Pesquisar
Feche esta caixa de pesquisa.
RIO BRANCO
Pesquisar
Feche esta caixa de pesquisa.

CIDADES

Moradores e servidores denunciam ‘caos’ na saúde de Belém em meio à previsão de fechamento de principal pronto-socorro

Publicado em

Moradores e servidores denunciam “caos” na saúde de Belém em meio à previsão de fechamento de principal pronto-socorro; funcionários fizeram protesto nesta terça-feira, 11 Foto: Isabella Lima/Terra

Apesar dos investimentos e das obras realizadas por Belém para receber a COP30, moradores relatam que o essencial ficou de fora: a saúde pública. Em diferentes regiões da capital paraense, o Terra ouviu relatos de que o sistema municipal é caótico: faltam médicos, remédios, consultas e insumos básicos. A preocupação da população é ainda maior devido à possível desativação do Hospital Municipal Mário Pinotti, considerado um dos prontos-socorros públicos mais importantes da cidade.

Reconhecida como referência em atendimentos de urgência e emergência de alta complexidade, a unidade é a única no estado que opera em sistema de porta aberta, o que significa que qualquer pessoa pode buscar atendimento emergencial sem precisar de encaminhamento prévio de outro serviço de saúde.

Continua depois da publicidade

“A gente não tem saúde de qualidade. E o único órgão que tenta tratar a população com um pouco de dignidade é Mario Pinotte. Dá um desespero muito grande pensar que esse hospital pode fechar. Não tem condições. Eu não sei como vai ficar a população de Belém. Não só de Belém, tem de Barcarena [cidade vizinha], tem de Breu Branco, todo mundo vem para cá. Todo mundo é atendido nesse hospital. Então, Mário Pinote não pode ser fechado”, afirmou Joana Nascimento, de 59 anos, moradora da cidade.

Joana relatou que o atendimento nos postos de saúde e nas UPAs é muito precário. Segundo ela, “falta tudo”. A moradora explicou que o que falta nas UPAs é justamente o que existe no pronto-socorro. Ela explicou que, nas UPAs, não é possível realizar exames de imagem nem procedimentos simples, como suturas em ferimentos mais profundos. “Lá eles só colocam uma gaze e mandam o paciente para o Mário Pinotti”, disse.

Continua depois da publicidade

A idosa que estava ao lado dela no momento da entrevista acrescentou: “Se fecharem esse hospital as pessoas vão morrer na rua”. Em seguida, Joana explicou que o pronto-socorro dispõe de estrutura adequada para atender casos de maior complexidade, com a possibilidade de realizar radiografias da cabeça, do abdômen, dos pés e de outras partes do corpo. Para ela, é esse hospital que garante um melhor suporte à população, e o fechamento da unidade deixaria a cidade desassistida.

Paralisação e manifestação da equipe de saúde 

Enquanto percorria Belém na terça-feira, a reportagem do Terra encontrou, inclusive, servidores do pronto-socorro Municipal Mário Pinotti com as atividades paralisadas, atendendo apenas casos que consideravam de maior urgência, em protesto contra a decisão da Prefeitura de fechar e transferir temporariamente os serviços da unidade para outro local.

Continua depois da publicidade

Os manifestantes levaram um caixão até a entrada do prédio, em sinal de luto, e chegaram a interditar parcialmente a avenida em frente ao hospital. Durante o ato, também prestaram homenagem a um paciente que teve os órgãos doados pela família, gesto usado para destacar a importância dos serviços realizados no hospital.

Sandra Costa, enfermeira e integrante da Comissão de Servidores do pronto-socorro, afirmou que os trabalhadores são contrários ao fechamento e pedem apenas melhorias. “Somos a favor da reforma, mas fechamento, não. Queremos que o hospital continue funcionando com qualidade”, disse. Ela destacou que a unidade enfrenta problemas de recursos humanos, mas mantém serviços essenciais, como o de doação de órgãos. “A nossa luta vai continuar até que o secretário ouça nossas solicitações.”

Continua depois da publicidade

Rosana Rocha, da diretoria colegiada da Associação dos Servidores da Saúde de Belém, reforçou que o hospital sofre há anos com falta de insumos e medicamentos. “O Mário Pinotti é histórico nas lutas por melhores condições. Desde 2011 fazemos paralisações e greves por causa da precariedade”, afirmou. Segundo ela, a unidade realiza uma média de nove mil atendimentos semanais e já chegou a registrar 1.200 em um único dia.

Rosana também criticou a condução política da gestão municipal. “Há muito tempo ocorre um desmonte da saúde. O fechamento do Mário Pinotti é o auge disso”, disse. Para ela, seria possível realizar uma reforma parcial, mantendo parte dos atendimentos. “O que falta é vontade política. O hospital é estratégico, é o único com todas as especialidades e sistema porta aberta. Se ele fechar, vai colapsar toda a rede.”

Sem atendimento à população 

Continua depois da publicidade

Entre os pacientes que aguardavam atendimento na frente do Hospital Mário Pinotti, a reportagem ouviu relatos de desespero e abandono. Muitos estavam ali desde o início da manhã, sem previsão de quando seriam atendidos, devido à paralisação dos servidores e à indefinição sobre o futuro da unidade.

Eliana Souza, de 55 anos, contou que peregrina há três dias por postos e UPAs em busca de um atendimento oftalmológico. “Já passei por vários lugares e ninguém me atende. Dizem que não tem equipamento, não tem médico, não tem material”, relatou. Moradora do bairro Guamá, ela sofre com um problema na córnea e teme perder a visão. “Tô lavando o olho com água boricada em casa, fazendo o que posso. A gente tá entregue à sorte. É um caos total”, desabafou.

