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CIDADES

Estudantes viram super-heróis e criam ‘Esquadrão Antiplástico’ para ressignificar descarte de lixo no Acre

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A mesma cena se repete todos os anos em Rio Branco (AC), durante o inverno amazônico [entre dezembro e maio]: chuvas intensas, falta de energia elétrica e inundações de rios e igarapés [riachos que nascem na mata e deságuam em rios]. E as mudanças climáticas têm intensificado ainda mais os efeitos do período mais chuvoso da região, que são ainda mais significativos para os moradores de bairros mais longínquos.

  • Esta reportagem faz parte da série Quebrada Sustentável, que aborda iniciativas de sustentabilidade dentro de comunidades periféricas no Brasil. O Terra conheceu projetos criados ou desenvolvidos pela própria população em Salvador, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Rio Branco.

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Em Rosalinda, distrito localizado às margens do Igarapé Judia e distante do centro da capital acreana, os transtornos das inundações vão muito além das águas. Os resíduos descartados inadequadamente parecem se multiplicar pelo bairro, potencializando o risco de doenças transmitidas por animais e insetos, como ratos e mosquitos. E o principal vilão é o plástico.

“A comunidade tem muito descarte inadequado de lixo e falta de conscientização sobre o problema que o plástico causa ao meio ambiente. A população não tem essa conscientização dos danos que podem causar a saúde futuramente” — Danuzia Freitas Cavalcante

Danuzia Freitas Cavalcante, de 37 anos, mora em Rosalinda há quatro anos. Mas vive nas redondezas do Igarapé Judia há muitos anos, uma região descrita por ela como “esquecida” tanto pela sociedade quanto pelas autoridades. A acreana, no entanto, viu a realidade da comunidade se transformar pelas mãos do próprio filho de 13 anos, Kauã Cavalcante Aguiar, juntamente com os colegas do 8º ano da Escola Reinaldo Pereira da Silva.

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“Nossa comunidade é muito carente e esquecida pela sociedade e vi que o projeto era um meio de conscientizar a população. Pensei que, com os alunos se envolvendo nisso, os moradores iriam ver e se conscientizar para fazer diferente”, relata Danuzia, que acompanhou cada passo do filho durante o projeto. “Tudo ele compartilhava comigo e com os irmãos em casa”, conta, orgulhosa, ao Terra.

Como ressignificar o plástico?

O projeto intitulado Antiplast Squad (Esquadrão Antiplástico, em português) foi criado em março de 2025.  E, desde então, sob a coordenação do professor Gleison Rafael Queiroz Mendonça, de 30 anos, tem funcionado a partir de ações envolvendo os estudantes da escola pública em parceria com os moradores do bairro Rosalinda.

Ecobag produzida pelo ‘Esquadrão Antiplástico’

Foto: Arquivo pessoal

“A ideia surgiu durante uma aula de Ciências. O principal tópico abordado pelos alunos foi a frequência de enxurradas durante o inverno amazônico. É uma realidade que se agrava muito por conta da deposição de resíduos plásticos em canais de fluxo hídrico”, explica o educador.

De acordo com o professor, os alunos entrevistaram cerca de 100 moradores do bairro para entender a percepção que a comunidade tinha em relação ao descarte do lixo plástico na região. E a conclusão foi que muitos sabem do problema que o acúmulo de plástico traz ao meio ambiente, mas desconhecem soluções viáveis para evitar o dilema.

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“Foi pensando nisso que desenvolvemos uma solução que enfrenta o impacto do descarte plástico na comunidade e no meio ambiente amazônico”, explica o aluno Thiago de Lima Souza, de 13 anos.

Preocupados com as problemáticas da comunidade, Thiago e os amigos propuseram ao professor de Ciências fabricar sacolas e ecobags feitas de plástico biodegradável. A matéria-prima usada para a fabricação inclui resíduos e descarte de frutas e outros vegetais, oriundos da floresta amazônica.

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E o que seria descartado é transformado em biopolímero, o que, segundo o estudante, é uma maneira de aproveitar a riqueza natural da região e promover a inovação sustentável.

