, pela condenação ou absolvição de Jair Bolsonaro e outros sete aliados na trama golpista.
Às 14h23, desta quinta-feira, 11, o presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, retomou o julgamento de Bolsonaro e outros sete réus por trama golpista. Na sequência, Cármen Lúcia começou a leitura do voto e citou um diálogo presente no livro História de um Crime, de Victor Hugo, que era contrário ao golpe de estado dado por Napoleão Bonaparte.
‘Nós os defensores da Constituição (se aplicássemos um golpe de estado) afrontaríamos a Constituição. Nós os homens da lei violaríamos a lei com um golpe de Estado’. O outro responde: ‘Sim, mas um golpe de Estado para o bem’. Ele diz: ‘O mal feito para o bem continua sendo mal”. ‘Mesmo quando ele tem sucesso?’, ele diz, ‘Principalmente quando ele tem sucesso’. ‘Por quê?’ ‘Porque então ele se torna um exemplo. E vai se repetir'”, falava Cármen.
Dino espera a ministra terminar a frase e pede a palavra. “Ministra Cármen, Vossa Excelência me concede um aparte?”, pediu.
“Todos”, responde a colega. “Olha que eu sou literal”, brinca Dino. “Todos, desde que rápido, porque também nós mulheres ficamos dois mil anos caladas, nós queremos ter o direito de falar. Mas eu concedo, como sempre. Está no regimento do Supremo, o debate faz parte dos julgamentos, tem o maior gosto em lhe ouvir. Eu sou da prosa”, responde ela.
“Ministra Carmen, eu agradeço a sua gentileza”, diz o ministro. “A prosa com Vossa Excelência é sempre um gosto. Tenha certeza. Eu escrevi 396 páginas, mas eu não vou ler, eu vou ler um resumo. Não se preocupem. Então eu tenho muito gosto”.
Dino, então, lembrou do episódio da morte de Charlie Kirk, ativista conservador e aliado do presidente Donald Trump, que morreu nesta quarta-feira, 10, depois de ser baleado durante um evento na Universidade Utah Valley. Segundo ele, o episódio demonstra que a violência política não foi resolvida com a anistia. “Não pacificou os Estados Unidos”, concluiu.
A fala de Cármen parece fazer referência ao momento durante a leitura do voto de Alexandre de Moraes, na última terça-feira, 9, quando o ministro, que se mostrou incomodado e pediu para que o presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, não permita interrupções no seu momento de votar.
Mais sobre o julgamento
O julgamento teve início na terça-feira passada e, agora, caminha para o seu quinto dia de sessões nesta quinta-feira, 11.
As sessões já contaram com a leitura do relatório geral por parte de Alexandre de Moraes, relator do caso; a manifestação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que reforçou a denúncia; e o pronunciamento final da defesa dos oito réus. Agora, nesta semana, é a vez dos ministros votarem pela condenação, ou não, dos envolvidos tidos como “núcleo crucial” do plano de golpe de Estado.
São réus no processo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL); ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, Walter Braga Netto; ex-ajudante de ordens Mauro Cid; almirante de esquadra que comandou a Marinha, Almir Garnier; ex-ministro da Justiça, Anderson Torres; ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno; o general e ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira; e o deputado federal e ex-presidente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Em relatório final, emitido em julho, a Procuradoria-Geral da República pediu a condenação dos réus (com exceção de Ramagem) pelos seguintes crimes:
Organização criminosa armada – pena de 3 a 8 anos de prisão, podendo chegar a 17 anos se houver uso de arma de fogo ou participação de funcionário público;
Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito – pena de 4 a 8 anos de prisão;
Golpe de Estado – pena de 4 a 12 anos de prisão;
Dano qualificado pela violência ou grave ameaça – pena de seis meses a 3 anos de prisão;
Deterioração de patrimônio tombado – pena de 1 a 3 anos de prisão.
As penas máximas somadas podem chegar a 43 anos. Vale ressaltar especificidades que podem pesar em uma possível condenação dos réus: Bolsonaro, para além de denunciado pelos crimes, é apontado como líder da organização criminosa e Mauro Cid deve ter a pena reduzida devido a seu acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal.
