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GERAL

O que a COP30 tem que entregar para não fracassar

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Belém recebe nas próximas duas semanas a Conferência do Clima da ONU Foto: DW / Deutsche Welle

Conferência do Clima da ONU leva o mundo para a Amazônia com expectativa de decisões para deixar a vida da humanidade mais adaptada a um planeta que aquece.Na sede que vai abrigar as próximas duas semanas de Conferência do Clima da ONU, a partir desta segunda-feira (10/11), as obras ficaram prontas a tempo. O Parque da Cidade de Belém nasceu do zero a um custo estimado de quase R$ 1 bilhão para receber a 30° rodada de negociações diplomáticas.

Dentro dos prédios mais caros construídos como parte dos preparativos paraenses são aguardadas decisões para deixar a vida da humanidade mais adaptada a um planeta que aquece. Elas serão tomadas na zona azul, centro diplomático da COP30 onde as negociações acontecem em salas fechadas e as credenciais são mais concorridas.

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Não se sabe bem o que sairá de concreto. Se a métrica de avaliação for limitar o aquecimento do planeta a 1,5 °C a missão será difícil.

“Os países não podem só jogar para a frente. Não é sobre daqui a dez anos, não é sobre 2050 – é sobre o que a gente está fazendo agora, já que estamos muito perto de 1,5 °C”, argumenta Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, lembrando que a edição atual marca os dez anos do Acordo de Paris, que estabeleceu a meta global para limitar o aquecimento do planeta a este patamar.

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O tornado que matou seis pessoas e arrasou uma cidade pequena na outra ponta do país, no Paraná, é também um lembrete do tipo de evento extremo que será mais frequente no planeta com temperatura média em ascendência.

Antes de chegar a Belém, Joab Okanda, um observador da COP do Quênia, viu mais de trinta pessoas morrerem vítimas de um deslizamento de terra provocado pelas tempestades cada vez mais frequentes na região onde vive. “O governo está tendo que tirar dinheiro que iria construir hospitais, por exemplo, para responder às emergências. Nós estamos agora constantemente em crise”, explica.

Zona liberada para o greenwashing

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Dentro da estrutura construída para a COP também estarão representantes de setores que mais contribuem para a degradação ambiental e crise climática. Há indícios de que a mineradora Vale, envolvida em tragédias socioambientais recentes do país, foi até uma das financiadoras do parque, diz Mario Tito Almeida, da Universidade da Amazônia (Unama).

“Temos receio de que a Conferência em Belém seja um grande momento de greenwashing”, diz Almeida, que coordena o grupo de pesquisa Observatório da COP30, destacando a estratégia de marketing utilizada para que um serviço ou produto venda sua imagem como sendo melhor para o meio ambiente do que realmente é.

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É na zona verde, um dos dois grandes espaços físicos oficiais da conferência, que empresas, instituições públicas e demais organizações apresentam ao público suas contribuições contra a emergência climática. A equipe de Tito mapeou pelo menos 342 iniciativas, com a maioria delas capitaneadas por instituições públicas.

À DW, a Vale informou que custeou o Parque da Cidade após aderir ao programa Estrutura Pará. Ele possibilita a conversão de até 40% da Taxa de Fiscalização de Recursos Minerais, um imposto que a empresa paga ao governo estadual, em obras que seriam tocadas pelo setor público.

“No âmbito deste programa, das obras que estão sendo gerenciadas pela Vale, duas farão parte do legado da COP30: a construção do Parque da Cidade e do Porto Futuro II. A contratação das obras seguiu todos os trâmites concorrenciais legais da Vale”, afirma a nota da mineradora.

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O que seria um fracasso

Os países mais vulneráveis, incluindo os africanos, esperam que Belém entregue uma meta global de adaptação. E mais: estabeleça fontes confiáveis de dinheiro para que governos não precisem tirar de onde não têm para amenizar a emergência climática. “Estamos falando de doações, previsíveis e estáveis, e não de empréstimos ou promessas que acabam não sendo cumpridas”, diz Okanda sobre o financiamento climático.

