CIDADES
Em família ferroviária de SP, mãe dirige trens enquanto a filha controla os trilhos

Colocadas lado a lado, ninguém diz que são mãe e filha, seus tipos físicos são diferentes. Mas estão inevitavelmente ligadas pelo sangue, pelo afeto e pelos trilhos: a mãe é maquinista e a filha controla o tráfego de trens em São Paulo e Região Metropolitana.
Ivanilda Almeida de Souza, 49 anos, “pilota” composições da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM); a filha, Isabelle Souza Pereira, 26 anos, é supervisora do Centro de Controle Operacional (CCO) das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda.
Ambas são pioneiras: a mãe, que entrou na CPTM passando em concurso para bilheteira, é uma das primeiras maquinistas da empresa, atua há 25 anos; a filha é a primeira mulher a supervisionar a operação de duas linhas responsáveis por transportar 1 milhão de pessoas por dia.
A mãe, caçula de oito filhos, nasceu e mora em Osasco, na divisa com Carapicuíba, cidades vizinhas de São Paulo. Teve seus perrengues e fez seus corres. Chegou a viver num barraco no Jardim Aliança. Mas foi à luta e, durante a entrevista, vai listando os dois cursos superiores e a pós-graduação. É quando a filha interrompe o depoimento da mãe pela primeira vez.
O poder feminino de “pilotar” um trem
“Ela não gosta de falar, mas é preciso pontuar: essa época foi muito difícil. No concurso do metrô, ela teve que escolher entre pagar a inscrição e comprar outras coisas. Teve força de vontade em arriscar, querendo evoluir. Abriu mão de algo para galgar novos espaços”, relata a filha.
Concursada, a vida da mãe começou a mudar. O casal de filhos foi para uma boa escola conveniada, logo Nilda fez concurso interno, passou a maquinista e saiu da favela. “Como eu sempre trabalhei por escala, ia trabalhar de madrugada deixando criança com três meses. Graças a Deus, contei com uma rede de apoio com mãe, irmãs.”
Em 2018, fica sabendo de oportunidade em concurso para maquinista e avisa a filha, que passa na seletiva. Agora, as duas dirigiam trens. Isabelle passou a vivenciar sensações conhecidas da mãe, como “quando nasce o sol e você está levando aquele monte de gente que vai para a escola, para o trabalho, ajudando a construir a cidade. Eu me sinto muito poderosa”.
A filha vai na mesma linha. “É um poder incrível. O importante é a representatividade: éramos seis maquinistas entre mais de duzentos condutores. Eu era a mais nova, tinha 19 anos. Eles me chamavam de neném. No Uber, perguntavam se eu era estagiária, eu respondia que não, era maquinista. As pessoas não acreditavam”.
“Nilda, sua filha está falando no rádio”
Nos dez meses em que Isabelle atuou como maquinista, ouvia pelo rádio as conversas dos controladores e ficava fascinada. “Sou uma pessoa muito analítica e imaginava como era incrível controlar tudo aquilo, os trens, as pessoas, a manutenção, os seguranças”.
Não deu outra: foi para o Centro de Controle Operacional (CCO), inicialmente no controle de tráfego. Adorou aquela sala com gente usando fone de ouvido, monitorando dezenas de telas, às voltas com gráficos e sinais coloridos da operação. Isabella passou a falar pelo rádio, enquanto a mãe ouvia do trem.
A relação direta no trabalho durou pouco. Mas isso, claro, não as afastou, até porque moram juntas até hoje. E juntas irão, com outros familiares, fazer um churrasco de Dia das Mães no parque Cemucam, localizado na rodovia Raposo Tavares, que sempre frequentaram – quando criança, a mãe ia a pé de Carapicuíba até lá.
Dia das Mães no parque
O único momento em que a filha chora e a mãe segura a emoção é quando lembram que, pela primeira vez, passarão o Dia das Mães sem a avó, falecida recentemente. Mas essa tristeza é um sentimento natural, e elas logo retomam a entrevista.
A mãe deve se aposentar em breve. A filha, que faz faculdade de programação de computadores, quer seguir adiante. Os degraus superiores da carreira estão na ponta da língua de Isabelle. Mesmo que dona Nilda se aposente enquanto a filha avança, continuarão juntas no corre social.
Dona Nilda é envolvida em projetos, sobretudo de combate à violência contra mulheres. “Desde a primeira vez que ouvi uma mulher e ela me contou que só precisava de alguém para falar, percebi que era um caminho para mim. É muito emocionante, gratificante poder ajudar”. A filha acompanha a mãe em mais esta trilha. Ou seria trilho?
