POLÍTICA
Condenado, Bolsonaro tentará recorrer ao plenário do STF

A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), 70 anos, e de outros 7 réus pela 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) no processo sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022 não encerra a tramitação do caso. As defesas ainda podem recorrer por diferentes instrumentos, o que poderia levar a discussão ao plenário da Corte, composto pelos 11 ministros.
Com o resultado já definido, a ata do julgamento será homologada na próxima sessão da Turma, marcada para 23 de setembro. Depois disso, os ministros têm até 60 dias para depositar os votos e só então será publicado o acórdão. Depois do acórdão, há prazo de 5 dias para a apresentação de embargos de declaração.
No Supremo, o caminho é a apresentação dos embargos de declaração e, eventualmente, dos infringentes —embora a expectativa seja de indeferimento. Vencidas essas etapas, o processo transita em julgado, ou seja, não há mais possibilidade de recorrer, e se inicia o cumprimento das penas. Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão. Já está em prisão domiciliar por descumprir medidas cautelares desde 4 de agosto.
Depois do fim do julgamento, na 5ª feira (11.set.2025), a defesa do ex-presidente afirmou que apresentará recursos, tanto no Brasil quanto no exterior. Em nota, os advogados Celso Vilardi e Paulo Cunha Bueno classificaram as penas aplicadas como “absurdamente excessivas e desproporcionais”. Leia no fim desta reportagem a íntegra do comunicado.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
O caminho inicial é a apresentação de embargos de declaração, destinados a indicar contradições, omissões ou trechos pouco claros no julgamento. Esse recurso deve ser protocolado em até 5 dias depois da publicação do acórdão e é analisado pelo relator, ministro Alexandre de Moraes. Antes da decisão, Moraes envia o pedido para parecer da PGR (Procuradoria Geral da República). Em seguida, o caso volta à 1ª Turma.
“Primeiramente, é necessário que o Ministério Público também se manifeste e depois isso vai à decisão, a princípio, do relator [Alexandre de Moraes]. Se ele entender que os embargos são meramente protelatórios, há casos em que o próprio relator indefere o processamento. Mas o julgamento sempre deve acontecer pelo órgão colegiado”, afirmou o advogado criminalista Sérgio Rosenthal ao Poder360.
EMBARGOS INFRINGENTES
Também é possível apresentar os chamados embargos infringentes —aceitos quando há pelo menos 2 votos divergentes. No caso do núcleo ligado a Bolsonaro, só o ministro Luiz Fux votou pela absolvição, o que, a princípio, inviabiliza essa possibilidade.
Ainda assim, algumas defesas, incluindo a de Bolsonaro, indicam que tentarão insistir. Advogados afirmaram a este jornal digital que o voto de Fux, que defendeu a nulidade do processo, pode abrir margem para discutir se basta 1 voto divergente para viabilizar o recurso.
“Como houve um voto favorável a nós, já temos a divergência. Vamos avaliar tanto os embargos de declaração quanto os infringentes. A lei prevê essa possibilidade, embora a jurisprudência do Supremo costume impedir. Ainda assim, vamos tentar levar o caso ao plenário”, disse o advogado de Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Matheus Milanez, ao Poder360.
Se aceitos, os embargos infringentes transferem a análise do processo da 1ª Turma para o plenário do STF. Essa estratégia já foi mencionada por ao menos 2 advogados que atuam na defesa dos réus do chamado núcleo 1 da tentativa de golpe.
A 1ª Turma é composta por 5 ministros:
Alexandre de Moraes;
Flávio Dino;
Luiz Fux;
Cármen Lúcia; e
Cristiano Zanin –que preside o colegiado.
No plenário, também participam da análise:
Roberto Barroso, presidente da Corte;
Gilmar Mendes, decano;
Dias Toffoli;
Edson Fachin;
Nunes Marques;
André Mendonça.
AGRAVO REGIMENTAL
Caso Moraes negue os embargos infringentes, entendendo ser necessário ao menos 2 votos divergentes —o que é o mais provável—, as defesas ainda têm um último recurso: o agravo regimental, possível quando o relator toma uma decisão monocrática. O agravo pede que o recurso, nesse caso o embargo infringente, seja analisado de forma colegiada pela 1ª Turma.
“Se eles entrarem com esse tipo de agravo, ele vai para o colegiado da 1ª Turma, que decide se realmente seriam necessários 2 votos para que o caso fosse submetido ao plenário”, afirmou Sérgio Rosenthal.
Advogados e especialistas ouvidos por este jornal digital duvidam que o colegiado, que em sua maioria seguiu Moraes a favor da condenação dos 8 réus, dê andamento aos embargos de forma a levar o caso à análise dos 11 ministros. Ou seja, os recursos provavelmente seriam encerrados na 1ª Turma.
“É muito improvável, porque decisões recentes nos casos de Paulo Maluf [ex-governador e ex-prefeito de São Paulo] e do ex-presidente Collor de Mello seguiram o entendimento de que seriam necessários 2 votos absolutórios”, disse Rosenthal.
