ECONOMIA
Centrão influencia Susep a barrar inovações que podem baratear seguros
Em sua posse na presidência da Federação Nacional dos Corretores de Seguros Privados (Fenacor), há duas semanas, Armando Vergílio defendeu “urgentemente” correções para “desconstruir grandes maldades praticadas nos últimos dois ou três anos contra todo o setor e nós, os corretores”.
Ele se referia à atuação da ex-xerife do mercado de seguros Solange Vieira, substituída em novembro de 2021 no comando da Superintendência de Seguros Privados (Susep) por Alexandre Camillo. O novo superintendente vem do setor de corretagem — foi diretor da Fenacor — e acompanhou a posse de Vergílio ao lado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e de outros parlamentares do Centrão. A indicação de Camillo é atribuída ao grupo político que se tornou base do governo Bolsonaro e retomou a influência que havia perdido na autarquia.
A troca de comando na Susep freou uma agenda de inovações que prometia uma revolução no setor, alterando os rumos da regulação.
Solange havia sido indicada para a Susep em 2019 pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para pautar uma linha liberalizante de desburocratização e ampliação da concorrência no setor. As principais apostas dela foram o sandbox (modelo de flexibilização de regras que permite inovações de pequenas empresas, como start-ups financeiras) e o Open Insurance (equivalente ao Open Banking no mercado financeiro, que consiste no compartilhamento de dados dos clientes para aumentar a concorrência).
As iniciativas eram vistas como uma oportunidade de proporcionar seguros mais modernos, personalizados e baratos, mas a nova direção da Susep desacelerou as mudanças, como queriam corretores e grandes seguradoras.
Previsto inicialmente para entrar em operação no fim deste ano, a implementação do Open Insurance foi adiada para meados de 2023. Nos corredores da Susep é dado como certa uma nova extensão do prazo porque todo o processo esfriou na nova diretoria.
Estimativas da Susep apontavam que o preço do seguro de automóveis, por exemplo, poderia cair entre 30% e 50% com o novo sistema de compartilhamento de informações. Mas, sem os avanços, segue em alta. O valor médio dos contratos para carros subiu 32% nos últimos 12 meses, segundo o IPCA de maio, bem acima da inflação no período, de 11,73%.
As mudanças na regulação que estavam em curso na Susep eram muito criticadas pelas entidades que representam seguradoras e corretores, de onde vem Camillo. O setor resiste às alterações, entre outros fatores, porque o novo sistema exige um grande investimento em tecnologia e na proteção de dados ao mesmo tempo em que aumentam as possibilidades de venda direta de seguros, com os clientes contratando em plataformas digitais sem a intermediação dos corretores.
Desde que assumiu a Susep, Camillo preferiu se concentrar na defesa da manutenção do DPVAT, o seguro obrigatório de danos pessoais para veículos, que está em estudo no governo, e da autorregulação do setor, deixando o Open Insurance em segundo plano. Ao GLOBO, o atual superintendente da Susep disse que está “revisitando” as normas para ter um arcabouço jurídico “perfeito”. Questionado sobre o impacto do adiamento para os consumidores, Camillo afirmou que prefere levar a coisa de forma não “açodada”:
“O consumidor precisa de algo que leve a ele segurança, ainda mais quando se trata de expor seus dados.”
Volta do DPVAT
A visão é compartilhada por Dyogo Oliveira, presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg). A entidade enviou pedido à Susep recentemente para adiar o Open Insurance para o fim de 2023 e diminuir o escopo dos dados compartilhados pelas seguradoras. Mas Gesner de Oliveira, coordenador de pesquisa do Instituto de Inovação em Seguros e Resseguros (IISR) da FGV, avalia que o adiamento prejudica o consumidor:
“São reformas que devem ser feitas com todo o cuidado, mas quanto mais adiadas mais desprotegida fica a população.”
Camillo explica por que considera prioritário repensar o DPVAT em vez de acelerar o Open Insurance:
“A gente acredita que ainda tenha fundos (do DPVAT, sem cobrar prêmio dos donos de veículos) para um período do ano que vem, o que não é satisfatório, pois não pode ter um atendimento para um exercício quebrado.”
