CIDADES
Conheça a rotina da 1ª escola lixo zero de SP, que é finalista de prêmio internacional
Ao entrar na escola municipal Leonor Mendes Barros, em Santos, no litoral de São Paulo, é difícil não reparar nas árvores frutíferas cercadas por um gramado bem verde, mesmo num dia chuvoso. Logo o som das crianças brincando no pátio toma conta do ambiente. Mas o que mais chama atenção mesmo são as lixeiras que fogem do comum espalhadas por todos os cantos. Elas, assim como as composteiras, ganham tanto destaque quanto os livros na educação dos alunos de 3 a 6 anos.
Apesar da pouca idade, os pequenos lidam com a separação dos lixos como algo natural. Sabem exatamente qual tipo de material pode ser reciclado e qual deve ser descartado, mas não só porque as lixeiras são marcadas com cartazes que mostram onde deve ir o reciclável e onde deve ir o orgânico. De uma forma lúdica, a prática sustentável é incluída no conteúdo programático e, principalmente, na rotina escolar.
Localizada no bairro Gonzaga, a escola de ensino infantil aderiu ao projeto Escola Lixo Zero em 2022, e, agora, é finalista no prêmio internacional Meu Pátio é Mundo, iniciativa da Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar (Omep), que visa reconhecer ações sustentáveis aliadas à educação e reciclagem de resíduos.
“É um sentimento de que estamos fazendo algo correto, que estamos formando uma nova geração, de crianças tão pequenas, já de uma forma integral, pensando na natureza, pensando na saúde, na alimentação, no espaço coletivo. Então isso nos traz muito orgulho e muita felicidade”, diz Márcia Calçada, diretora da escola.
1ª de São Paulo e 2ª do país
Tudo começou a partir da ideia de desviar o lixo do aterro sanitário e reciclar todo (ou pelo menos quase todo) o material utilizado. Atualmente, dentro da própria escola, que ocupa uma quadra inteira do bairro, é realizada a compostagem de todo o material orgânico que sobra após o preparo da merenda. Também são recicladas pilhas, eletrônicos, óleo, plásticos e muito mais.
Além da área verde com árvores nativas e frutíferas, a escola também tem duas hortas, onde as crianças aprendem a cuidar da terra. A compostagem é uma das principais atividades, que é realizada pelos funcionários com a ajuda dos alunos, que acompanham todo o processo, até a obtenção do adubo orgânico, produto da compostagem dos restos de alimentos.
Em 2022, a escola recebeu o certificado de primeira Escola Lixo Zero de São Paulo, e a segunda de todo o Brasil. O documento foi emitido pelo instituto Lixo Zero Brasil, que apurou, por meio de auditoria, que a escola conseguiu destinar corretamente 97,6% dos seus resíduos, evitando a formação de mais de uma tonelada de CO²eq (medida para comparar emissões de gases de efeito estufa).
Em parceria como o Instituto Lixo Zero Baixada Santista, as práticas sustentáveis foram implementadas na escola até que o projeto caminhasse sozinho. Atualmente, são feitas visitas quinzenais, para auxiliar na manutenção do projeto. Nas vistorias, os descartes são analisados e ajustes são recomendados para evitar que os resíduos tenham a destinação incorreta.
Juciara Oliveira é vice-presidente do Instituto Lixo Zero Baixada Santista. Ela diz que o projeto foi implementado na escola em 9 meses. “A gente vinha aqui duas vezes por semana no início, e depois a gente passou a vir de 15 em 15 dias”, conta. Após a certificação de Escola Lixo Zero, a unidade municipal de ensino pôde caminhar sozinha.
Como funciona o descarte do lixo?
O material reciclável fica armazenado em big bags –grandes sacos de lona– que são coletados por cooperativas parceiras do projeto, para que tudo seja reciclado. Os big bags são enchidos diariamente com o que os alunos e funcionários da escola descartam nas lixeiras, que são sinalizadas de acordo com o tipo de material que ali pode ser jogado, como papéis e plásticos limpos.
Próximo às salas de aula, há ainda uma estação com coleta de tampinhas plásticas, blisters de medicamentos, embalagens de aerossóis e óleo, além de uma composteira educativa.
Já os materiais orgânicos –como cascas de frutas e restos de comida– são jogados em outro cesto. Esse tipo de resíduo é manejado para baldes, e depois, vai para a composteira. As composteiras são como camas de terra e folhagens que recebem o resíduo orgânico. Nos locais destinados para este fim, o material se decompõe e gera o adubo.