Já Alexandre Ramagem (PL-RJ), deputado federal e ex-presidente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) que também é réu, é o único acusado por apenas três desses cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Alexandre de Moraes (relator do caso) começou os votos da Primeira Turma, votando pela condenação de todos os acusados. Em sua fala, ele elencou 13 atos para explicar a trama golpista em julgamento e traçou uma linha do tempo do “golpismo”, que interligaria os réus e os crimes em questão. Para ele, a organização criminosa — liderada por Bolsonaro –, mostrou que “não sabe que é um princípio democrático republicano a alternância de poder”.
“Quem perde vira oposição e disputa as próximas eleições. Quem ganha assume e tenta se manter [no poder], mas pelo voto popular. Não tenta se manter utilizando órgãos do Estado. Não tenta se manter coagindo, ameaçando gravemente, deslegitimando o poder judiciário de seu País, a justiça eleitoral”, declarou, em trecho de seu voto.
Na sequência votou Flávio Dino, que acompanhou o relator. Dino votou pela condenação de Jair Bolsonaro e outros sete aliados por todos os crimes, mas adiantou um ponto com relação a como imagina as penas: para ele, não há a menor dúvida de que os “níveis de culpabilidade” são diferentes entre os réus – e três deles podem ter “possibilidade de redução de pena abaixo do mínimo legal”.
“Concorre para o crime na medida de sua culpabilidade”, ressaltou Flávio Dino, ao explicar sobre o assunto. Nisso, para ele, tem “participação de menor importância” nos crimes julgados pela ação penal os réus Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-presidente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência); Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional); e Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa.
Depois, na quarta-feira, foi a vez de Luiz Fux. A sessão estava prevista para durar três horas, das 9h às 12h, mas Fux acabou levando 14 horas para concluir seu voto. Fux se mostrava voz destoante entre os demais ministros da Primeira Turma e assim seguiu, votando pela absolvição de Jair Bolsonaro, assim como dos réus Almir Garnier, Alexandre Ramagem, Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Anderson Torres.
Em paralelo, Fux votou pelas condenações de Mauro Cid e Walter Braga Netto – mas apenas pelo crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. Com relação aos outros quatro crimes imputados pela PGR, ele votou para absolvê-los. O ministro, ainda, ao retomar as preliminares, apontou incompetência da Primeira Turma em julgar a ação penal.
Agora ainda faltam votar Cármen Lúcia e Cristiano Zanin (presidente da Turma). A condenação ou a absolvição dos réus será decidida pelo voto da maioria. Não há limite de tempo pré-definido para os votos de cada ministro.
A Primeira Turma votar pela condenação dos réus não significa que eles serão presos imediatamente. Isso porque eles ainda podem apresentar recursos — que podem pesar mais ou menos, a depender do placar do júri. A execução de uma eventual pena só pode acontecer após ser dado “trânsito em julgado”, ou seja, quando são esgotados todas as possibilidades de recursos.
Jair Bolsonaro está em prisão domiciliar desde o dia 4 de agosto, mas devido um processo que corre paralelamente no STF. No caso, trata-se do inquérito que aponta que as ações do deputado Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, com o apoio do ex-presidente, tiveram como objetivo pressionar o Supremo a desistir da ação penal da trama golpista. Nisso, ambos foram indiciados pelos crimes de coação no curso do processo e abolição do Estado Democrático de Direito.
Como acompanhar o julgamento
As próximas sessões estão marcadas para:
11 de setembro (quinta-feira): sessões extraordinárias das 9h às 12h e das 14h às 19h –essas são sessões extras, solicitadas por Moraes na última sexta-feira, 5, e acatadas por Zanin;
12 de setembro (sexta-feira): sessão extraordinária das 9h às 12h e das 14h às 19h.
É possível acompanhar a transmissão pelos canais oficiais do STF –TV Justiça, Rádio Justiça, aplicativo Justiça+ e o canal do Supremo no YouTube. O Terra também transmite as sessões e traz detalhes do julgamento e de seus bastidores.
