GERAL
Como o metanol aparece na bebida alcoólica — e por que isso gera lucro para alguns

A Polícia Civil de São Paulo realizou uma operação na terça-feira (30/09) de combate à falsificação de bebidas alcoólicas no interior do estado. A ação acontece depois de ter sido noticiado que ao menos 22 pessoas foram contaminadas por metanol no Estado de São Paulo. Ao menos cinco delas morreram.
O metanol é um produto químico industrial encontrado em fluidos anticongelantes e de limpadores de para-brisa. Não se destina ao consumo humano — e é altamente tóxico.
O caso chamou a atenção das autoridades, já que episódios de intoxicação por metanol geralmente estão associados à sua ingestão deliberada em contextos de abuso de substância, geralmente envolvendo populações em situação de rua.
Desta vez, no entanto, os casos aconteceram em bares e envolveram diferentes tipos de bebida, como gim, uísque, vodca e outros destilados.
Mas como a substância pode ter aparecido nessas bebidas?
Erro ou fabricação ilegal?
Ainda não se sabe se o metanol foi adicionado a bebidas falsificadas (para dar mais volume), ou se é um caso de contaminação durante a produção normal de um destilado — apesar de declarações dadas pelas autoridades até o momento apontarem para a primeira opção.
O metanol pode estar presente em bebidas fermentadas, como cerveja ou vinho, mas em pequenas quantidades que não oferecem risco.
O problema está ligado às altas concentrações em bebidas destiladas, seja pela falha no processo ou adição intencional da substância em bebidas produzidas de forma ilegal.
A Organização Mundial da Saúde alerta que esse tipo de adulteração é comum na produção informal em vários países e que as bebidas podem ser vendidas até em bares legítimos, muitas vezes com embalagens falsificadas.
Mercado ilegal movimenta bilhões no Brasil
Um relatório divulgado neste ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta que o mercado ilegal de bebidas alcoólicas movimentou R$ 56,9 bilhões no Brasil, aumento de 224% em relação a 2017. A sonegação fiscal no setor foi de mais de R$ 28 bilhões em 2023.
O Fórum categoriza as atividades ilegais em quatro tipos: falsificação (fabricação com marca falsificada e reutilização de garrafas de marcas legítimas), contrabando (importação ilegal de bebida sem pagamento de imposto), produção artesanal ilegal (fabricação sem seguir regras sanitárias e fiscais) e sonegação fiscal (venda sem recolher tributos).
O Anuário da Falsificação, feito pela Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), diz que a produção ilegal de cerveja artesanal mais do que dobrou entre 2016 e 2022, chegando a 48,1 milhões de litros. Também aconteceu com os destilados, com alta de 82%.
Houve também queda nas apreensões. Para o Fórum, isto pode indicar que, “as operações de fiscalização não acompanharam o crescimento da atividade ilícita.”
O Fórum destaca ainda a prática ilegal conhecida como refil, quando há reutilização de garrafas para envasamento de bebidas adulteradas. Só em 2023 foram apreendidas 1,3 milhão de garradas do tipo. Há áté mesmo anúncios online de venda de garrafas vazias com rótulos das bebidas.
“Isso pode resultar em preços mais baixos para o consumidor, uma vez que esses produtos escapam de tributos e regulamentações, mas também significa maior risco de adquirir bebidas de qualidade duvidosa, sem controle sanitário ou garantia de segurança.”
“Com a falta de fiscalização para coibir esse tipo de atividade, a falsificação vai se aperfeiçoando, a ponto de haver produtos idênticos”, diz Enio Miranda, diretor de planejamento estratégico e governança corporativa da Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp).
Sistema de controle de bebidas foi suspenso
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública relata a suspensão de um sistema de controle de produção de bebidas, o Sicobe, que tornou a fiscalização “mais fragmentada e frágil.”
O sistema tinha sido implementado pela Receita Federal em 2008, mas desativado em 2016, sob alegação de altos custos de manuteção (R$ 1,4 bilhão ao ano).
O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou em agosto do ano passado a reativação desse sistema, mas a Receita diz que aguarda uma decisão pendente do Supremo Tribunal Federal (STF) para religá-lo.
O ministro Cristiano Zanin, do STF, suspendeu em abril os efeitos de uma decisão do TCU que obrigavam a reestabelecer o Sicobe. Para Zanin, a suspensão foi determinada com “ampla fundamentação técnica” em uma comissão que concluiu pela “completa inadequaçao do sistema.”
A Receita diz que o controle de destilados é usualmente feito pela utilização de selos, “que não têm relação, nem se confunde com o SICOBE. O SICOBE controlava, preponderantemente, refrigerantes e cervejas.”
Há envolvimento do crime organizado?
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que não há evidências do envolvimento do PCC na adulteração de bebidas alcoólicas, hipótese que havia sido citada pela Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF).
Já a Polícia Federal abriu um inquérito para investigar o caso, por entender que há indícios de que a bebida pode ter sido dstribuída para outros estados.
Segundo o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (publicado em fevereiro deste ano), facções como PCC e Comando Vermelho estão envolvidas no comércio ilegal de bebidas alcoólicas no país, como forma de diversificar as atividades ilícitas.
A organização diz que bebidas como vinho são contrabandeadas pelo Rio Grande de Sul. Já os destilados e outros tipos de bebidas chegam pelo Paraguai. Há também o envolvimento de mílicias no Rio de Janeiro.
A fiscalização do mercado depende de diversas autoridades.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é responsável por regulamentar padrões sanitários e garantir a qualidade e segurança de produtos no mercado. A Polícia Federal, em colaboração com a Receita Federal, é responsável por realizar o combate ao crime organizado e contrabando.
Já as polícias nos Estados, civil e militar, bem como as guardas civis, podem desarticular a produção e comércio de bebidas ilegais.