Toda segunda, quarta e sexta-feira, o resíduo orgânico é colocado dentro das composteiras, que são abertas, recebem o material, que é misturado à terra. Ao final, tudo é fechado e coberto com folhagens secas para evitar a proliferação de insetos ou pragas. Ao contrário do que se pode imaginar, não há mau cheiro ou qualquer inconveniente causado pelas composteiras na escola.
Todo o material que é depositado nas composteiras é pesado pelos funcionários da escola e tem a temperatura medida. O controle é anotado em um caderno para a fiscalização do Instituto Lixo Zero nos dias de visita à escola. Assim, é possível saber quanto material está sendo compostado.
O produto final da compostagem é utilizado nas plantas e hortas da escola, além de ser distribuído para as famílias dos alunos.
Todo o processo também foi desenvolvido para reduzir o uso de sacos plásticos nas coletas. “Nós dividimos os baldes entre recicláveis e o baldo de rejeitos, que é pequeno, porque o rejeito é em menor quantidade. Então o balde reciclável é maior”, conta a educadora ambiental. Os baldes de rejeitos são os únicos que possuem saco plástico dentro.
Conscientização de alunos, funcionários e pais
Juciara explica que além da conscientização dos alunos, também foi fundamental que os profissionais que atuam na escola e lidam com a limpeza também fossem treinados para aprender sobre a reciclagem e compostagem.
“A escola abraçou muito bem o projeto, e as crianças levam para as famílias. É legal criar essa consciência desde cedo, porque eles são muito pequenininhos. Uma frase que eu aprendi e levo para a vida é que não existe o ‘jogar fora’ quando o planeta é a nossa casa. Onde é o ‘fora’? Estamos jogando no planeta, e isso vai voltar para nós”.
Juciara defende a importância de iniciar o projeto dentro de escolas de educação infantil. “É mais difícil conscientizar adultos. As crianças estão aprendendo agora, elas são capazes, e a gente pode fazer um belo trabalho com elas, transformando a forma de verem o mundo. O respeito com a natureza é necessário, e eu vejo isso como uma quebra de paradigmas”, completa.
Educar para evoluir
A diretora da escola, Márcia Calçada, conta que o projeto Escola Lixo Zero já funciona de maneira “automática” dentro da UME Leonor Mendes Barros. “Nós já fizemos muita sensibilização com os profissionais, com as crianças e com as famílias, então, basicamente, a gente arrecada tampinhas de garrafa plástica, óleo usado, pilhas, esponjinhas, fazemos uma arrecadação parcial de alguns elementos recicláveis para entusiasmar, para garantir a participação das famílias e das crianças no projeto. E aí, dentro da escola, todo o resíduo produzido é separado.”
Antes do projeto, a escola já tinha planos para reduzir o descarte, diz a diretora. Márcia ressalta que já havia a horta e alguns itens já eram arrecadados para reciclagem, e assim que a unidade de ensino foi escolhida por meio da Secretaria de Educação de Santos para entrar para o projeto “deu match”.
“A participação de todos da comunidade escolar é muito efetiva. Muitas pessoas colaboram com os itens recicláveis. Os professores trabalham de forma muito lúdica, por meio de brincadeiras com as crianças essa sensibilização para a sustentabilidade, para a necessidade de reduzir, de reutilizar. Os funcionários também entenderam o objetivo, a metodologia, e, hoje em dia, já é automático. É raro você ver alguma coisa fora do lugar correto. A gente tem essa conscientização do Lixo Zero nos eventos também. Festa junina, festa de aniversário, dia das crianças, todos os eventos”.
A participação dos pais dos alunos também é fundamental para o bom andamento do projeto. “Eles colaboram com o projeto, e as crianças contam muitas coisas para os pais. E nos eventos a gente faz sempre questão de divulgar”, afirma a diretora, que ressalta a importância de levar a sustentabilidade como política pública nas escolas.
“Todas as escolas deveriam, a meu ver, ter como base essa formação da sustentabilidade, da educação ambiental e sustentável que reflete na cidadania. Então, uma escola que tem a função de educar, se ela não separa o seu resíduo, não recicla o seu lixo, não faz o que deveria fazer fundamentalmente, que é educar para a subsistência, principalmente nesse momento, nessas questões climáticas tão evidentes no nosso planeta.”