O DPVAT obrigatório é de interesse das seguradoras e historicamente é ligado a Luciano Bivar, presidente do União Brasil e pré-candidato à Presidência, que tem negócios no setor. O governo está revendo o seguro, que já foi alvo de irregularidades no passado, quando era administrado por empresas. Hoje a gestão está com a Caixa. O governo não cobrou o prêmio do seguro dos proprietários de veículos nos últimos dois anos por sobra de recursos do DPVAT.
Camillo, que teve o apoio do Centrão e do Planalto para assumir a Susep, tem sua indicação atribuída nos bastidores do governo ao advogado Antônio Rueda, próximo a Bivar. No entanto, Rueda nega ter feito qualquer indicação em qualquer governo. Diz conhecer o atual superintendente, mas não ter relação com ele.
O novo líder da Susep é próximo a Lira, que fez questão de demonstrar apoio aos corretores no evento da Fenacor:
“A Câmara sempre estará de portas abertas para o setor. No caso do pleito da autorregulação, nossa vinda aqui é para prestigiar vocês. Sintam-se em casa no meu gabinete.”
A gestão de Solange Vieira desagradou porque ela “não dialogava” muito com seguradoras e corretores, dizem representantes do setor. A principal crítica era sobre prazos apertados para cumprir muitas regras novas e compartilhar dados para acelerar a abertura do mercado. Executivos do setor dizem que a interlocução com Camillo é melhor.
Solange também havia interrompido a histórica influência dos partidos do Centrão na Susep. Com a aproximação de Bolsonaro destas legendas, Paulo Guedes não conseguiu mantê-la. Funcionária de carreira do BNDES, Solange voltou ao banco para assumir uma diretoria. Procurada, não quis se manifestar.
Impacto só em 2024
Apesar do recuo da Susep, empresas que inovam no setor comemoram o pouco já feito. Segundo o CEO da Pier Seguradora, Igor Mascarenhas, a start-up conseguiu, em quatro anos, acumular uma base de 120 mil clientes, sendo que 60% não tinham seguro antes:
“O mercado de seguros tem potencial enorme, no Brasil equivale a só 4% do PIB (Produto Interno Bruto), contra 7% em países semelhantes.”
A advogada Camila Calais, sócia do escritório Mattos Filho com foco no setor, vê benefícios no Open Insurance, como mais agilidade e opções de escolha para os clientes, mas ressalta que o mercado ainda enfrentará desafios como equalizar os prazos e investimentos necessários.
Na visão dos executivos do mercado, o Open Insurance ainda deve demorar anos para ter um impacto significativo. De acordo com pesquisa feita pela consultoria Capgemini, obtida com exclusividade pelo GLOBO, a maior parte dos executivos espera que o Open Insurance passe a impactar o mercado só em 2024.
“Um desafio claro é de conhecimento. A gente fez essa pergunta para as empresas, sobre qual o grau de conhecimento que elas têm em relação ao Open Insurance, e é muito baixo”, diz Francisco Galiza, consultor e parceiro da Capgemini na elaboração do estudo, que prevê uma adaptação em longo prazo.
De acordo com a pesquisa, o Open Insurance deve levar à entrada de novas empresas e novos produtos no mercado, além de uma distribuição mais diversificada e a manutenção dos lucros do setor, mas não necessariamente a preços mais baixos. O vice-presidente para Serviços Financeiros da Capgemini Brasil, Roberto Ciccone, concorda que as mudanças na regulação aumentam a competitividade, mas ressalta que o preço também depende de outros fatores.
Entenda algumas mudanças em curso
Open Insurance
Uma das apostas da Susep (órgão do governo que regula o mercado de seguros), o Open Insurance prevê o compartilhamento de dados entre seguradoras para que possam oferecer produtos sob medida e com melhores condições aos consumidores, acirrando a concorrência. É um modelo similar ao do Open Banking, que o Banco Central implementa no setor financeiro.
Sandbox
Para fomentar as insuretechs, como são chamadas as start-ups de seguros, a Susep adotou o modelo de sandbox: a regulação é flexibilizada para a experimentação de novos modelos e produtos propostos pelo mercado, sem formatação prévia.
Novas possibilidades
Entre os novos modelos de seguros viabilizados neste novo ambiente estão os que podem ser contratados via aplicativos e o “liga e desliga”, como o de carro ou residencial que o usuário ativa quando sai de casa ou paga de acordo com quilômetros rodados, no caso de veículos.