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Clima “caótico”: entenda três fatores que podem ter feito avião cair
O avião ATR-72 da VoePass que caiu em Vinhedo, no interior de São Paulo, na última sexta-feira (9/8), matando 62 pessoas, enfrentou uma zona meteorológica altamente crítica por nove minutos, pouco antes da queda. Essa é a conclusão do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), após combinar imagens de satélites e radar associadas às coordenadas geográficas da rota do voo.
Entre 13h10 e 13h19, a aeronave reduziu a velocidade e atravessou nuvens supercongeladas de até -40°C, de acordo com o meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Lapis. Segundo ele, a aeronave trafegava sob condições meteorológicas “caóticas”.
De acordo com a Força Aérea Brasileira (FAB), a partir das 13h21, a aeronave não respondeu às chamadas do Controle de Aproximação de São Paulo, tampouco declarou emergência ou reportou estar sob condições meteorológicas adversas.
Às 13h22 – um minuto depois do horário do último registro –, a altitude estava em 1.250 metros, uma queda de aproximadamente 4 mil metros.
O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) informou que o “Salvaero” foi acionado às 13h26 e encontrou a aeronave acidentada dentro de um condomínio.
O relatório técnico preliminar da FAB sobre a causa do acidente aéreo deve ficar pronto em 30 dias.
O Lapis identificou três possíveis cenários meteorológicos que podem ter contribuído para a queda do avião: turbulência, formação de gelo e ciclone extratropical e fumaça de queimadas.
Turbulência e água supercongelada
Imagens de satélite mostram que a aeronave enfrentou um sistema frontal de turbulência formado por nuvens do tipo Cirrocumulus (veja na primeira imagem abaixo). Esse tipo de nuvem se forma em decorrência de muita umidade, nos altos níveis da atmosfera.
Em razão da turbulência muito severa, a primeira grande oscilação da aeronave ocorreu às 12h52, quando a velocidade foi reduzida bruscamente de 529 km/h para 398 km/h (como consta na segunda imagem).
“À medida que se aproximava do destino, a aeronave enfrentou muitas perturbações e variações na composição das nuvens complexas. Áreas com formação de gelo, nuvens mais altas e nuvens mais baixas. Houve uma grande variação nas temperaturas e nas condições de pressão”, analisa o meteorologista.
Na área em vermelho da segunda imagem (veja acima), havia água supercongelada, gotículas de gelo ou cristais de gelo. No ponto destacado, a temperatura estava em cerca de -38ºC.
A história da aviação e dos acidentes aéreos mostra que a formação de gelo pode causar danos ao motor e a outros dispositivos cruciais da aeronave, devido ao processo de resfriamento.
Também há casos em que essa condição afeta negativamente a capacidade de detecção de pressão do ar dos tubos de Pitot, usados para medir a velocidade do ar. Existe ainda a possibilidade de alguns sensores terem sido alterados pelo gelo, apresentando, por exemplo, dados de velocidade divergente da real e confundindo os pilotos.
Ciclone extratropical e fumaça de queimadas
Um ciclone extratropical que se formou sobre o Uruguai e o Rio Grande do Sul na manhã da sexta-feira (9/8) fez com que mais umidade fosse injetada, na retaguarda, sobre a região do acidente.
Segundo Humberto, isso tornou a condição meteorológica ainda mais caótica, como pode ser observado na imagem do satélite GOES (veja na primeira imagem abaixo), processada pelo laboratório.
A imagem de composição colorida (veja na segunda imagem acima) mostra nuvens sobre o nordeste de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, estendendo-se para o oceano Atlântico. Em amarelo e ciano, está identificado o ciclone extratropical. Essas nuvens estão associadas ao deslocamento de uma frente fria, uma massa de ar frio e seco, de origem polar, que fez as temperaturas declinarem.
Além dessas perturbações, o avião ainda atravessou ventos muito intensos, com velocidade em torno de 53 km/h, vindos da Amazônia. Esses ventos eram adversos, pois empurravam a aeronave. É possível verificar na segunda imagem, do satélite GOES-16, que as barbatanas na cor roxa representam esses ventos fortes, no interior de São Paulo, classificados com alta pressão.
Já a fumaça das queimadas (veja na terceira imagem acima) trazida para o Sudeste, pelo ar seco da Amazônia, ficou nos altos níveis da atmosfera, em forma de aerossóis. Segundo o laboratório, isso tornou a água ainda mais fria e líquida, transformando-a em gelo e possivelmente deixando a aeronave mais pesada.
Embora tenham reduzido a intensidade da chuva, esses aerossóis fizeram cair ainda mais a temperatura da água, que se transformava em gelo. Dessa forma, mesmo sendo uma frente fria de inverno, houve muita convecção, que são nuvens verticais, que poderiam já conter gelo.