“É muito gratificante perceber a preocupação dos alunos com o meio ambiente, além da entrega deles para desenvolver o projeto e fazer mudanças. Eles estão inspirando a própria comunidade e envolvendo todo mundo. São os protagonistas desse processo” — Gleison Rafael Queiroz Mendonça

Abraçando soluções sustentáveis

‘Esquadrão Antiplástico’

Foto: Arquivo Pessoal

Com o auxílio principal vindo da gestão da escola municipal, a produção das ecobags e das sacolas ecológicas ainda ocorre em baixa escala. “Infelizmente, ainda é muito baixa. Estamos numa escola, sem apoio do governo para o projeto e sem recursos”, pontua Rafael, que afirma estar em busca de apoio a partir da inscrição em editais de pesquisa e inovação estudantil.

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O custo para produzir as sacolas biodegradáveis varia entre 50 e 75 centavos por unidade, para uma produção de 100 sacolas e utilizando metade do botijão de gás de 13 kg. Um botijão cheio produz, aproximadamente, 216 sacolas.

Esse custo considera o reaproveitamento dos resíduos descartados, bem como frutas e óleos vegetais da Amazônia. As sacolas e ecobags são produzidas na casa do próprio professor, enquanto o grupo tenta estabelecer parceria com comerciantes da região para que eles possam ceder gás de cozinha para o processo de fabricação dos materiais.

Mesmo em meio às dificuldades financeiras e de produção em larga escala, o professor e os estudantes dão continuidade à iniciativa na medida do possível. “Especialmente em uma escola periférica, no Acre, essa produção se torna muito difícil, eu tiro do bolso para fazer o pouco que a gente consegue fazer”, complementa.

Com a fabricação das ecobags e das sacolas plásticas, o “Esquadrão Antiplástico” percorre as casas e os comércios do bairro para mostrar que existem soluções viáveis para substituir as sacolas plásticas que demoram até 500 anos para se decompor no meio ambiente.

Além do trabalho de conscientização da comunidade, o grupo também promove eventos, conversas e apresentações teatrais, como maneira lúdica de explicar para os moradores do bairro Rosalinda a importância de abraçar soluções sustentáveis na rotina.

‘Diferença por um mundo melhor’

‘Esquadrão Antiplástico’

Foto: Arquivo Pessoal

Segundo Queiroz, os estudantes estão contentes com a repercussão do Esquadrão Antiplástico, especialmente por perceberem que podem, de fato, transformar a realidade do bairro em que vivem. “Essa preocupação e engajamento por parte deles é notória. Eles querem de fato conscientizar e propor soluções viáveis para a comunidade na qual eles estão inseridos”, diz.

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O mesmo foi percebido por Danuzia, que relata ter visto o filho Kauã trabalhando duro no projeto. Ela explica que sempre procurou incentivar o jovem de 13 anos e que o engajamento dele foi percebido por todos da família. “Ele passou muitos dias e noites estudando o projeto para fazer da melhor forma, colocando cada ideia e prática e buscando outras com os os colegas. Quando ele chegou para falar do projeto, eu o achei maravilhoso”, afirma.

Para o professor Rafael Queiroz, ter pais, mães e responsáveis envolvidos no processo também motiva os estudantes. “Temos pais engajados que auxiliam bastante os meninos e ajudam a divulgar o projeto na comunidade. Mas, ainda assim, sentimos falta da participação de outros responsáveis de alunos. Por ser um bairro periférico, poucos têm acesso ao celular, por incrível que pareça, e muitos não têm acesso à internet”.

“Espero transformar a vida dos meninos, que eles possam ver o quanto a educação pode mudar a realidade da vida deles e que inspire-os a seguir fazendo a diferença por um mundo melhor” — Queiroz

* Essa reportagem foi produzida como parte da Climate Change Media Partnership 2025, uma bolsa de jornalismo organizada pela Earth Journalism Network, da Internews, e pelo Stanley Center for Peace and Security.

Fonte: Portal Terra
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Planeta

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