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CIDADES

“Impossível identificar quem retirou os corpos”, diz perito sobre mortos na Penha

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Uma das dificuldades de atribuir o crime de “fraude processual” é individualizar as condutas, ou seja, saber quem retirou os corpos. Foto: Tomaz Silva/AB

A declaração do secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Felipe Curi, de que os moradores que retiraram corpos da mata no Complexo da Penha cometeram “fraude processual” é contestada por advogados, ativistas, peritos e especialistas em segurança pública. O principal argumento é que o Estado, responsável por preservar a área para a perícia, teria abandonado o local.

A afirmação do secretário de Segurança Pública, Victor Santos, de que “a polícia não tinha sequer ciência da existência” dos corpos também é contestada. Moradores tentavam acessar o local desde a manhã em que a operação começou, mas “não houve permissão”, afirma Fabiana Silva, ouvidora da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

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Para a advogada Flávia Pinheiro Fróes, presidente do Instituto Anjos da Liberdade — entidade que denunciou a megaoperação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos —, “quem cometeu fraude processual foi o Estado, que empilhou os primeiros sessenta corpos sem realizar perícias nem preservar o local do crime. Estão invertendo as responsabilidades”.

Segundo ela, moradores retiraram as roupas das vítimas para tentar reconhecer pessoas decapitadas ou com o rosto desfigurado, buscando identificar ferimentos e sinais particulares. “Era para ver marcas de tortura, facadas, tatuagens. Inclusive, muitos corpos estão passando por exame de DNA porque a identificação está muito difícil”, afirma a advogada.

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Dificuldades para comprovar a “fraude processual”

Segundo Cássio Thyone, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e perito aposentado após 23 anos na Polícia Civil do Distrito Federal, há duas dificuldades para comprovar a fraude processual. “Ela só ocorre quando alguém altera intencionalmente o local do crime. As pessoas entraram na mata à noite, desesperadas; se houve adulteração, não foi intencional”, afirma.

Caso haja um processo por adulteração do local do crime ou de provas, o perito considera praticamente impossível individualizar as responsabilidades. “Como vão identificar os responsáveis no meio da população? No máximo, podem apontar alguém com base em vídeos. Ou fariam exame de DNA nos corpos para saber quem tocou neles, para tentar descobrir quem os retirou da mata? Impossível.”

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Para o advogado Siro Darlan, os moradores que retiraram os corpos estão amparados juridicamente, pois teriam evitado o crime que o Código Penal Brasileiro tipifica como “vilipêndio de cadáver” (artigo 212). O delito ocorre quando se desrespeita o morto — ou até mesmo suas cinzas — por meio de gestos ou palavras. A pena prevista é de um a três anos de detenção, além de multa.

“Foi feito o possível pela população, uma vez que a própria polícia não cumpriu o que seria seu dever. Sabemos ainda que, no final, os corpos foram levados pela Defesa Civil. Não havia polícia”, diz Para Carlos Nhanga, coordenador regional do Instituto Fogo Cruzado no Rio de Janeiro. Para ele, é “chocante e vergonhoso” que moradores da Penha tenham sido obrigados a retirar os corpos da mata.

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ADPF das favelas não foi cumprida, diz líder comunitário

Ramildo Belizário Filho, presidente da Associação Quatro Bicas, no Complexo da Penha, nascido e criado na comunidade, aponta o descumprimento das regras da ADPF das favelas, estabelecidas por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em abril deste ano.

Algumas normas reforçam obrigações já existentes, como a preservação do local do crime e a realização de perícia — em casos de morte, as autópsias são obrigatórias, e os laudos devem ser emitidos em até dez dias. Policiais devem ter câmeras funcionando tanto nas fardas quanto nas viaturas.

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Segundo a ADPF, o Rio de Janeiro tem a obrigação de regulamentar a presença obrigatória de ambulâncias em operações policiais previamente planejadas. Elas devem estar posicionadas o mais próximo possível do local, exceto em situações de emergência.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, a Polícia Civil, a Polícia Militar e a Casa Civil, mas não obteve resposta aos questionamentos das fontes ouvidas. O espaço permanece aberto para manifestação das autoridades.

 

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