CIDADES
‘A COP30 vai acabar, mas a gente vai ficar’: COP das Baixadas traz periferias de Belém para o debate climático

A realização da COP30 na Amazônia surgiu com a proposta de trazer os povos da região como protagonistas do debate climático internacional. Mas edições anteriores da Conferência do Clima evidenciaram a dificuldade de acesso da sociedade civil a esses espaços de decisão. Em resposta ao apagamento de vozes periféricas nos eventos climáticos, um grupo de organizações de Belém e da Região Metropolitana se reuniu para criar a COP das Baixadas.
O nome do projeto remete ao vocabulário regional. No Pará, a periferia não é referida como ‘favela’ ou ‘quebrada’, mas como ‘baixadas’. O termo faz referência ao relevo da cidade que é majoritariamente plano, e onde parte da população vive abaixo do nível do mar.
- Esta reportagem faz parte da série Quebrada Sustentável, que aborda iniciativas de sustentabilidade dentro de comunidades periféricas no Brasil. O Terra conheceu projetos criados ou desenvolvidos pela própria população em Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Branco.
A historiadora e ativista Ruth Ferreira, cofundadora da COP das Baixadas junto do produtor cultural Jean Ferreira da Silva, conta que a ideia original era chamar o projeto de “COP do Jurunas”, bairro natal da dupla, onde também fundaram o espaço multicultural Gueto Hub. Porém, logo ficou claro que as necessidades e desafios que motivaram a mobilização eram uma realidade compartilhada com outras áreas periféricas da cidade. Atualmente, a coalizão reúne 10 projetos voltados para a realização de conferências anuais, além de ações continuadas de educação climática e social.
“Desde a COP27 a gente tem acompanhado as conferências e a gente verificou que a população não se envolvia. Na época, era só uma possibilidade a COP30 vir para Belém, a gente ficava pensando: como é que a gente vai fazer para a sociedade civil ter acesso a esses espaços?”, conta Ruth.
Três edições de debates e educação climática
A primeira “Conferência das Baixadas” começou a ser planejada em 2022 e ocorreu no ano seguinte, com exposições e espaços de debate divididos em três eixos temáticos: “Direito à Cidade”, “Comunicação” e “Clima e Sociedade”. “Nasceu tudo de uma forma muito genuína, porque a gente queria entender como a crise climática estava afetando o nosso território”, explicou a cofundadora do projeto.
Desde lá, o evento cresceu com maior participação da sociedade civil, e teve mais duas edições, em 2024 e 2025. A última delas, realizada em agosto deste ano, reuniu mais de 700 pessoas e teve como espaço principal o Núcleo de Oficinas Curro Velho. A importante fundação cultural fica na comunidade da Vila Barca, área periférica de Belém, onde boa parte da população vive em casas de madeira e palafitas, e sem acesso a saneamento básico.
O projeto deu origem a iniciativas que extrapolam os três dias de conferência e se transformam em iniciativas para o ano inteiro. É o caso das Yellow Zones, um contraponto às Blue e Green Zones da Conferência das Partes.
“São zonas de envolvimento comunitário. A ideia é que tenham formações continuadas sobre clima, ações continuadas também em relação a esse próprio letramento climático para essas comunidades se sentirem envolvidas nesse sentido de entender o que é o debate climático”, explica Ruth.
Outro destaque dos encontros foram as “desconferências”, debates entre membros da sociedade civil e representantes do poder público em que o tempo de fala maior era dedicado à população, impondo uma dinâmica que coloca representantes do governo no lugar de ouvinte. Em 2025, Ruth explica que surgiu a necessidade de rebatizar a dinâmica para “Tribunal da COP”.
“Com os nossos territórios totalmente afetados pelas obras e todas as coisas negativas que a COP30 trouxe, a gente precisa repensar esse formato. É quando a gente faz os tribunais, em que a gente trouxe casos de verdade para podermos julgar, porque a gente sabe que se não for a gente fazendo essa pressão política, nada é feito”, disse.
Espaços paralelos e debate democrático
A integração entre todos os membros da comunidade é parte indispensável na COP das Baixadas, onde crianças e adolescentes também têm papel de destaque. Além de atividades culturais e oficinas, o “Tribunal das Crianças”, realizado na Conferência deste ano, abriu espaço para que elas deixassem a sua contribuição.
Mediador do espaço, o jovem ativista ambiental Esmael Tavares, de 14 anos, destaca a importância dessa participação e lembra o que o motivou a participar do movimento desde os 10 anos. “A COP das Baixadas é um espaço que não é só para juventude, não é só para organizações em si que são da sociedade civil, mas sim é para toda a periferia, é para toda a sociedade”, afirma.
Uma pequena delegação da coalizão vai estar presente na Blue Zone da COP30, espaço onde ocorrem as negociações climáticas, além de participar de eventos da Green Zone, que será aberta ao público. No entanto, a cofundadora do projeto destaca a importância dos eventos paralelos que serão promovidos pela comunidade amazônica em outros espaços da cidade.
“A grande sacada de poder fazer uma COP dentro de um país democrático é que a gente vai ter muitos espaços populares. Então, por mais que a sociedade civil não consiga estar toda dentro da COP30, tem tantos outros espaços que vão estar em pleno funcionamento pra gente conseguir reivindicar”, defende Ruth.
“A COP vai acabar, mas a gente vai ficar e a gente quer deixar isso muito nítido para todo mundo que estiver passando por aqui, porque a gente sabe que vai continuar defendendo os territórios e nenhum desses movimentos que acontecem nascem por causa da COP30. A gente nasce porque a gente quer melhorar a nossa vida e a vida dos nossos.” – Ruth Ferreira, cofundadora da COP das Baixadas
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