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CIDADES

Cidade que mais emite gases de efeito estufa fica no Pará e tem ‘40 cabeças de gado por morador’

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Foto: Arquivo pessoal/Lázaro de Queiroz Vieira

No coração da Amazônia, no Pará, São Félix do Xingu tem mais gado do que gente. São quase 40 cabeças de gado para cada morador da cidade, fazendo uma conta simples de divisão. A prefeitura reconhece a cidade como símbolo da pecuária nacional, o que é verdade, mas isso tem um preço – que não está saindo barato para o planeta. Principalmente devido a queimadas e a atividades da agropecuária, a cidade é considerada a que mais emite gases de efeito estufa no Brasil.

– Essa reportagem integra a série Pará além de Belém, que conta histórias e curiosidades de cidades do Estado, que vira o cento do mundo em meio a COP30, a ser realizada de 11 a 21 de novembro.

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Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), plataforma do Observatório do Clima, o município paraense emitiu 13,8 MtCO2e (milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente) em 2024. O setor responsável pela maior parte dessas emissões foi o de mudança de uso de terra e florestas (8.648.357) –que incluem desmatamentos e queimadas–, seguido da agropecuária (5.069.110) e, com maior distanciamento, energia (48.241).

Mas isso não é uma grande questão para boa parte dos moradores da cidade. “A gente não fala sobre esse assunto”, contou seu Lázaro, de 53 anos. Ele mora há mais de 30 anos na cidade e é empresário da área de oficina mecânica. “Eu acredito que São Paulo, Rio, Brasília poluem mais do que nós aqui, porque aqui não tem essas grandes indústrias. A única coisa que nós temos é um laticínio grande e o frigorífico”, retrucou.

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Os dados mostram outra realidade. Enquanto São Félix lidera o ranking, São Paulo, o município brasileiro mais populoso, aparece com a terceira cidade que mais emite. Entre as duas há Altamira, também no Pará, que é a segunda no ranking — e tem um perfil de emissões similar a São Félix do Xingu.

Além disso, entre as 10 cidades que mais emitem gases de efeito estufa, 7 ficam na Amazônia, segundo o levantamento. Confira o ranking, com base nas emissões de 2024:

1º São Félix do Xingu (PA) * – principal setor de emissão: mudança do uso da terra e floresta
2º Altamira (PA) * – principal setor de emissão: mudança do uso da terra e floresta
3º São Paulo (SP) – principal setor de emissão: energia
4º Porto Velho (RO) * – principal setor de emissão: mudança do uso da terra e floresta
5º Rio de Janeiro (RJ) – principal setor de emissão: energia
6º Itaituba (PA) * – principal setor de emissão: mudança do uso da terra e floresta
7º Nova Maringa (MT) * – principal setor de emissão: mudança do uso da terra e floresta
8º Serra (ES) – principal setor de emissão: processos industriais
9º Nova Aripuanã (AM)* – principal setor de emissão: mudança do uso da terra e floresta
10º Lábrea (AM)* – principal setor de emissão: mudança do uso da terra e floresta
De acordo com dados divulgados neste mês pelo SEEG, o Brasil registrou uma queda de 16,7% nas emissões brutas de gases do efeito estufa em 2024, em comparação ao ano anterior. A diminuição é ainda maior quando consideradas as emissões líquidas, que descontam a “captura de carbono por florestas secundárias e áreas protegidas”, chegando a 22%. Essa é a maior queda registrada nos últimos 16 anos, e a segunda da série histórica (a contar de 1990).

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São Félix do Xingu, apesar de ainda performar como a cidade que mais emite no País, segue esse movimento. As emissões vêm caindo desde 2021, quando atingiu 41,9 MtCO2e. Em 2022, passaram para 35,1 MtCO2e, em 2023, para 23,3 MtCO2e, e agora chegaram em 13,8 MtCO2e.

Vale ressaltar que enquanto o setor responsável pelo ‘grosso’ das emissões no mundo é o da energia, no Brasil é o de mudanças de uso do solo — que inclui desmatamentos, queimadas e a atividade agropecuária.

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Lázaro descreve São Félix do Xingu como tranquila, sem a correria da cidade grande. Ele reconhece que nos últimos anos aconteceram “enchentes diferenciadas”, e também verões mais longos, mas considera isso normal. “Aqui a gente não se preocupa muito com isso não”, disse ao se referir a questões ambientais.

Enquanto isso, o Pará recebe a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30, que coloca o Brasil como centro do debate climático global neste mês de novembro. O encontro será em Belém, a capital do Estado, que fica há mais de mil quilômetros de São Félix do Xingu, o que dá quase um dia de viagem de carro. Por mais que conectados pela Amazônia, é como se fossem mundos diferentes – e Lázaro deixou isso claro na conversa com a reportagem.

Para ele, a Conferência se trata de um evento político, e que não é bem visto pelo interior. “No momento que acabar essa COP30, acaba toda essa pressão em cima da Amazônia. Aí volta tudo à normalidade. Isso é política. É um trem complicado”, acredita.

