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Vendedora virou alvo do síndico após descobrir caixa dois e contas vencidas: ‘Me ligava ameaçando’

A vendedora Roberta Silva*, de 54 anos, mora em um condomínio no bairro do Socorro, na Zona Sul de São Paulo, há cerca de três anos. A mudança foi para realizar o sonho da casa própria e ter um lugar confortável para criar suas filhas. Entretanto, o sonho logo virou pesadelo por causa de brigas com o síndico.
- Esta reportagem faz parte da série Vizinhança em Guerra, que aborda a crescente violência em condomínios na cidade de São Paulo a partir das histórias de moradores vítimas de agressões físicas, verbais e até emocionais.
Segundo Roberta*, quando recebeu as chaves de sua unidade e chegou ao condomínio, tudo parecia organizado e alinhado. O síndico profissional indicado pela construtora –algo padrão nos empreendimentos atuais– parecia presente e prestativo. Entretanto, com o passar dos meses, ele foi ficando cada vez mais ausente e menos solícito, o que acabou precarizando a situação do prédio. Segundo ela, o profissional deixou certificados fundamentais vencerem, atrasou contas de recursos essenciais, o que comprometeu o fornecimento de água, e desfalcou o financeiro do condomínio.
“Esse síndico que nós tínhamos –prefiro, inclusive, não citar o nome dele– era ausente. Ele foi indicado pela construtora, mas não ia ao condomínio, não prestava contas. Nós tínhamos um fundo de caixa e esse fundo de caixa, em determinado momento, sumiu. [Com isso, eu comecei a desconfiar e investigar, então descobri que] nós tínhamos conta de água do condomínio em ‘gato’, que nós não tínhamos o AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros), e tudo isso tinha sido cobrado de nós. Nós ligávamos para ele e ele não dava satisfações. Não tínhamos extintor de incêndio carregado, nem mangueira do tamanho exato exigido pelo Corpo de Bombeiros. Não tínhamos nada disso. Quem correu com isso foi essa sindicância atual”, disse ao Terra.
A vendedora afirma que tentou denunciar as “falcatruas” do então síndico, mas que não foi ouvida, já que a empresa ligada ao profissional preferiu não dar atenção às suas reclamações. Por isso, conforme descobria algum erro na gestão, ela conversava com ele por meio de mensagens e, ameaçando expô-lo para os demais moradores, negociava alguma melhoria para o condomínio. Segundo ela, foi assim que conseguiu o micro-ondas para o salão de festas, benefícios para os moradores, para os funcionários e até a implementação do mercadinho.
“Isso [a batalha] ocupou muito do meu tempo. Quando fui ver o que estava acontecendo, coloquei as contas do condomínio no papel e vi que havia muita coisa errada: foi cobrado de 20 câmeras um valor de R$ 70 mil, um valor superfaturado; foi cobrado R$ 180 mil de conta de água atrasada, entre outras coisas. Se pedíamos informação, ele dizia que era gasto normal.”
Em determinado momento, Roberta*, juntamente com outros moradores que também estavam insatisfeitos, organizou um abaixo-assinado para pedir o impeachment do síndico e, por causa disso, passou a receber ligações ofensivas.
“Foi aí que começou o dilema. Ele me ligava ameaçando, dizia que ia me processar, processaria o condomínio, tiraria meu apartamento, que estava no final do mandato e que não daria em nada, que sairia de boa, isso se não fosse reeleito” — Roberta Silva*
As constantes ligações afetaram a saúde mental da vendedora, que, em determinado momento, se viu sobrecarregada ao lidar com o confronto contra o síndico, o trabalho diário e a rotina com o marido e as filhas. Após muita batalha, o síndico do prédio de Roberta foi trocado e muitos dos problemas foram resolvidos — pelo menos é o que ela considera.
O profissional ainda chegou a ameaçar processar o condomínio e a moradora algumas vezes, mas não levou isso adiante. Uma auditoria chegou a ser discutida em assembleia para analisar o sumiço de cerca de R$ 90 mil do fundo de emergência, mas, devido à falta de recursos, não foi realizada.
Violência em condomínios cresceu em SP
Segundo um levantamento exclusivo realizado pela reportagem do Terra, com base em dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, após dois anos de queda, os casos de violência em condomínios na cidade de São Paulo voltaram a crescer nos sete primeiros meses de 2025 e já ultrapassaram o recorde registrado em 2022.