Ainda não há uma definição de sucesso, mas a derrota nesta COP seria a falta de decisões claras em torno da adaptação e a conta a ser paga pelos países mais ricos, que emitem os gases de efeito de estufa há muito mais tempo que as nações em desenvolvimento.

“Isso não quer dizer que as negociações vão abandonar as outras coisas, que está dispensando a transição energética, não tem absolutamente nada a ver com isso. Mas, sim, esse é o assunto que tem que entregar. Se ele não entregar, será um fracasso completo”, avalia Unterstell.

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Exuberância e contradições da Amazônia

A primeira COP no Brasil terá uma presença massiva de populações indígenas. A maior floresta tropical do mundo também é casa para mais de 250 povos, muitos deles têm se colocado há tempos contra grandes empreendimentos que ameaçam toda a região com grilagem de terras, desmatamento e poluição.

“Uma conferência bem-sucedida em Belém seria aquela em que nossos direitos estejam presentes de forma concreta no texto final das negociações e não apenas como sugestões ou pontos a serem definidos em contextos nacionais”, afirma Toya Manchineri, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Trazer o mundo para a Amazônia não é importante apenas para mostrar sua força e magnitude, mas para revelar quem realmente a protege, complemente Manchineri, referindo-se aos indígenas.

A Belém que recebe a COP também é um ponto vital da logística para a indústria petroleira que busca o combustível fóssil na bacia marítima da foz do Amazonas. Dali costumam partir suprimentos e o apoio às operações em alto mar, liberadas pelo governo brasileiro semanas antes do início da conferência.

Quem vem de fora se deslumbra com a biodiversidade que vê ao chegar na capital paraense, confia na presidência brasileira da COP, mas está consciente das contradições latino-americanas.

“No caso do Brasil, por exemplo, observa-se as cartas da presidência da COP e o discurso oficial, mas, em paralelo, continuam avançando projetos de exploração, inclusive de novos blocos na Amazônia. Então, essas contradições começam a se tornar evidentes”, diz Camila Mercure, coordenadora de Política Climática da Fundação Ambiente e Recursos Naturais, da Argentina, presidida pelo negacionista climático Javier Milei.

Cartas para o mundo

Com longa carreira na diplomacia climática, o embaixador André Corrêa do Lago inaugurou um estilo brasileiro nesta presidência. Ele escreveu cartas à comunidade global no intuito de mobilizar negociadores e a população num mutirão contra as mudanças do clima.

A estratégia causou estranhamento entre algumas entidades e diplomatas mundo afora, não acostumados à licença poética que a gramática e a língua portuguesa sabem oferecer. No geral, o tom e o conteúdo das dez cartas publicadas desde março foram bem avaliados.

“Normalmente, o país que preside a COP dá as prioridades e ponto. O Brasil não se colocou nesse lugar em nenhum momento. Ele se colocou no lugar de um mediador, de um facilitador, e eu acho isso brilhante”, avalia Unterstell.

Marcele Oliveira, jovem nomeada Campeã do Clima pela presidência da COP30, sentiu partes geralmente invisíveis nas negociações mais representadas desta vez. O mutirão, diz ela, é parte da resiliência das periferias, das comunidades indígenas, dos quilombos. “É sobre fazer junto, e não deixar para depois. Propor isso no contexto multilateral é um chamado a ação no sentido da negociação e também o reconhecimento da mobilização local como reflorestamento, hortas comunitárias, parques verdes e limpeza de rios e praias”, explica.

A conferência de Belém seria a maior mobilização por justiça climática da geração de Oliveira, que luta pelo fim das desigualdades e do racismo ambiental. “Se a procura por COP30 já aumentou em 400% nos últimos meses, queremos ver para o próximo ano a educação ambiental em todas as escolas e o Brasil, como saiu do mapa da fome, trilhando caminhos para liderar a saída do Sul Global do mapa do risco climático”, diz a jovem ativista.

 

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