POLÍCIA
Aquisição de iate, helicópteros e terrenos milionários levantou suspeita sobre motéis do PCC

A aquisição de artigos de luxo milionários, incluindo iate, Lamborghini e helicópteros, levou a Receita Federal e o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) a desconfiarem da movimentação financeira de uma rede de 60 motéis do PCC em SP. A revelação do esquema de lavagem de dinheiro foi feita nesta quinta-feira, 25, na Operação Spare.
A superintendente da Receita Federal em São Paulo, Márcia Meng, explicou que os sistemas criminosos operam de maneira semelhante. “No caso dos motéis, que são um setor que trabalha muito com dinheiro vivo, era necessário introduzir esse dinheiro na economia”, disse ela em coletiva de imprensa.
“O que nós percebemos é que a movimentação financeira desses motéis era bastante superior ao valor declarado por eles como receita. Fica claro que ali não é apenas receita, mas há introdução de um dinheiro ilegal como se fosse atividade empresarial”, acrescentou Meng.
Ela destacou que o modo de operação se sofisticou ao longo do tempo. “Antigamente, usavam o artifício da empresa de fachada, que não tinha atividade operacional. Hoje isso está mais sofisticado: eles usam empresas formais que de fato têm algum tipo de atividade, mas a receita declarada não cobre a movimentação bancária apresentada.”
Como exemplo, Meng citou bens adquiridos pelos investigados. “No caso específico desses motéis, eles compravam imóveis, terrenos, helicópteros e bens de luxo incompatíveis com a receita declarada.”
A superintendente ressaltou que, independentemente do setor infiltrado, a lógica do esquema se mantém. “Eles se utilizam de empresas que formalmente existem e têm atividade empresarial, mas compõem de maneira ilegal com outras empresas do mesmo setor, inserindo um valor que não é proveniente da atividade econômica legítima.”
Segundo a TV Globo, entre os bens adquiridos pelos motéis investigados estão:
Um iate de 23 metros, comprado inicialmente por um dos motéis e posteriormente transferido para uma empresa de fachada, que também adquiriu um helicóptero;
Um helicóptero modelo Augusta A109E, registrado em nome de um dos investigados;
Um carro esportivo Lamborghini Urus, obtido por meio de uma empresa patrimonial;
Terrenos onde estão localizados diversos motéis, avaliados em mais de R$ 20 milhões.
O procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, afirmou que, embora a facção tenha diversificado seus negócios, a atuação no tráfico de drogas permanece. “Por muito tempo priorizaram o tráfico de entorpecentes, e através dessa estrutura que foi criada, possibilitou que eles investissem em outros negócios além da droga. A droga continua na Europa, continua em vários países”, disse à imprensa.
Ele também citou a internacionalização do grupo. “Nós tivemos informação de autoridades que combatem a máfia italiana, que vieram aqui no Ministério Público, que disseram que o PCC já havia se associado em determinado espaço territorial com a Ndrangheta para venda de drogas na Europa”. Segundo o procurador, essa expansão levou a facção a buscar inserção na economia formal, caracterizando ações típicas de máfia já observadas em outros países.
Movimentação de mais de R$ 450 milhões em 4 anos
Segundo as investigações, o PCC usou entre 2020 e 2024 mais de 60 motéis para levar dinheiro. A movimentação durante esse período foi de R$ 450 milhões e a maioria dos estabelecimentos estava em nomes de laranjas.
Conforme a Receita, os motéis contribuíram para aumentar o patrimônio dos sócios, com distribuição de R$ 45 milhões em lucros e dividendos. Um desses estabelecimentos chegou a distribuir 64% da receita bruta declarada.
As autoridades apontam ainda que os restaurantes dentro desses motéis, que tinham CNPJs próprios, também faziam parte do esquema. Somente um deles chegou a distribuir R$ 1,7 milhão em lucros após registrar a receita de R$ 6,8 milhões entre 2022 e 2023.
Também chamou atenção as operações imobiliárias realizadas pelos CNPJs de motéis vinculados a integrantes da organização: um dos registros adquiriu um imóvel de R$ 1,8 milhão em 2021, enquanto outro comprou um imóvel de R$ 5 milhões em 2023.
Postos de combustíveis e franquia
O esquema tinha uma extensa rede de postos de combustíveis usados para a ocultação dos valores e lavagem de dinheiro, que foi descoberto a partir da concentração de empresas que estavam sob responsabilidade de um único prestador de serviço.
Formalmente, ele controlava cerca de 400 postos, sendo 200 deles vinculados diretamente ao principal alvo da operação, um dos operadores do PCC, e seus associados.
Ao menos 267 postos ainda estão ativos e movimentaram mais de R$ 4,5 bilhões de 2020 a 2024, recolhendo apenas R$ 4,5 milhões em tributos federais — o que, segundo a Receita, seria equivalente a 0,1% do total movimentado, percentual muito abaixo da média do setor. Além disso, as autoridades identificaram administradoras de postos que movimentaram R$ 540 milhões no mesmo período.
A atuação não se restringia apenas a motéis e postos de combustíveis, mas chegou a lojas de franquias e empreendimentos na construção civil. Ao menos 21 CNPJs ligados a 98 estabelecimentos relacionados a uma mesma franquia foram encontrados, todos em nomes de investigados.
Essas empresas apresentavam indícios de lavagem de dinheiro, já que entre 2020 e 2024, movimentaram cerca de R$ 1 bilhão, mas emitiram apenas R$ 550 milhões em notas fiscais. Ainda no mesmo período, recolheram R$ 25 milhões em tributos federais, o que corresponde a 2,5% da sua movimentação financeira, e distribuíram R$ 88 milhões em lucros e dividendos.
Por meio de Sociedades em Conta de Participação (SCP), construíram empreendimentos imobiliários, especialmente prédios residenciais em Santos, no litoral de São Paulo, durante a década de 2010. Ainda segundo a Receita, não é possível determinar quantos deles ainda estão com os alvos, já que os sócios dessas sociedades são mantidos em sigilo.
As autoridades estimam que ao menos 14 empreendimentos movimentaram R$ 260 milhões nos últimos quatro anos, com base em uma sócia ostensiva comum.
Operação é derivada da Carbono Oculto
A ação desta quarta é um desdobramento da Carbono Oculto, deflagrada no final de agosto, que mapeou a infiltração do crime organizado na economia formal do Brasil. A ação mirou esquema bilionário do PCC, que se apoiava em um complexo sistema de fraudes e lavagem de dinheiro.