Foram analisadas as ocorrências na capital paulista dos últimos cinco anos. Entre janeiro e julho de 2020 — início da pandemia de Covid-19 — foram registrados 985 casos de violência em conjuntos residenciais e moradias compartilhadas. O pico foi computado em 2022, com 1.945 boletins de ocorrência no mesmo período, seguido de dois anos de queda. Mas, em 2025, o número saltou para 1.952 ocorrências –quase o dobro de cinco anos atrás.
Ao todo, de acordo com o levantamento, nos últimos cinco anos foram contabilizados 9.338 casos de violência em condomínios, o que equivale a cerca de cinco registros por dia em delegacias de São Paulo.
Embora a lesão corporal tenha somado 941 ocorrências e assumido a liderança dos casos de violência em condomínios em 2025 –um aumento de 31% em relação ao mesmo período de 2024–, em números absolutos, ou seja, considerando os cinco anos analisados, a injúria, que pode envolver ameaças como as sofridas por Roberta*, segue como o delito mais recorrente, com 3.963 ocorrências, contra 3.702 de lesão corporal.
Impactos da violência institucional
Os impactos da violência institucional são relativos –podem afetar mais ou menos, a depender da pessoa e de seu estado emocional. De modo geral, moradores podem se sentir acuados dentro de suas próprias casas, levando a um clima de tensão constante e, possivelmente, desenvolvendo problemas psicológicos em decorrência de situações como essa.
Para Cintia Castro, psicanalista e mediadora de conflitos em condomínios, é preciso estar atento aos sintomas e consequências. Se as brigas com o síndico estão levando à arritmia, a problemas com o sono, a falta de ar psicossomática, ao sentimento de vulnerabilidade física e domiciliar, a orientação é conversar com alguém sobre o assunto.
Ignorar os sinais de alerta pode gerar questões graves no futuro, como:
- Agorafobia
- Depressão
- Crises de pânico
- Crises de ansiedade
- TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático)
- Violação da integridade física
“Quando você acaba tendo uma briga normal e isso não afeta o seu cotidiano, é só um momento de raiva, de fuga. Agora, se começa a afetar o seu cotidiano –quando você passa a se isolar, evitar frequentar as áreas comuns, evita vizinhos, sai de grupos de WhatsApp– é um sinal de alerta. A primeira coisa a fazer é pedir ajuda a quem mora com você. Se não tiver ninguém, procure ajuda profissional, porque o sofrimento interno vai se acumular e você não conseguirá exteriorizar”, explica.
Em contrapartida, Renato Daniel Tichauer, presidente da Associação de Síndicos de Condomínios Comerciais e Residenciais do Estado de São Paulo (Assosíndicos), aconselha que quem passa por situações como a de Roberta* siga o exemplo dela.
“O papel do síndico não é ser bem aceito ou não junto aos condôminos, e sim aplicar as penalidades –sejam administrativas, pecuniárias ou financeiras–, que costumam dar resultados positivos. [Entretanto, em caso de contestação da gestão], a recomendação para ambos é contratar uma auditoria contábil nas pastas de prestação de contas.”
Aos moradores, ele orienta que se organizem e façam valer seus direitos, participando ativamente das assembleias, exigindo transparência na administração e, em casos extremos, fazendo denúncia a órgãos como o Ministério Público ou a Justiça. Segundo ele, a legislação prevê mecanismos para destituir síndicos que abusem do cargo, garantindo um ambiente seguro e respeitoso para todos no condomínio.
Já Christiane Faturi, vice-presidente da Associação Nacional dos Síndicos e Gestores Condominiais (ANSINDICOS), reforça que síndicos acusados de fraude ou negligência devem ouvir os condôminos e atuar com transparência.
“A orientação é de transparência. O síndico deve informar as contas da administração de forma clara, de modo que qualquer condômino que tenha dúvidas sobre a gestão do orçamento consiga visualizar como o síndico está administrando o empreendimento. Conflitos sempre existirão, afinal, são várias pessoas diferentes convivendo no mesmo espaço. No entanto, existem regras, normas e regulamentos a seguir dentro de um condomínio.” *A entrevistada teve a identidade preservada. Com isso, foi adotado um nome fictício.
