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CIDADES

Com índice de violência maior que no Rio de Janeiro, ‘geografia’ chama atenção em Salvador

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Bonitinha, mas ordinária? Quem vê o título de destino turístico mais desejado pelos brasileiros, que Salvador recebeu em 2024, custa a acreditar que a capital baiana lidera em outros índices muito menos atrativos. Ano após ano, a violência tem ganhado contornos mais definidos na terra banhada pelas calmas águas da Baía de Todos-os-Santos.

No último mês de janeiro, Salvador e Região Metropolitana tiveram mais que o dobro das mortes por arma de fogo em comparação com a cidade do Rio de Janeiro, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado. Ainda assim, a capital fluminense costuma ser mais associada à sensação de insegurança.

Pesquisador da área de segurança pública desde 2009, o sociólogo Antônio Lima percebe uma diferença clara na forma como a violência se apresenta nessas capitais. As distinções, para ele, estão relacionadas às geografias dessas cidades e a quem é atingido pela violência.

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“A violência no Rio de Janeiro desce para o asfalto com muita frequência e ela ganha visibilidade muito maior; as favelas do Rio estão muito próximas dos pontos atrativos para os turistas. O que acontece na Bahia é bem diferente, especialmente em Salvador e Região Metropolitana”, explica ele, que é mestre pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). “Os mercados de drogas, como eles não estão implantados em morros, onde você tem maior dificuldade de acesso, eles são móveis e, com menor frequência, o crime, a violência expressiva, desce para a orla de Salvador”.

Quando chega aos pontos turísticos, a violência em Salvador não atinge a mesma comoção que no Rio. O entorno do Farol da Barra, por exemplo, já figurou no noticiário com mortes impactantes. Restos mortais de um homem foram encontrados em um isopor no Porto da Barra, em julho do ano passado. Já em dezembro do mesmo ano, o corpo de uma mulher foi achado em frente ao letreiro escrito “SSA”, localizado próximo ao Farol da Barra. Em nenhum dos casos as vítimas foram identificadas.

No bairro de mesmo nome, desta vez no Rio de Janeiro, um outro crime: um médico baiano foi morto em um quiosque, ao ser confundido com um miliciano, em outubro passado. A repercussão durou meses – e ainda continua. A diferença entre as situações é que, no Rio, segundo o especialista em segurança, a violência atingiu pessoas com nome, sobrenome e endereço fixo.

“O crime, para assustar, para desencorajar pessoas, ele precisa ter visibilidade”, diz o sociólogo Antônio Lima.

O Sudeste exporta criminosos?

Salvador, e a Bahia como um todo, é um mercado em disputa para grupos que vendem armas e drogas. As “organizações criminais”, como prefere chamar o sociólogo Antônio Lima, são extremamente fragmentadas no estado. Ele estima que haja de 15 a 20 organizações do tipo atuando em todo o território baiano.

“Desde o ano de 2004, começa um processo de fragmentação que termina se amplificando a partir do ano de 2009. Na Bahia, há várias organizações criminais em disputa, em guerras urbanas por controle territorial e por controle dos mercados de drogas”, reforça Lima.

Coordenador da Rede Observatório da Segurança na Bahia, Eduardo Ribeiro acrescenta que a chegada de organizações do sudeste brasileiro, especificamente São Paulo e Rio de Janeiro, acirrou as disputas locais.

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“Algumas organizações são absorvidas e alguns conflitos existentes fora do contexto baiano passam a fazer parte do que ocorre no estado devido a essa reorganização geopolítica das organizações criminais”, explica ele.

Lima acrescenta que essas organizações criminais estão ligadas principalmente ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e ao Comando Vermelho (CV), que teriam influência sobre a Bahia desde o início dos anos 2000. O Bonde do Maluco (BDM), ligada à organização paulista, é apontada pelo sociólogo como a maior em termos de dominação territorial do estado.

A Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) foi procurada para comentar o atual arranjo do crime organizado no estado, mas não respondeu aos questionamentos até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.

Dissonância de dados

Os dados do Instituto Fogo Cruzado são obtidos de três fontes: via usuários, por meio do aplicativo e redes sociais; via imprensa; e via informações públicas dos órgãos de segurança. Segundo informado pela entidade, uma vez notificado sobre um tiroteio, o analista do Fogo Cruzado checa a veracidade da informação antes de cadastrá-la no banco de dados.