Na porta do hospital, o aposentado Alberto Carlos dos Santos Carvalho, de 57 anos, mostrava o pé enfaixado e exalando mau cheiro. Diabético, ele já havia amputado um dedo e agora precisava de nova cirurgia. “Meu pé tá podre e não querem me atender. Eu vim com a guia de internação da UPA, mas disseram que estão de greve. Vou ter que dormir aqui na calçada, esperando abrir”, contou. Sem dinheiro para voltar para casa, disse que depende da boa vontade de amigos. “Quem não tem plano de saúde morre aqui na porta. Se eu tivesse dinheiro, já tinha sido atendido.”

Também na frente da unidade, Cláudio Onor de Sousa Costa, de 52 anos, portador de diabetes e hipertensão, lamentou o risco de fechamento do hospital. “O atendimento aqui não é 100%, mas funciona. Se fechar, vai ficar pior. A gente que não tem plano vai pra onde?”, questionou. Segundo ele, a falta de medicamentos e insumos é constante. “Falta remédio, falta atadura, falta tudo. Quando não pagam os médicos, eles param.”

Continua depois da publicidade

Já Luís Alexandre da Silva Fernandes estava ao lado da esposa, Solange, grávida de cinco meses, que chorava de dor após machucar a perna ao cair em um bueiro. “Acho que quebrou a perna dela, trouxe aqui, mas aqui não tem atendimento por conta da paralisação”, relatou na última terça-feira. A família precisou ir à UPA mais próxima para procurar atendimento. “A saúde aqui é horrível, só presta para os ricos. Cadê nosso prefeito que não vê a gente sofrendo? Ele é rico, né? Paga plano de saúde, e a gente não tem como pagar.”

O “caos” no sistema público de saúde 

Desde que chegou a Belém para acompanhar a COP30, a reportagem do Terra tem ouvido relatos de moradores com fortes críticas à saúde pública da cidade. Um motorista de aplicativo afirmou que quem não possui plano de saúde “está jogado às traças” e classificou a situação da saúde em Belém como um “caos”. Segundo ele, “não se faz nada pela saúde” na capital do Pará.

Outro motorista de aplicativo reforçou essa percepção e declarou que jamais deixaria de ter um plano de saúde enquanto viver em Belém. Para ele, “a situação de quem depende exclusivamente do sistema público é precária”.

Durante outro trajeto pela cidade, um motorista relatou que um amigo sofreu um acidente de moto e, ao chegar à UPA do Jurunas, não havia nem mesmo gazes disponíveis para fazer o curativo.

A repórter esteve na UPA do Jurunas na manhã de terça-feira, 11, por volta das 9h30. No entanto, os pacientes que aguardavam do lado de fora da unidade preferiram não conceder entrevista.

O que dizem os órgãos públicos 

A Secretaria Municipal de Saúde de Belém (SESMA) afirmou ao Terra que o processo de chamamento público referente ao pronto-socorro Mário Pinotti segue todos os trâmites legais previstos na Lei nº 14.133/2021, que estabelece as normas de licitações e contratos administrativos. “O procedimento está sendo acompanhado pelos órgãos de controle competentes e conduzido com transparência, legalidade e responsabilidade, garantindo o cumprimento das etapas previstas em lei”, alegou o município.

Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa) informou que o Hospital Pronto-Socorro Municipal Mário Pinotti (HPSM) é de gestão municipal. Sobre as reclamações da população em relação ao sistema de saúde de forma geral, o Governo do Estado afirmou que vem ampliando e fortalecendo a rede pública de saúde, com a entrega de diversas unidades para a população de Belém e da Região Metropolitana. Além das novas entregas, afirmou que tem investido na requalificação de unidades especializadas. A nota informou ainda que, em 2023, o Governo do Pará destinou um aporte financeiro de R$ 20 milhões à Prefeitura de Belém, com o objetivo de garantir a estabilidade do Sistema Municipal de Saúde.

Já o Ministério da Saúde afirma que dentro do planejamento para a COP 30, a pasta está investindo R$ 240 milhões para requalificar a rede de assistência à saúde no Pará. Esse investimento está sendo aplicado em obras em Unidades Básicas de Saúde, custeio de profissionais, modernização da rede de urgência e emergência e ampliação da capacidade hospitalar. Representantes da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em visitas recentes a Belém, elogiaram a estrutura que está sendo construída no Pará.

Com a instalação temporária do Hospital de Campanha da Força Nacional do SUS (HCamp), a pasta afirmou que reforçou o atendimento de urgência e emergência para moradores e visitantes. O hospital conta com 144 profissionais voluntários garantindo o atendimento de baixa e média complexidade, em regime de porta aberta à população. Estrutura é capaz de atender 200 pacientes por dia.

Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, o Centro Integrado de Operações Conjuntas da Saúde (CIOCS), ativado na semana passada, funciona como núcleo estratégico de vigilância e coordenação das ações de saúde durante toda a COP30, operando 24 horas por dia com o monitoramento em tempo real de ocorrências, análise de dados e mobilização imediata de equipes de resposta.

“É importante destacar que cabe às Secretarias Estadual e Municipal de Saúde a gestão da rede referenciada”, acrescentou o órgão do governo federal.

 

Continua depois da publicidade
Propaganda
Advertisement