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Gado, riquezas e contradições

O contexto de São Félix do Xingu é complexo, aponta Joelson Brito, que é professor e coordenador de Ciências Biológicas na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), na própria cidade, e faz parte da Rede Resiclima, que reúne pesquisadores dedicados ao estudo das mudanças climáticas.

“A cidade é moldada pelo agro”, conta o recifense, que se mudou para São Félix há cerca de três anos para assumir o cargo na universidade. Pelo que tem vivido na cidade, isso faz com que a população tenha uma certa resistência a discutir questões ambientais. E, apesar de ser símbolo da força pecuária, a riqueza na cidade é, de certa forma, abstrata.

“É uma cidade muito contraditória. Ao mesmo tempo que as pessoas têm esse orgulho de dizer que a cidade produz muito gado, a riqueza não fica aqui. E a cidade peca em infraestrutura, enquanto complexifica a questão climática”, conta Joelson.

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Em São Félix do Xingu, como explica, as casas têm tratamento de água e esgoto próprias. Em seu caso, ele usa água de um poço e bebe água mineral comprada. Enquanto há essa falta de saneamento básico estrutural, as ruas são tomadas por grandes carros e caminhonetes luxuosas. “A cidade tem pessoas muito ricas que não se incomodam dessa riqueza não ser revertida em uma melhor infraestrutura na cidade”, aponta.

Segundo dados da Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), São Félix do Xingu é a cidade com maior rebanho municipal, concentrando mais de 2,5 milhões de cabeças de gado. Se cruzado o dado com a estimativa da população deste ano, de cerca de 65,6 mil habitantes, são 38,6 cabeças de gado por pessoa.

O número está muito acima da média brasileira. A quantidade de gado, no Brasil, já superou a de pessoas: enquanto há 238,6 milhões de cabeças de gado, há 213,4 milhões de habitantes no País. O que dá cerca de 1,1 cabeça de gado por brasileiro. O Estado do Pará, por sua vez, concentra boa parte dessa ‘força agro’: 25 milhões de cabeças de gado – sendo cerca de 3 por habitante.

São Félix do Xingu é a sexta maior cidade em território do Brasil, sendo maior que muitos países pelo mundo, como a Áustria, na Europa. ‘Símbolo da força da pecuária nacional’, como frisa a prefeitura do município em sua página inicial, o setor é responsável por parte do abastecimento de carne no país.

Isso faz com que a carne vermelha seja barata na cidade. Um quilo de patinho, por exemplo, custa em torno de R$ 28. E carnes nobres, como filé mignon, têm um custo abaixo da média nacional por lá, sendo encontrada a cerca de R$ 35 o quilo.

Em contrapartida, outros produtos são caros devido à posição geográfica do município, que fica “fora da rota” de caminhoneiros e os trajetos serem de difícil acesso. “A cidade é bastante cara. Falar cara é até um eufemismo. Eu não imaginava que era tão cara”, complementa o professor.

Em publicação, a prefeitura explica que o gado criado em São Félix do Xingu abastece os principais mercados consumidores do Brasil, incluindo grandes centros urbanos como Belém, Goiânia, São Paulo e Brasília, e atende indústrias frigoríficas exportadoras que enviam carne para países da América do Sul, Europa e Ásia.

“Frigoríficos instalados no Pará e em estados vizinhos atuam diretamente na compra do rebanho local, garantindo que a produção municipal participe de cadeias globais de exportação de carne bovina”, escreve a prefeitura, que na sequência reconhece que esse “sucesso econômico traz desafios”.

No texto, o município diz que a cidade que é “potência na produção de carne”, agora “busca se destacar também como referência em sustentabilidade na Amazônia”. O Terra buscou contato com a gestão municipal em busca de mais detalhes sobre como eles têm lidado com a questão, considerando o destaque de emissões provenientes da cidade, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

De forma geral, o que é descrito no site da prefeitura, é que “nos últimos anos, ações de fiscalização, programas de rastreabilidade do gado e incentivos a práticas sustentáveis têm ganhado força” e que “técnicas como o pastejo rotacionado, a integração lavoura-pecuária-floresta e a recuperação de áreas degradadas são apontadas como caminhos para manter a produtividade sem ampliar o desmatamento”.

Para além do gado, como mostram os dados da SEEG, as queimadas também são um problema na região. “Quando eu cheguei aqui as queimadas estavam demasiadas, e as pessoas ficavam doentes. A cidade ficava coberta por cinzas”, comenta Joelson à reportagem. Já neste ano, como apontou, foi um ano atípico com relação aos focos de fogo.

“Esse ano teve queimadas? Sempre tem. Mas foi muito pouca. A cidade não ficou cinza, as cinzas não entraram nas casas. E foi devido ao aumento da fiscalização por conta da CO30. O receio, como foi algo muito pontual, é que ano que vem isso não se repita”, comentou o especialista, que diz não existirem políticas públicas efetivas do município para mitigar as queimadas – e que o que está sendo feito é a nível federal.

 

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