“Uma vez notificado sobre um tiroteio, o analista do Fogo Cruzado checa a veracidade da informação, segundo os critérios pré-estabelecidos na metodologia, antes de cadastrá-la no banco de dados. Nessa etapa, os analistas buscam analisar uma série de características dos episódios de violência armada, bem como avaliam marcadores geográficos e temporais para evitar duplicações”, informa o instituto ao Terra.

Ainda assim, há uma dissonância entre os dados oficiais divulgados pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP) e do Instituto. A SSP diz que Salvador apresentou redução de 12,6% nas mortes violentas, na comparação entre janeiro de 2024 e o mesmo período de 2023. Na Região Metropolitana, a redução foi de 20,3%. Em números absolutos foram 76 mortes violentas na capital baiana e 47 em seu entorno, segundo a SSP.

A Polícia Militar da Bahia se tornou a mais letal do Brasil, segundo o último Anúario da Segurança Pública
A Polícia Militar da Bahia se tornou a mais letal do Brasil, segundo o último Anúario da Segurança Pública

Foto: Divulgação/PMBA

A diferença entre as bases dificulta a correlação entre as duas fontes de dados. Por um lado, a SSP considera todas as mortes violentas, enquanto o Fogo Cruzado apenas aquelas com arma de fogo. Assim, mesmo frisando que houve aumento de 47% na letalidade armada na Grande Salvador, o número de mortes ainda é menor que a soma dos dados fornecidos pela SSP.

Dados da violência

Mas, para Antônio Lima, não há dúvidas de que Salvador esteja mais violenta que o Rio de Janeiro. Os dados das organizações independentes reforçam isso: segundo o relatório de janeiro do Fogo Cruzado, a Grande Salvador registrou 116 pessoas mortas por arma de fogo contra 57 ocorrências computadas pelo mesmo instituto na capital fluminense.

A informação vai ao encontro dos dados que foram divulgados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023. A polícia baiana se tornou a mais letal do país, desbancando a polícia fluminense, que historicamente ocupava essa posição nos anos anteriores. Foram 1.464 mortes em intervenções policiais na Bahia, contra 1.330 no Rio.

Em um estado governado há quase 16 anos por um partido de esquerda, os especialistas em segurança pública ouvidos pelo Terra consideram que é preciso uma mudança drástica na forma como a polícia se organiza.

“Desde a redemocratização, o campo progressista à esquerda não conseguiu construir um projeto alternativo de segurança pública ou dos militares para apresentar e discutir na sociedade. Ficamos, assim, reféns dessa lógica militarizada de pensar em segurança”, argumenta o historiador Eduardo Ribeiro, especialista em estratégias e políticas públicas.

Ele, assim como o sociólogo  Antônio Lima, reforça que a violência em Salvador está localizada principalmente nas periferias, em especial as operações policiais que terminam em mortes. “A violência é distribuída racialmente e isso também quer dizer que ela é distribuída geograficamente”, conclui.

Ribeiro é coordenador da Rede Observatório da Segurança na Bahia, organização parceira do Fogo Cruzado. O mapeamento divulgado pelo instituto, no balanço referente ao mês de janeiro, reflete o que ele diz: todos os bairros que lideram os números de tiroteio estão distantes das áreas turísticas ou nobres da cidade.

Os dois pesquisadores ouvidos pela reportagem tratam a desmilitarização da polícia como o primeiro passo para alcançar as mudanças nos índices de violência. Na avaliação de Lima, a transformação das polícias em civis, desvinculadas de hierarquias e das Forças Armadas, deve ser considerada a solução para a realidade brasileira.

“Seria uma polícia que tivesse apenas uma porta de entrada e toda uma carreira desenvolvida a partir de elementos específicos e que cumprisse o ciclo completo, com policiamento ostensivo, investigação, e também o policiamento fardado, que é o policiamento que já conhecemos”, sugere Antônio Lima.

Outra iniciativa para reverter os números da violência é a incorporação de câmeras no fardamento dos policiais baianos, para conter excessos nas ações policiais. Procurada, a SSP-BA informou apenas que as câmeras serão instaladas em março deste ano.

No âmbito federal, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, apresentou, no final de fevereiro, então como senador, um projeto que determina a obrigatoriedade do uso de câmeras nos uniformes dos profissionais de segurança privada. O PL 285 de 2024 ainda está em fase de apresentação de emendas.

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