RECURSO NO EXTERIOR
Outro caminho desenhado pela defesa dos réus é apelar para entidades e cortes internacionais. Mesmo que isso seja feito, o efeito prático é limitado.
“Existe a hipótese de levar o caso a organismos internacionais, como a OEA [Organização dos Estados Americanos] e a ONU [Organização das Nações Unidas]. Esses organismos não deliberam sobre o mérito das acusações, apenas sobre eventuais ilegalidades no julgamento, como violação de direitos individuais ou parcialidade da corte. E suas decisões não precisam necessariamente ser cumpridas pela Justiça brasileira”, afirmou Sérgio Rosenthal.
BOLSONARO PRESO
No caso do ex-presidente, quando um réu já cumpre medidas cautelares, como prisão domiciliar ou uso de tornozeleira eletrônica, o tempo em que permanece sob essas restrições pode ser abatido da pena depois da condenação. Esse abatimento está no Código Penal (art. 42) e na Lei de Execução Penal (arts. 112 e 115), que determinam que o tempo de prisão provisória ou de medidas equivalentes à privação de liberdade deve ser computado na pena final.
O objetivo é evitar que o condenado cumpra mais tempo de privação de liberdade do que a pena imposta na sentença.
No caso de condenação na 1ª Turma do STF, o abatimento de pena não se dá de forma automática. Cabe ao ministro relator ou à própria Turma analisar os pedidos da defesa e decidir quanto do tempo cumprido em medidas cautelares pode ser considerado na pena final. Medidas mais severas, como prisão domiciliar integral, tendem a resultar em um abatimento próximo ao tempo total, enquanto restrições menos rígidas, como tornozeleira eletrônica com liberdade parcial, podem ter redução proporcional.
Por ser ex-presidente, se condenado em trânsito julgado, Bolsonaro deve ficar preso em uma sala especial na Papuda, presídio federal em Brasília, ou na Superintendência da PF (Polícia Federal) na capital federal.
EX-PRESIDENTE CONTINUA INELEGÍVEL
Bolsonaro está inelegível pelos 27 anos e 3 meses da pena mais 8 anos depois do cumprimento da sentença. Só poderá disputar eleições depois de 2060.
A Lei da Ficha Limpa torna a situação definitiva: recursos não suspendem inelegibilidade. Ele já estava fora até 2030 por por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação por decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de junho de 2023.
Mesmo assim, Bolsonaro afirma que será candidato em 2026. A estratégia preserva seu protagonismo e força outros nomes a aguardarem sua “benção” para disputar o Planalto. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, já afirmou que é o ex-presidente que decidirá seu sucessor.
Ex-ministro e hoje governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) é considerado o principal herdeiro político do bolsonarismo. Nas últimas semanas, ele articulou em Brasília o PL (projeto de lei) de anistia para condenados de 8 de Janeiro, subiu o tom contra o STF no ato da Paulista no 7 de Setembro e reafirmou lealdade a Bolsonaro depois da decisão do Supremo.
Outros nomes da direita já articulam pré-candidaturas próprias. É o caso dos governadores de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) –que prometeu anistia caso seja eleito à Presidência– e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que disse querer “acabar com abusos de Moraes”.
CONDENAÇÃO
A 1ª Turma do STF condenou Bolsonaro em 11 de setembro de 2025 por 5 crimes, incluindo tentativa de golpe de Estado. Votaram pela condenação do ex-presidente e dos outros 7 réus: Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Luiz Fux foi voto vencido. O ministro votou para condenar só Mauro Cid e Walter Braga Netto por abolição violenta do Estado democrático de Direito. No caso dos outros 6 réus, o magistrado decidiu pela absolvição.
Foram condenados:
Alexandre Ramagem (PL-RJ), deputado e ex-diretor da Abin;
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência;
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil.
Os 8 formam o núcleo 1 da tentativa de golpe. Foram acusados pela PGR de praticar 5 crimes: organização criminosa armada e tentativas de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado, além de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Leia abaixo a íntegra da nota da defesa de Jair Bolsonaro:
“A defesa do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, recebe a decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal com respeito. Contudo, não pode deixar de manifestar profunda discordância e indignação com os termos da decisão majoritária.
“Nesse sentido, continuaremos a sustentar que o ex-presidente não atentou contra o Estado Democrático, jamais participou de qualquer plano e muito menos dos atos ocorridos em 08 de janeiro.
“Também continuamos a entender que o ex-Presidente deveria ter sido julgado pela primeira instância ou, se assim não fosse, pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal; da mesma forma, não podemos deixar de dizer, com todo o respeito, que a falta de tempo hábil para analisar a prova impediu a defesa de forma definitiva.
“A defesa entende que as penas fixadas são absurdamente excessivas e desproporcionais e, após analisar os termos do acórdão, ajuizará os recursos cabíveis, inclusive no âmbito internacional.
“Celso Vilardi
“Paulo Amador da Cunha Bueno.”
