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Após dois anos de queda, violência em condomínios volta a crescer em São Paulo e bate recorde de 2022

Após dois anos de queda, os casos de violência em condomínios na cidade de São Paulo voltaram a crescer nos sete primeiros meses de 2025 e já ultrapassaram o recorde registrado em 2022, segundo um levantamento exclusivo realizado pela reportagem do Terra, com base em dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.
Foram analisadas as ocorrências na capital paulista dos últimos cinco anos. Entre janeiro e julho de 2020 –início da pandemia de covid-19–, foram registrados 985 casos de violência em conjuntos residenciais e moradias compartilhadas. O pico foi computado em 2022, com 1945 boletins de ocorrência no mesmo período, seguido de dois anos de quedas. Mas, em 2025, o número saltou para 1.952 ocorrências –quase o dobro de 5 anos atrás.
Ao todo, de acordo com o levantamento, nos últimos cinco anos, foram contabilizados 9.338 casos de violência em condomínios, o que equivale a cerca de cinco registros por dia em delegacias de São Paulo.
Embora a lesão corporal tenha contabilizado 941 ocorrências e tenha assumido a liderança dos casos de violência em condomínios em 2025 –um aumento de 31% em relação ao mesmo período de 2024–, em números absolutos, ou seja, considerando os cinco anos analisados pela reportagem, a injúria segue como o delito mais recorrente, tendo no total de 3.963 ocorrências, contra 3.702 de lesão corporal.
A troca de ofensas também tem se tornado cada vez mais comum entre moradores de condomínios. De janeiro a julho de 2020, foram registrados 496 casos. Em 2021, houve um aumento de 11% nos registros de injúria (549 casos). Mas a situação se agravou a partir de 2022, quando foram lavradas 916 ocorrências no mesmo período.
Em 2023, quando a parcela da população estava vacinada e a pandemia de covid-19 controlada, 686 casos de injúria foram registrados nos sete primeiros meses, o que representou uma queda na troca de xingamentos entre vizinhos.
O declive continuou em 2024, que teve 605 registros. Os números representam uma clara queda de 25% e 12% com relação aos respectivos anos anteriores.
Em uma nova crescente, o início de 2025 já atingiu o número de 711 casos, o que representa aumento de 43,3% na violência verbal em relação aos anos anteriores. Seguindo essa projeção, a expectativa é que o ano termine batendo recorde.
Outros delitos em condomínios
- Lesão corporal: Em 2020, foram registrados 272 casos; número este que cresceu para 331 em 2021, representando aumento de 22%. Em 2022, ano da pandemia, o aumento na agressão física foi de 124%, com número absoluto de 740 casos. No ano seguinte, a violência física registrou uma leva queda de 5%, com 701 casos, mas voltou a crescer em 2024 e 2025, com 717 e 941 boletins de ocorrência, consecutivamente.
- Calúnia: Em 2020 e 2021, foram registrados 57 e 68 casos, o que demonstrou aumento de 11%. Apesar do crescimento, o número ainda era relativamente baixo. Mas, em 2022, o índice passou a marca de 100 casos e, mesmo quando houve queda em 2024, não registrou menos do que a centena alcançada. Em 2025, foram computados 136 casos, recorde no período.
- Difamação: Enquanto entre janeiro e julho de 2020, foram registrados 85 casos, no mesmo período de 2025, foram computados 159 boletins de ocorrência na capital paulista.
De acordo com o Código Penal, calúnia é acusar alguém de um crime que não cometeu, enquanto difamação é imputar um fato ofensivo à reputação de alguém, mas que não é crime.
Entenda as razões por trás da ‘pandemia de conflitos’
Para a psicanalista Cintia Castro, a pandemia de covid-19 é um dos fatores que endossam o aumento de casos de violência em condomínios. Segundo ela, o fato de as pessoas ficarem mais em casa, fez com que tivessem mais ‘tempo para se incomodar com o próximo’. Ela crê também que a crescente que vivemos após a crise sanitária é uma sequela, visto que ‘as pessoas perderam um pouco o traquejo social’.
“Quando veio a pandemia, a gente tem a percepção que as pessoas se uniram, pois tinha-se o medo da morte. Mas, após isso, a sensação que temos é que as pessoas estão mais desgastadas, estão ficando fora do seu equilíbrio com mais facilidade. Não dá para colocar a culpa só nela, mas dá para dizer que foi um fator agravante para este aumento”.
Para além do fator correlato da pandemia, que obrigou as pessoas a conviverem por mais tempo, outro fator que pode explicar o aumento da violência em condomínios é o constante aumento de moradias compartilhadas em São Paulo.
Conforme um laudo divulgado pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM), com dados coletados entre 2000 e 2020, a cidade possuía mais apartamentos do que casas em seu perímetro há anos. Em 2020, por exemplo, as unidades de apartamentos já representavam 1,38 milhão dos imóveis da cidade, enquanto casas horizontais eram cerca de 1,37 milhão.
Corroborando a informação, em 2024, o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que o Estado de São Paulo possuía 4,8 milhões de condomínios em seu território, sendo 1.958.072 deles com mais de 100 unidades habitacionais cada um.
Com isso, é fato que estamos tendo que conviver cada vez mais ‘colados’ a nossos vizinhos e, digamos, em comunidades mais populosas, o que pode explicar a ‘pandemia de conflitos’ em condomínios que está estampando não apenas o noticiário paulistano.
Para Renato Daniel Tichauer, presidente da Associação de Síndicos de Condomínios Comerciais e Residenciais do Estado de São Paulo (Assosíndicos), os conflitos em condomínios realmente estão crescendo, mas não apenas por causa da verticalização.
“Infelizmente, tudo indica que com o surgimento da covid-19, as pessoas esqueceram-se de como se deve conviver em harmonia com os seus vizinhos. Direitos e deveres devem ser cumpridos por todos! Obviamente dependendo do vizinho e de você, pode haver uma boa convivência, mas sempre respeitando os limites”.
Como pode-se resolver?
Renato reconhece que muitas vezes não há solução rápida ou totalmente eficaz para a violência nos condomínios. Porém, ele aconselha que síndicos procurem orientar seus condôminos. Ele até sugere a realização de palestras sobre convivência.
É preciso conscientizar os novos condôminos, que nem sempre tem a cultura do que é viver e conviver em condomínio. [Explicar] que deve-se preservar o bom senso e o direito de vizinhança. Afinal, direitos e deveres devem ser cumpridos por todos” — Renato Daniel Tichauer
O presidente da Assosíndicos ainda enfatiza que ao sinal de qualquer tipo de violência dentro do condomínio, em área comum ou unidade autônoma, uma autoridade maior deve ser acionada. Em casos que multas e advertências não tenham efeito, existem recursos para garantir a ordem. “Em situações extremas, pode-se analisar a possibilidade de aplicação do artigo do condômino antissocial, avaliando a possibilidade de expulsar a pessoa do condomínio”. Se diálogo, reconciliação ou multa falharem, Renato ele aconselha recorrer à Justiça.
